31 dezembro 2010

Kit Ressaca


- Pois não?

- Boa noite. Vou querer um Kit Ressaca.

- Claro. Engov, aqui está. Sal de frutas. Tem preferência de sabor?

- Sem sabor.

- Caubói então. Alguma preferência de analgésico? Temos Aspirina, Cafiaspirina, Advil, Melhoral, Tylenol, Neosaldina, Cibalena...

- Nossa, ainda existe Cibalena?

- Clássicos nunca morrem.

- Tem Cefaliv?

- Ah, agora estamos conversando. Mais alguma coisa?

- Tem Luftal?

- Está com medo de peidar na farofa?

- Ahahah! Não. A mulher pediu.

- Aqui. E leva um Atroveran também. Só pra garantir.

- Boa! Valeu.

- Feliz Ano Novo.

- Pra você também.

(Baseado em fatos reais e recentes. Adoro a Vila Madalena. Feliz 2011 pra todos)

23 dezembro 2010

Anônimo e a mediocridade argumentativa

Quem me acompanha no Twitter deve ter visto que citei um comentário colocado aqui no blog no texto "Tarantino e a mediocridade narrativa", onde discorro sobre minha opinião a respeito do último filme do diretor estadunidense, Bastardos Inglórios. Diferente de uma crítica ou resenha, utilizei o filme como exemplo a não ser seguido, e concluí com uma nota onde faço alusão ao cenário literário brasileiro. Se não leu o texto recomendo que leia antes de continuar. Eu espero.

