22 maio 2015

O Quarto Ato: A Resolução

Encerrar uma história nunca é fácil. Se a maioria dos iniciantes costuma patinar logo no Primeiro Ato, tanto eles quanto escritores mais experientes sofrem na hora de dar um ponto final para a sua trama. Há muitas variáveis em jogo, muitas possibilidades para errar, muitas tentações que surgem na ansiedade de finalizar aquele trabalho que te ocupou pelos últimos meses ou anos. Daí surgem resoluções fáceis, preguiçosas, incoerentes e, em grande parte, insatisfatórias.
Meh...
Este é um grande pecado. Um final nunca deve ser insatisfatório. Na verdade ele precisa ser NO MÍNIMO satisfatório. Claro que sempre miramos alto, sempre queremos que nossos finais sejam bombásticos, impressionantes, inesquecíveis, etc. Mas, para alcançarmos esse grau, é essencial que ele seja, de novo, no mínimo satisfatório ao leitor.

E o que é um final satisfatório? O mocinho derrota o bandido, beija a mocinha e juntos cavalgam na direção do sol poente? Pode ser. Mas também pode ser uma reviravolta que subverte todas as expectativas criadas nos atos anteriores. Pode ser o trágico sacrifício final do protagonista. Um final satisfatório não precisa ser necessariamente um final feliz. Pode ser que a resolução gere implicações catastróficas. Pode até ser que o antagonista vença.
Na verdade, não importa como sua história irá terminar. O que importa é que, quando o leitor fechar seu livro pela última vez, ele deverá levar sua história com ele para sempre. Pode ser na forma de um questionamento incitante, uma nova ideia ou uma memória afetiva pelos personagens e/ou trama. Qualquer sentimento que não seja indiferença. Pode ser até mesmo raiva, desde que seja pelo que aconteceu na história, não de você. Algo precisa permanecer com ele após a leitura. É essa a satisfação que ele estava buscando quando começou o livro, e prover esse sentimento é sua responsabilidade. Não fuja dela.
E como conseguir esse efeito no ato de encerramento? Bom, alguns elementos precisam se fazer presentes:

  • Encerramento do arco dramático do protagonista: Esse é essencial. O protagonista deverá sair da história diferente de como entrou. Ele deverá aprender algo, evoluir. Deverá enfrentar os demônios interiores e exteriores e superá-los de alguma maneira. Mesmo que no final o mundo esteja salvo e todos retornem à vida "normal" antes da crise, ele deverá sair modificado. Se a série de eventos narrados pelo livro não causou um grande impacto na vida do protagonista, como você espera que irá impactar na do leitor?
  • Encerramento da trama principal: O drama principal deve ser resolvido, para o bem ou para o mal. Não importa se seu livro terá continuações ou fará parte de uma decalogia. A trama principal daquele volume deverá ser resolvida, mesmo que essa resolução impacte nos próximos livros. Aliás, se este for o caso, é importante que isso ocorra. 
  • Exposição do Tema: Lembra-se quando falamos sobre o Tema da história? É neste ponto que ele se fará mais presente (mesmo tendo permeado toda a trama). É aqui que o leitor deverá ser tocado pela mensagem implícita em sua história, compreender a consequência de certo raciocínio ou ação. Não precisa ser algo explícito, mas precisa ser sentido de alguma maneira. Esse talvez seja o ponto mais importante a ser levado em conta.

