23 abril 2015

A Promessa da Premissa


Muito bem, já temos um Tema, já elaboramos um Conceito, é hora de escarafunchar um pouco mais, abanar a neblina, assoprar a poeira e ver o que tem de verdade nessa coisa que chamamos de história. É hora de começarmos a nos comprometer com o que realmente será escrito. É hora de estabelecer uma PREMISSA.

E o que é uma premissa? Pode ir no dicionário dar uma olhada se quiser (Aliás, esse é um hábito muito saudável). Já olhou? Entendeu? Legal. No nosso caso específico, a premissa será o fator que irá vender sua história. Sim, isso mesmo.
"Mas eu nem comecei a escrever a história e você já quer vendê-la?". Calma, pequeno gafanhoto. Primeiro, como eu já disse no artigo anterior, você já está escrevendo a história. Segundo, estamos falando mais em termos de gerar atrativos do que de cifras e montantes.

Sua história precisa ser "comprada" por seus leitores. Eles precisam sentir um comichão irresistível para saber como ela se desenvolverá, e como terminará. Ele se interessou pelo tema, foi paquerado pelo conceito. Agora é hora de dar o bote e agarrá-lo. E a arma para isso é a premissa.

Uma premissa precisa se comprometer. Agora é hora de delinear efetivamente QUAL a história será contada. Entrar mais no detalhe, delinear um pouco mais os personagens e tudo aquilo que torna sua história interessante e instigante o suficiente para ser lida.

Tá, mas como fazer isso? Não é fácil. Temos pouca matéria prima em mãos ainda (de novo, apenas Tema e Conceito). Precisamos de mais coisas, de mais ferramentas. Bom, aqui uma lista do que uma boa premissa DEVE conter:

  • Um (ou mais) Protagonista(s): É hora de pensar na figura que impulsionará nossa história, que levará as bordoadas da trama e carregará nossa empatia até o ponto final. Mas não se preocupe com muitos detalhes ainda. Nesta etapa pode se ater à primeira dimensão (explicarei sobre dimensões de personagens no próximo artigo). Use arquétipos. Mas, se puder (e isso puder ser relevante para a trama), adicione um twist: "Um açougueiro vegetariano", "Uma freira com tendências sadomasoquistas", etc.
  • Cenário: Toda história se passa em algum lugar, e em alguma época. Diga onde e quando sua trama se desenrolará, mesmo que ela se passe em diversos lugares e épocas diferentes. Cite todos, se for necessário. "São Paulo, início do século XXI", "China, 250 a.C.", "Tralfamadore, do Big Bang à Entropia".
  • O Primeiro Ponto de Virada: ou, em bom português, Plot Twist. Um ponto de virada é quando a vida pregressa do protagonista vira do avesso e ele precisa agir. É o primeiro impulso da história, algo que a transforma de um simples retrato prosaico em uma trama, em uma sequência de eventos que puxarão seus leitores do primeiro parágrafo até o ponto final.

Só isso. Tudo isso. Se estes elementos forem adicionados, você terá uma premissa. Junte tudo em poucas frases, se possível. Mas não negligencie os detalhes. Aqui, mais do que nunca, o Diabo está nos detalhes. É hora de correr riscos, de elevar a barra. Não tenha medo.

Vou exemplificar. Imaginem a premissa abaixo:
Após a morte de seu marido, uma mulher vasculha seus e-mais e descobre um segredo terrível que virará sua vida de cabeça para baixo.
É uma premissa? É. Tem uma protagonista (a viúva), um cenário básico (é um trama contemporânea) e o primeiro ponto de virada (a descoberta dos e-mails comprometedores).

Agora, é uma boa premissa? Ela te deu vontade de continuar, de descobrir como a história se desenvolverá? Não, pois é genérica demais. Quem era o marido? Qual o segredo? Não precisa entregar todo o ouro, mas algo precisa ser dito, algo que seduza, que atice a curiosidade do leitor.

Vamos tentar de novo:
Após o assassinato de um milionário filantropo, sua viúva, ao ter acesso aos e-mails do marido, descobre que ele talvez esteja envolvido em uma rede de tráfico de escravas sexuais. Para desvendar essa história ela viajará pelos recantos pobres do Brasil até bordéis na Tailândia, numa experiência que colocará em xeque suas convicções conservadoras e sua própria sexualidade.
Pronto, já melhorou. Um milionário filantropo envolvido em tráfico de mulheres? Uma viúva conservadora em uma jornada para a descoberta tardia da própria sexualidade? ESSA é uma história que eu queria ver desenvolvida. Perceba a diferença: na primeira tentativa qualquer história podia se encaixar nela. Era uma premissa fraca, frouxa, descomprometida. Pouco mais que um conceito. Já a segunda instiga uma série de perguntas, que sua história precisará responder. Os personagens ainda estão pouco delineados, mas já há um direcionamento maior. Sabemos QUAL história será contada.

Deu vontade de escrever, não deu? Essa é a função da premissa. É seduzir não apenas um leitor hipotético, mas também o(a) escritor(a). Tema, Conceito e Premissa são ferramentas essenciais no processo criativo. Um Tema leva à um Conceito, que se solidifica em uma Premissa. Vapor, água e gelo. O etéreo começa a tomar forma, mesmo que ainda necessite de uma boa lapidação para se tornar arte.

E qual o próximo passo? Você adivinhou: Construção de Personagens. Mas isso é o assunto do próximo artigo.

Até lá.


Este artigo é o quarto de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui e o terceiro aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Seus artigos são muito bons. Eu escrevi de forma intuitiva, uma vez, umas boas 100 páginas uma vez e quebrei a cara: "travei" e me deparei com uma história extremamente medíocre. Agora, com as ideias que você tem dado, o trabalho parece "menos medonho" e eu tenho me sentido tentado a tirar aquela ideia da gaveta. Muito obrigado, e parabéns.