Muito bem, o comentário postado pelo leitor anônimo foi o seguinte:
Pelo visto vc não entendeu absolutamente NADA do filme. E ainda acha que o Tarantino "errou" do ponto de vista histórico. Amigo, vai pesquisar antes de falar besteira, você como escritor deveria saber disso.
Confrontado desta maneira e sem ter um contato para responder, coloquei no Twitter o seguinte:
Acho engraçado como as pessoas adoram cagar regras e desmerecer uma opinião fundamentada apenas com agressões e grosserias. Todo mundo tem o direito de expressar uma opinião contrária à minha. Mas, por favor, seja educado e use argumentos, não ataques gratuitos. E outra coisa: quando escrevo um texto opinativo eu ASSINO minha opinião. Nunca me escondi em comentários covardes anônimos. E eu continuo achando Bastardos Inglórios uma pilha fétida e fumegante de massa fecal.
Sim, confesso que não foi uma resposta das mais elegantes. Talvez por esse motivo (ou pelo fato de eu ter "alimentado o troll") recebi um novo comentário igualmente anônimo no mesmo post (o que demonstra que, além de me ler, ele me acompanha no Twitter). O resultado foi melhor que eu esperava. Desta vez realmente HÁ argumentos. Ruins, mas há. Fiquei tão feliz com o feedback que faço questão de responder cada argumento à altura. Vamos lá:
Engraçado você me acusando de "grosseiro" e "agressor", você chama o filme de "porcaria", "bomba" e "imbecil", convenhamos que isso não são os adjetivos mais elegantes para se fazer a alguma coisa.
Pessoas se ofendem. Obras não. Se eu escrevo um texto ruim não me ofendo quando me dizem isso. Chamar um filme de ruim não é ofender seu criador.
E você ainda acha que o diretor/roteirista não conseguiu te enganar. Estranho, ele enganou a maioria das premiações que concorreu e os 88% dos críticos do Rotten Tomatoes. Parabéns, você realmente tem uma percepção única.
Se o filme foi ovacionado por 88% significa que 22% o desaprovaram. E mesmo que fossem 100%, nenhuma maioria influencia minha opinião.
Quer argumentos do pq o seu texto é pedante e sua opinião é arrogante e estúpida? Eu te dou argumentos.
Pode chamar meu texto de pedante. Não ligo. Mas atacar minha liberdade de opinião é uma ofensa. Aliás, mais uma. Está anotando? Ou quer que eu desenhe para você?
O primeiro ponto que merece destaque é o fato do Tarantino não fazer um filme cheio de lugares-comuns sobre guerra. Com certeza, amigo, você já viu muitos filmes de guerra e sabe que eles são todos muito parecidos. Tarantino, como um enorme apaixonado e entendido de cinema, filtra a história por uma lente mítica (algo que o cinema pode oferecer muito bem), mostrando uma "vingança de fantasia".
Em momento algum coloquei em xeque a originalidade da ideia ou ignoro a existência de um fator fantástico. E não é porque o filme se passa durante uma guerra que ele precise ser rotulado de "filme de guerra" e seguir uma fórmula. Se fosse assim A noviça rebelde ou A queda deveriam ser considerados filme de guerra. E usar licenças históricas em nome da narrativa é perfeitamente válido caso elas se justifiquem organicamente ao universo diegético da trama. Não foi o que aconteceu. Há uma grande diferença entre o conceito de "realidade alternativa" (como, por exemplo, no bom filme A nação do medo) e desrespeitar fatos históricos apenas "porque sim" (como no pavoroso Gladiador do Ridley Scott).
A discussão é: são óbvios os crimes que os Nazistas cometeram, porém, numa situação inversa, como agiríamos? Metralhando todos, desarmados, num cinema fechado? Julgamos a violência, com violência?
Você enxergou isso em Bastardos Inglórios? Mesmo? Acho que você está dando mais mérito ao Tarantino que deveria.
Algo que Michael Haneke discute bastante em seus filmes (assista Funny Games, se não tiver visto).
Sim, assisti. As duas versões. É até covardia comparar uma análise profunda da crueldade e da violência humana como Funny Games com os delírios bipolares prolixos de Tarantino. Só essa comparação me faz gostar ainda menos de Bastardos Inglórios.
O próprio Tarantino discute muito a violência em seus roteiros, como em Amor à Queima Roupa e Assassinos por Natureza. Só que desta vez, o cenário foi diferentes. Ele simplesmente não cometeu "atrocidades históricas", foi uma "alegoria" como vc mesmo definiu.
Existe uma diferença imensa entre discutir violência e abusar da violência gratuita. Usando o seu argumento até mesmo o medíocre O Albergue (de Eli Roth, que, conspicuosamente, está no elenco de Bastardos) é uma "discussão da violência", e não um torture porn fuleiro com o objetivo de arrancar sustos baratos abusando de cenas sanguinolentas e acordes histéricos na trilha sonora. Prefiro o exemplo anterior, Funny Games, onde a única cena de violência explícita ocorre quando as vítimas dos garotos se vingam. Percebe a diferença? A finesse?
O Jô Soares faz isso em seus livros (sem o teor humorístico, óbvio), mas subverte os acontecimentos históricos da mesma forma.
O único livro que li de Jô Soares foi o "Xangô de Baker Street", que sinceramente odiei. Não pela alteração de fatos históricos ou o desrespeito com um dos personagens que mais gosto na literatura, mas pela história boba e que falha em seu único objetivo: ser engraçado. Péssima comparação.