Só tudo isso. Como eu disse, não é uma tarefa fácil. A boa notícia é que, como ainda estamos fazendo o planejamento da obra, sabemos o que precisamos fazer. Olhe para trás por um instante e veja tudo o que você tem à sua disposição: Você tem um Tema, um Conceito, uma Premissa, Personagens tridimensionais e uma Estrutura bem definida, com um Primeiro Ato sólido, um Segundo Ato dramático e um Terceiro Ato poderoso. Tudo isso irá tornar a sua tarefa de encontrar o final perfeito um pouco mais fácil.
Mas ainda há diversas armadilhas a se evitar nesse processo. Todo cuidado é pouco. Então, quando estiver delineando o encerramento de sua história, preste atenção para evitar alguns erros comuns nessa fase:

  • Deus ex machina: Esse é o mais conhecido, mas mesmo assim muitas vezes acabamos encontrando em diversas histórias. Evite soluções que não foram apresentadas ou mesmo prenunciadas nos atos anteriores. Não introduza novos personagens ou elementos neste momento. A solução deve estar permeada na trama, só se fazendo clara no momento crucial. Se você não sabe como resolver o arco dramático principal, é porque precisa voltar e repensar toda sua história.
  • Protagonista como "mera testemunha": Esse é mortal. Seu protagonista não deve apenas fazer parte da solução do conflito, ele deve ser a parte essencial. Caso contrário ele não será o protagonista. Serão suas ações, atitudes e ideias que irão encerrar a história. E ele não deve de maneira alguma ser resgatado. Se alguém resgata alguém aqui é ele. Não enfraqueça seu personagem logo no momento culminante de sua história. Você preparou todo o palco para aquele momento. Permita que ele brilhe.
  • Soluções "mágicas" (note as aspas) ou incoerentes: Sua história não precisa seguir a lógica do mundo real, mas precisa ter uma lógica interna. Se em seu mundo dois mais dois é igual a cinco, o resultado não pode ser quatro no ato final apenas "porque sim". A resolução precisa fazer sentido, e deve ser o resultado das ações e reações dos personagens. Do contrário você somente atirará no lixo tudo o que veio antes deste final. Invalidará toda a luta do protagonista, diluirá todo o drama e destruirá tudo o que foi construído até então. Nada desrespeita mais o seu leitor do que isso.

Outra coisa importante: você não precisa atar todas as pontas soltas de sua trama, apenas as principais. Isso é importante especialmente caso seu livro venha a ter uma continuação ou faça parte de uma saga. Você pode deixar algumas perguntas sem resposta, desde que isso não invalide a resolução principal. Essas pontas podem criar um questionamento interessante, um "E se..." no canto do cérebro do leitor, que irá assombrá-lo por muito tempo.

E finais abertos. Eu adoro, mas é algo que precisa ser feito com muito cuidado. Existe um abismo entre um final aberto e uma história sem final. Sua história PRECISA terminar. Um final aberto deve ser uma consequência posterior à resolução da trama principal, que não será narrada. Um imenso "E agora?" pulsando na cabeça de seu leitor. Pode ser um gancho para uma continuação, mas não precisa ser necessariamente isso. Pode ser a compreensão das consequências da resolução no futuro dos personagens, ou mesmo do mundo no qual a história está inserida. Um final aberto deve ser um questionamento sem uma resposta simples, que permanecerá após o ponto final. Quando bem feito o resultado é espetacular. Caso contrário, de novo, só gerará frustração.
Ufa! Como eu disse, não é fácil. Mas, se você acompanhou todo o processo, desde sua concepção até aqui, tenho certeza que o trabalho será menos doloroso e as chances de sucesso maiores. Não há nenhuma garantia, é claro, mas você já tem os subsídios mínimos necessários para começar a efetivamente redigir sua história. Você já sabe o caminho que irá percorrer, já planejou cada elemento. Com quase certeza haverá surpresas e mudanças de rumo, mas a diferença é que você agora sabe o que mudar, e por quê.

No próximo artigo irei explicar como organizar todas essas informações de maneira coerente, criando um guia que irá acompanhar todo o processo criativo, justificando todo esse trabalho prévio e auxiliando na realização desta tarefa maravilhosa que é criar uma história. Estamos na reta final do planejamento, mas apenas começando a jornada da criação. Não esmoreça agora.

Até lá.


Este artigo é o décimo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui, o sétimo aqui, o oitavo aqui e o nono aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

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