12 maio 2015

O Primeiro Ato: A Apresentação


Imagine que você tenha uma banda, e que está prestes a entrar no palco. Não é um show só seu. Você foi contratado para animar uma casa noturna. As pessoas estão ali para se divertir, não para vê-lo. Ninguém te conhece, não sabem se você é um puta músico ou apenas um medíocre dedilhador de notas. Eles estão dispostos a gostar de você, mas você precisa cumprir suas expectativas, ou mesmo superá-las, de modo a que eles saiam de suas mesas e lotem a pista. É preciso ganhá-los logo de cara, caso contrário o show será um fracasso, independente de sua capacidade musical. É preciso chegar chutando a porta. Não comece com uma balada melancólica. Não diga "Oi, nós somos...". Dispare um acorde aberto e mande o baterista marretar as peles.

É assim que uma história deve começar: agarrando o leitor pelo pescoço e arrancando seu fôlego. O grande erro da maioria dos iniciantes é demorar muito para chegar na trama, se perder em explicações, descrições e ambientações por páginas e páginas durante o primeiro ato. Aí, quando finalmente o protagonista entra na história que interessa e a trama pode fluir, você já perdeu grande parte de seu público. Não enrole. Seus leitores vieram. eles estão propensos a gostar de sua história. Não perca essa chance. Jogue-os sem piedade dentro da trama logo nas primeiras páginas. Depois você pode diminuir o tom, deixá-los respirar, explicar com calma o que está acontecendo. Mas quando esse momento chegar eles já estarão fisgados, e irão caminhar ao lado de seu protagonista até o final.

Essa é a função primordial do primeiro ato. Tudo o que você fizer terá esse objetivo. Você não terá uma segunda chance. Se até a décima página o seu leitor não estiver minimamente intrigado com sua história, ele irá abandoná-la. Pense como um leitor por um instante, e me responda: quantos livros você já abandonou logo no início porque a história simplesmente não engrenava? Você pode até se esforçar, dar mais uma chance, mas se até o final do primeiro quarto da história nada relevante acontecer, as chances de você abandonar o livro aumentarão exponencialmente.

São três coisas que precisam ser apresentadas ao leitor logo no primeiro ato: o Protagonista, a Ambientação e a Premissa. Ao final dos primeiros 25% da história eles precisam saber pra quem irão torcer, onde a trama se desenvolverá e, mais importante de tudo, sobre o quê é essa história. Esses termos não são negociáveis. Caso você falhe em entregar esses elementos logo no início, sua história naufragará e seus leitores a abandonarão. Não enrole. Não arraste sua trama. Apresente seu protagonista e seu objetivo logo que puder. Contextualize o quanto for necessário, mas não perca muito tempo tentando explicar toda a vida de cada personagem antes de entrar no que realmente interessa. Você terá tempo para se aprofundar depois. Lembre-se: "Quem?", "Onde?" e "O quê?". São essas as perguntas que precisam ser respondidas logo no início. Está anotando?
A soma destes elementos irá criar o GANCHO de sua história. Sem um bom gancho, seu leitor poderá escapar, então é essencial que você defina como será esse gancho durante seu planejamento. Apresente seu protagonista, sugira seus demônios interiores, seus objetivos individuais (mas de forma orgânica, sem cair no didatismo), em qual realidade ele está inserido e o que está em jogo caso ele fracasse. Tudo isso já deve estar no tabuleiro quando o Primeiro Ponto de Virada (Plot Point) chegar, marcando o final do primeiro ato. Se tudo for feito de maneira correta, quando seu leitor chegar a este ponto, ele já estará fisgado e não terá mais como escapar.
Para conseguir esse efeito, é preciso que seu primeiro ato disponha de algumas cenas chave:

  • Cena de Abertura: É quando seu protagonista deve ser apresentado. Ele não precisa aparecer, mas precisa ser ao menos mencionado. Sua presença deve ser sentida, e ele deve deixar já a sua primeira impressão. Quem é ele(a)? Como ele(a) é? Por quê ele(a) é importante? Por que devemos torcer por ele(a)?
  • Gancho Inicial: Algo já deve prenunciar o que acontecerá nos próximos atos. O antagonista (ou força antagonista) já deve dar sinais de sua influência, mesmo que apenas indiretamente. É aqui que a Premissa deve surgir. Não entregue o ouro ainda, mas mostre que haverá algo reluzente mais pra frente.
  • Incidente Incitante: Esse é opcional, mas sempre ajuda. Um evento que dará pistas do que acontecerá no Primeiro Ponto de Virada. Uma sugestão que prenuncia o conflito que se seguirá. Um incidente Incitante é sempre bom para reforçar ao leitor o que está em jogo.
  • Primeiro Ponto de Virada: É onde a trama realmente engrena. Algo importante deve acontecer, e esse evento irá virar a vida do protagonista de cabeça para baixo. Ele precisará sair de sua zona de conforto e lidar com esse problema. Não interessa o que ele quer fazer, mas sim o que ele precisa fazer. Tudo mais passará a ser secundário depois desse ponto. O drama foi inserido, o conflito apresentado, e algo precisa ser feito. Caso contrário, as consequências serão catastróficas.
De novo, esse primeiro ato não deve ultrapassar 25% de sua história. Caso dure mais do que isso sua trama irá se arrastar. Se for mais curta, será muito corrida. Seu primeiro ato será a base na qual toda sua trama será construída. Ele deve ser sólido e consistente. Planeje-o com cuidado. Adicione os elementos necessários, mas tome cuidado para não exagerar. Não se perca em detalhes e em descrições. Conflitos internos ou detalhes importantes da história pregressa dos personagens deverão ser explorados mais a fundo no segundo e no terceiro ato. Mas largue algumas pistas pelo caminho, algo que instigue a curiosidade. Você sabe para onde está indo. Agarre seu leitor pelo pescoço e guie-o por este caminho.
Mas não exagere!
No próximo artigo falaremos sobre o segundo ato, ou a Resposta do protagonista ao Primeiro Ponto de Virada. É aí que o bicho realmente pega.

Até lá.



Este artigo é o sétimo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui e o sexto aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

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