Merece comparar também com Dr. Strangelove, do Kubrick. Ele também adotou as mesma liberdades históricas e fez um filme excelente. Ou o Kubrick também é canastrão, enganador?
Comparar um libelo anti Guerra Fria como Dr. Strangelove com o western-spaguetti-wannabe do Tarantino somente mostra que você não entendeu o filme. Sugiro que assista de novo (Dr. Strangelove, não Bastados Inglórios).
Eu concordo quando você diz sobre escrever histórias de gêneros, e essa babaquisse que está sendo feito hoje em dia (e, como vc falou também, não vale generalizar).
Fico feliz que você concorde, mesmo detectando uma tentativa de ser paternalista.
Bastardos é exatamente isso. Não é um filme sobre Guerra (ele está todo "errado", não? - não estou ironizando aqui) é um filme sobre violência. O que não é um gênero.
"Um filme sobre violência". Ok, vamos presumir que Tarantino realmente quis passar uma mensagem, fazer com que o espectador se questionasse sobre violência e vingança (não quis). Qual o questionamento podemos tirar do filme? Que em situações extremas nos tornamos o mesmo que nossos algozes? Que a violência contra a violência se justifica? Aldo Raine é um caipira transtornado, beirando o sociopata, que matava por ódio (não muito diferente de Hitler). Há algum momento que o personagem questiona seus atos? Há algum momento que o espectador questione seus métodos? Há empatia pela luta que os personagens travam (além de "matar nazistas é legal"). O retrato estereotipado que Tarantino faz de seus personagens é único, raso. Não há motivação, não há mudança, não há questionamento. E nem foi este seu objetivo, mas isso não é desculpa nenhuma.
Sem falar que o filme conta com um personagem muito interessante e que merece todo o destaque. O vilão Hans é uma figura única. O final do filme mostra isso.
De tão inteligente, percebendo da iminente derrota dos Nazistas, tenta se sair bem da situação. Se propõe a entregar todos os oficiais em troca de prisão política (caso contrários seria morto). Isso é de gênio. Acontece que os "crimes" que ele cometeu são eternos, e é isso que o Aldo (Bard Pitt) faz quando marca os rostos dos que captura. E os personagens do filme são "rasos"? (palavra sua)
Na maioria dos filme de guerra os personagens são arquétipos, aqui, definitivamente eles não são.
Hans Landa só se transformou em um personagem marcante graças à atuação primorosa de Christoph Waltz (aliás, a única atuação decente de todo o elenco). Landa é um cínico, um sádico e um oportunista, sim, mas não um gênio. Sua "jogada" ao final do filme é tudo, menos genial. "Ingênua" talvez seria um adjetivo melhor. Sua derrocada é patética e anticlimática (perdendo apenas para a morte de Bill, em Kill Bill). E sim, até Hans Landa é um arquétipo. Ou você nunca assistiu Indiana Jones?
Sem falar que para nenhuma das enumeração que vc fez, vc não argumentou nenhuma. E depois eu que não tenho argumentos?
Sugiro que você releia o texto. Levante do colo de Tarantino quando o fizer. Vai ajudar.
Meu comentário anterior não foi grosseiro, nem "caguei" regra nenhuma. Apenas seu comentário do filme foi ignorante e sem fundamento. Levantar a bandeira do intelectualismo e meter o pau na cultura mainstream é muito fácil, mas cuidado para não ser piegas.
Não sei seu conceito de grosseria, mas no meu seu comentário se encaixa perfeitamente. Você desmerece minha opinião, ignora meus argumentos e ainda ofende meu ofício. Dizer que eu "como escritor deveria saber disso" não é nada mais que cagar regra. O que um escritor deve saber? Tenho três romances publicados e participei de outras sete coletâneas. Sou pós graduado em criação literária. Mesmo assim não sei o que um escritor deveria saber. Sei o que eu sei e o que eu escrevo. Escrever é uma arte. E toda arte é subjetiva. Se todos os escritores soubessem a mesma coisa não precisaríamos de mais livros. Ou escritores. Ou de opiniões divergentes.
Não quero trolagem, não quero baixarias. Aqui é uma discussão saudável, entre pessoas civilizadas.
Neste ponto você simplesmente contradiz tudo o que escreveu anteriormente, numa patética tentativa de botar panos quentes e fazer parecer que você é a parte ofendida na discussão. Desculpe, mas se você quer me ofender faça isso olhando em meus olhos. Não venha querer amenizar seus ataques com uma falsa educação.
Toda ação tem sua reação. A minha ação é reação do seu texto arrogante e unilateral.
Desculpe, sou imune a clichês. Se quer reagir reaja como homem. Se esconder atrás de uma máscara de anonimato apenas escancara sua covardia. Você tem todo o direito de desgostar de meu texto e de minha opinião. Só peço que o faça com um mínimo de educação. E quanto ao "unilateral" o fato de eu ter publicado o texto em um blog e deixado aberto a comentários (mesmo os grosseiros como o seu) mostra que isso não é verdade.
Abraço, amigo, e boa sorte pra vc.
Não somos amigos e dispenso falsas cortesias. Apenas respondi sua mal redigida argumentação pois percebi que você se deu ao trabalho de ao menos tentar. Minha consideração termina aí. Caso queira discutir mais a este respeito mostre sua cara e diga o seu nome. Caso contrário o tratarei como trato qualquer troll que queira me importunar: com um sorriso de total e completo desprezo.

Sem mais,
Alexandre Heredia

28 outubro 2010

Bukowski e a Ambição


"É verdade que eu não tenho muita ambição, mas deveria haver um lugar para pessoas sem ambição, quero dizer um lugar melhor que o normalmente reservado a elas. Como é que um homem pode curtir ser acordado às 6:30hs pelo alarme de um relógio, pular da cama, se vestir, engolir um café da manhã, mijar, cagar, escovar os dentes e os cabelos e batalhar no trânsito para chegar a um lugar onde essencialmente você faz pilhas de dinheiro para outra pessoa que ainda te pede para ser grato pela oportunidade de fazê-lo?"

25 outubro 2010

De Graham Greene a Donnie Darko ao Coringa

Quero dividir com vocês a descoberta de uma referência em cadeia entre obras distintas. O que The Destructors, de Graham Greene tem a ver com Donnie Darko, filme cult de Richard Kelly e o recente blockbuster O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan?

Primeiro, assistam essa cena de Donnie Darko, onde o protagonista (vivido por Jake Gyllenhaal) e sua professora (Drew Barrymore) analisam, na aula de literatura inglesa, o conto The Destructors, de Graham Greene:

No final do diálogo Donnie dá seu parecer sobre a obra analisada:

"Destruição é uma forma de criação. Dessa forma o fato deles queimarem o dinheiro é irônico. Eles só querem saber o que acontece quando destroem o mundo. Eles querem mudar as coisas."

Como não li tal conto, não sei até que ponto esta análise é precisa, mas reparem como, quase 10 anos depois que o filme foi feito, outro personagem usa a mesma metáfora, de uma forma que é impossível acreditar que seja coincidência:


Sim, ele queima uma pilha de dinheiro, com a intenção clara de mudar as coisas.

Vemos aqui o exemplo claro de uma referência literária sendo usada de duas maneiras, ambas com o intuito de aprofundar o personagem. Donnie Darko, após aquela cena, entra num ciclo destrutivo, impulsionado por uma visão ("Frank"). A cena da análise do livro explica suas motivações. No caso do Coringa, ele possui as mesmas motivações dos personagens de Graham Greene, sem tirar nem por.

Essa sopa de referências cruzadas no ensina muito sobre o processo de criação de um personagem através de reuso de materiais previamente escritos. No caso de Donnie Darko a referência é explícita. Já no caso do Coringa, ela é implícita. Mas em ambos os casos extremamente relevantes.

Isso é dar dimensão a um personagem. Um brinde à Graham Greene, Richard Kelly e Christopher Nolan.

18 outubro 2010

Liberdade


Ela puxou o longo vestido com as mãos enluvadas, evitando sujar a barra e os tafetás na poça imunda do meio fio. Teve que se equilibrar sobre o salto agulha do sapato de impecável pelica, branca como o resto do vestido. Em uma das mãos segurava junto ao peito um buquê de rosas brancas e lírios escolhidos naquela manhã. Com a outra ajeitou na cabeça a tiara presa à longa grinalda que jazia enrolada em seu braço. Toda branca, toda pura, exceto pelas cascatas negras que escorriam por sua face. Evitou todo e cada um dos olhares que se fixavam nela. Sabia ser uma figura antagônica, uma noiva entre malas, lanches, recomendações e agasalhos de moletom. Caminhou resoluta até o guichê e pediu uma passagem. Tirou o dinheiro de uma bolsa não condizente com o resto dos trajes e agradeceu com um suspiro. Portou o bilhete firmemente nas mãos até chegar ao local do embarque. Não havia ônibus algum lá, então ela tirou a tiara e esperou. As cascatas negras voltaram-se para a entrada da rodoviária duas vezes apenas. Uma quando o ônibus finalmente chegou. Outra quando ela entrou, apertando a imensa saia junto ao corpo. Ao passar por um grupo de garotas que aguardavam sua vez de embarcar, abriu a janela e atirou-lhes o buquê, o sorriso desviando as lágrimas.

22 setembro 2010

Entrevista no Perfil Literário da Rádio UNESP FM

Ontem cedi uma entrevista a Oscar D'Ambrosio, do programa Perfil Literário da Rádio UNESP FM (105,7MHz), onde discorri um pouco sobre minha formação, carreira e, claro, sobre meus livros. O áudio na íntegra pode ser ouvido abaixo:



Agradeço ao Oscar pela oportunidade.

16 setembro 2010

A Verdade sobre Namorar um Escritor


(Recebi este link pelo Twitter do amigo Jorge Candeias, onde o autor pega uma lista de 20 motivos para namorar um escritor e faz uma crítica em cima. Achei tão genial que decidi traduzir e colocar aqui. Já peço desculpas antecipadamente ao mesmo Jorge Candeias (que é tradutor de verdade) pela tradução porca)

  1. Escritores irão seduzi-la com palavras. Provavelmente não. Nós escrevemos para nós mesmo ou por dinheiro. E quando terminamos estamos com o saco cheio disso. Se tivermos que escrever alguma coisa para você existe uma grande chance que levará dois dias e ficaremos realmente emburrados durante todo o processo.
  2. Escritores vão escrever sobre você. Você não quer isso. Confie em mim.
  3. Escritores te levam a eventos interessantes. Não. Não fazemos isso. Estamos ocupados demais escrevendo. Não nos perturbe com esse lance de “eventos interessantes.” Conheço uma pessoa que namora uma excelente escritora. Ele sai sozinho. Ela está ocupada escrevendo.
  4. Escritores vão lembrá-la que dinheiro não importa tanto assim. Sim. Faremos isso pegando seu dinheiro emprestado. Constantemente.
  5. Escritores irão dedicar coisas a você. Uma maneira mais fácil de conseguir isso seria se tornar uma agente literária. Desta maneira você vai realmente fazer dinheiro lidando com as neuroses das pessoas.
  6. Escritores irão oferecer a você uma perspectiva interessante das coisas. Sim. Constantemente. Enquanto você estiver tentando assistir TV ou tomando banho. Você terá que ouvir observações o dia todo, somado ao fato que pediremos que você leia as observações que fizemos quando você estava inacessível no trabalho. É quase tão irritante quanto namorar um comediante de stand-up, exceto que se você não considerar nossas observações geniais nós vamos achar você uma idiota ao invés de muito crítica.
  7. Escritores são espertos. No momento que você descobrir que isso não é verdade seu relacionamento com um escritor vai desenvolver um problema sério.
  8. Escritores são passionais. Sobre literatura. Não necessariamente sobre você. Você está escrevendo?
  9. Escritores conseguem pensar além dos sentimentos. Então não comece uma discussão a menos que você esteja pronta para uma muito, mas muito longa explicação a respeito de nosso ponto de vista, nossos sentimentos a respeito de seu ponto de vista e quais cenas de nosso mais recente livro isso tudo nos lembra.
  10. Escritores curtem a solidão. Então cai fora, ok?
  11. Escritores são criativos. É por esta razão que temos motivos tão bons para você nos emprestar $300 e/ou nos deixar em paz, pois estamos escrevendo.
  12. Escritores fazem das tripas coração. Um conselho sério: se você encontrar um escritor que demonstra seus sentimentos, tome cuidado.
  13. Escritores vão ensiná-la novas palavras legais. Isso é provavelmente verdade! Nós também esperaremos que você as lembre, corrigiremos sua gramática e sofreremos depois de ler os bilhetes mundanos que você nos deixou.
  14. Escritores são capazes de ajustar seus horários para você. Escritores são capazes de ajustar seus horários de modo a escrever. Você está escrevendo? Então entre na fila.
  15. Escritores conseguem encontrar 1000 maneiras de dizer porque gostam de você. Lá pela 108ª você terá certeza que estamos inventando-as só por curtição.
  16. Escritores se comunicam em diferentes formas. Mas na maioria escrevendo. Espero que você não goste de falar ao telefone – essa merda é foda!
  17. Escritores podem trabalhar em qualquer lugar. Então é melhor você esquecer aquela bicicleta de dois lugares que queria alugar em suas férias.
  18. Escritores são cercados de pessoas interessantes. Todas elas imaginárias.
  19. Escritores são fáceis de presentear. Isso é verdade. Lembre-se disso quando esquecermos seu aniversário, ok?
  20. Escritores são sexy. Não discuto. Algumas pessoas pensam isso de viciados em heroína também.
Solução alternativa: vai ser mais ou menos como namorar qualquer outra pessoa que gosta de alguma coisa em particular, sabia?

02 setembro 2010

O Problema da Exposição Exagerada de Personagens


– Oi, posso me sentar aqui?
– Fique à vontade. Mas antes que faça qualquer coisa vou logo avisando: fui molestada sexualmente pelo meu tio quando tinha 12 anos, e este evento me traumatizou por toda minha vida, diminuindo minha capacidade de me relacionar afetivamente com alguém.
– Já tinha percebido. Sou PhD em psicologia. Já ganhei diversos prêmios internacionais e escrevi diversos livros sobre o assunto. Eu entendo você e sei como fazer você superar esse trauma. Posso lhe pagar uma bebida?
Você acreditou nessa cena? Forçada, não é? Quem fala assim? Ninguém com um mínimo de bom senso. Pessoas normais são fortalezas cheias de barreiras a ser transpostas antes que consigamos realmente revelar os tesouros escondidos nas catacumbas de suas psiques. Ninguém fala de traumas, expectativas, sentimentos ou outra coisa que considere íntima para qualquer um. Mesmo com conhecidos temos ressalvas, freios morais e outras barreiras. E, quando criamos personagens e os colocamos em uma trama não podemos esquecer de uma coisa: mesmo que os personagens sejam pessoas excepcionais, eles são humanos antes de qualquer coisa.

No desenrolar de uma trama o desenvolvimento dos personagens deve correr paralelo. Sim, a maioria dos personagens já “existia” antes da história a ser contada. Sim, um personagem para ser tridimensional, verossímil, deve carregar uma bagagem, um passado que justifique determinadas ações durante a trama. Mas o grande problema não é esse. O problema é que no afã de mostrar aos leitores o quão tridimensionais são nossos personagens acabamos exagerando em diálogos e recordatórios expositivos, jogando mais informações que o necessário naquele momento da trama e, com isso, sacrificando o ritmo.

Sim, temos a tendência a ser prolixos. Abusamos de descritivos, detalhes irrelevantes e outras bobagens que simplesmente não agregam absolutamente nada ao desenrolar da trama. E com isso torramos a paciência dos leitores, mesmo os mais experientes.

A máxima do “menos é mais” sempre se aplica. Se uma cena pode ser descrita inteiramente em uma frase, não estenda-a a doze parágrafos apenas para mostrar que você sabe escrever. Sentimentos e vidas pregressas à trama devem ser tratadas apenas nos momentos certos, e se for o caso. No exemplo que abre o texto atitudes contariam muito mais que palavras. Um gesto, um olhar, a linguagem corporal, subtextos nas falas, essas coisas, tudo ajuda no desenvolvimento. Às vezes o silêncio pode ser mais eloquente que mil palavras.

Claro, o próximo pecado que cometemos logo que percebemos a falha anterior é partirmos para o total oposto. Exemplificando:
“Ele chegou suavemente e parou a dois metros dela. Vestia uma saia comprida e fora de moda e uma blusa de cetim com gola redonda. Nos cabelos penteados com esmero não sobrava um fio fora do lugar, como se fosse uma peruca de boneca de plástico de camelô. O rosto mostrava uma tristeza maior que a vida, junto com uma raiva que, sua experiência profissional como psiquiatra sabia, só podia ter uma origem: abuso sexual. Decidiu sentar-se ao seu lado. A noite estava ruim mesmo. Sorriu simpaticamente.”
Pronto. Não houve uma linha de diálogo, mas de novo expus demais o que deveria estar diluído. De novo, é o afã de mostrar mais do que o necessário. Sim, nós saberemos que ela foi abusada sexualmente. Sim, descobriremos que ele é PhD em psiquiatria. Sim, sabemos que uma hora ou outra haverá uma tensão sexual entre os dois. O problema é despejar tudo de uma vez no colo do leitor. Deixe-o descobrir aos poucos quem são aqueles personagens. Não abuse de adjetivos e advérbios e metáforas sem propósito. Quem “chega suavemente”? E, caso o contexto esteja correto, o sorriso só pode ser de simpatia.

O segredo é espalhar. Diluir. Crie cenas onde os panos de fundos dos personagens sejam relevantes. Pessoas não saem falando sobre traumas e muitas vezes as primeiras impressões que temos de pessoas estão erradas. Não pule nas conclusões. Teça sua teia, envolva o leitor no mistério de quem é aquela garota e porque ela parece tão triste. Jogue pistas falsas, deixe o leitor investigar junto com o protagonista.

Vamos aplicar isto à cena?
– Oi. Posso me sentar aqui?
– O bar é público.
Era só o que me faltava, pensou. Olhou em volta e não encontrou mais ninguém. Tentou um sorriso. Ela fechou o já pequeno decote com as mãos. Ele conhecia aquele gesto de incontáveis sessões em seu consultório.
– Posso lhe pagar uma bebida? O que você está bebendo?
– Coca com gelo e limão.
Pediu ao garçom uma coca e uma dose de uísque. Ele ia precisar. Ela também.
Pronto. Sem exageros, levando a história com calma, sem ultra exposição desnecessária. Apenas o suficiente para a trama andar. Com calma, no tempo certo, sem atropelamentos. Exagero cria ruído, excesso de informação e uma trama confusa. Se sua intenção não é deixar seus leitores doidos, preste atenção a esses detalhes.

É preciso dizer também que essa não é uma regra. Às vezes um diálogo mais expositivo, devidamente justificado, vem ao caso. Há momentos em que uma pausa para uma reflexão de um personagem pode enriquecer a história. Cada caso é um caso. Mas, nesse caso, é melhor pecar pela falta do que pelo exagero. Guarde cenas grandiosas para momentos grandiosos. Você não irá se arrepender.

25 agosto 2010

O Meme Egoísta*


– Oi.

– Oi. O senhor não me conhece, mas eu sou a Vânia, do 12. Olha, desculpa incomodar...

– Não, tudo bem. Está no intervalo. Pois não?

– Então, o senhor me desculpe, mas eu e minha família estamos tentando jantar e...

– A TV está muito alta?

– Não, nada errado com a TV. Meu marido também está assistindo ao jogo. É que...

– Sim?

– Bom, você sabe, somos uma família tradicional. Não nos agrada jantar ouvindo certos... Ruídos.

– Ruídos? Que ruídos? Estou aqui, sozinho, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo. Tem certeza que foi daqui?

– Sabe, eu entendo que o senhor deve morar sozinho. E quando estamos sozinhos nós ficamos menos... inibidos. Mas acho que tem um certo... limite, entende?

– Não.

– A liberdade termina onde começa a liberdade de outro. Entendo que o senhor queira relaxar e assistir ao jogo. E você tem todo direito de querer isso. Só que nós também temos o direito de jantar em paz e...

– Como é que é?

– … como sou membro do conselho administrativo do condomínio e posso reclamar com o síndico e o senhor pode ser multado...

– Calma aí. Se eu estou sendo acusado de alguma coisa me diga do que é. Que tipo de barulho estamos falando aqui?

– Você sabe do que estou falando.

– Não faço a mínima. Estou aqui deitado no sofá, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo, que aliás já começou, e de repente sou acusado de transtornar a vida de alguém. Ao menos quero saber o que estou fazendo de tão errado que justifique uma multa!

– Seus arrotos.

– Como é?

– O senhor arrota muito alto.

– Meus arrotos?

– É. Eles são muito altos. E longos. E às vezes parece que o senhor se esforça em ser criativo. Às vezes dá pra ouvir até você engasgando e tossindo. Desculpe-me mas é nojento.

– Você quer me multar por causa de meus arrotos?

– Não quero, mas...

– É sério? Não acredito! Me multa. Por favor me multa! E por favor especifique na multa que é porque eu arroto muito alto. Faço questão.

– O senhor está sendo irônico?

– "Sarcástico", mas tudo bem. Não estou. Juro. Pode me multar. Eu não vou parar. Uma das maiores alegrias de se viver sozinho é não precisar controlar suas necessidades básicas por causa de ninguém. Todo mundo arrota. Todo mundo peida. A senhora peida que eu sei. Só que se você peidar no meio da sala sua família vai ficar indignada. Aqui no máximo posso indignar meu gato, mas ele já passa o tempo todo indignado mesmo então não importa. Então se você quer me multar me multe. Sou culpado, admito. Mas por favor escreva na multa o motivo. Escreva que meus arrotos são muito altos.

– Por quê?

– Por quê? Pra colocar na internet, é óbvio. Imaginou? Meus amigos vão pirar! Vão querer vir aqui e conhecer a senhora. Se bobear a história se espalha. Vão xingar muito no Twitter. Quem sabe até conseguimos um TT!

– Um o quê?

– Uma multa de condomínio por causa de arrotos muito altos! Isso é genial! É instigante. É escatológico. Vai ser um hit, com certeza.

– Não estou entendendo o que você está falando.

– Tudo bem. Faz assim: eu fico aqui e continuo arrotando. A senhora liga pro síndico. Se der pede pra ele vir aqui em pessoa pra falar comigo. Monto a webcam em dois minutos aqui perto da porta. Eu filmo tudo. Pra corroborar a imagem da multa. É perfeito, perfeito. E quando forem fazer a multa não esquece: coloca que é por causa de meus arrotos muito altos.

– O senhor é maluco!

– Vamos lá! Não seria legal? Nos trendig topics do Twitter! Imaginou? A senhora não quer ficar famosa?

– Valha-me Deus!

– Isso, vai lá. Chama o síndico. Vou continuar arrotando aqui. Dois minutos eu monto a webcam. Você vai ver. Vamos ser um sucesso. Um SUCESSO. Vai lá. Pode fechar a porta. Isso. Tchau. Ah, vatomanocu, velha desgraçada.


24 agosto 2010

Noite de Autógrafos e Fantasticon


Para aqueles que não conseguiram ou não puderam comparecer no lançamento de meus livros Legado de Bathory, Predadores e Emboscada na Bienal, na próxima sexta, dia 27/8 estarei no Bardo Batata com livros, papo e cerveja. Apareça. É a partir das 19hs e vai até o último leitor.

O Bardo Batata fica na R. Bela Cintra, 1.333. Pertinho do metrô Consolação.

E no sábado estarei aqui, ó:


Sim! Este ano também participarei da FANTASTICON, autografando meus livros e batendo um papo com a galera que prestigiar. Estarei lá no sábado, 28/8, a partir das 16hs, mas haverá a presença de diversos autores. A programação completa você pode ver aqui.

Espero vocês lá!

18 agosto 2010

Turistas do Tempo



O primeiro foi em uma maternidade. “Eu queria me ver nascendo”, disse o rapaz que invadiu a sala de parto. Na delegacia explicou que viera do futuro, que usou uma máquina do tempo e que já tinha viajado por todos os melhores momentos de sua vida. Que havia deixado o nascimento para o final. Mas por que alguém com a capacidade de viajar no tempo viajaria para a própria história, a qual já havia sido testemunha? Por que não voltava, por exemplo, para o nascimento de Cristo então? “Não é assim que funciona”. Arrancou risadas dos policiais que o prenderam. Não aceitaram seu cartão de crédito como documento. Não interessa que tem foto! Senta aí, vagabundo. A notícia foi registrada em uma nota de rodapé nos jornais apenas graças à sua fuga naquela mesma madrugada. Sem arrombamento, sem invasão, sem truques. Nada. Tinha simplesmente sumido.

A investigação da corregedoria mal havia começado quando outros relatos semelhantes surgiram. Reclamações reincidentes de malucos invadindo casas se dizendo versões mais velhas de alguém. Apareciam e desapareciam. Uma epidemia. Surgiam normalmente em aniversários, formaturas, casamentos, primeiros beijos. Sempre muito emocionados. Não incomodavam. Eram apenas testemunhas. Por que não tentavam mudar alguma coisa? Corrigir algum erro, reconquistar um grande amor, evitar um grande prejuízo? “Não é assim que funciona”, respondiam sempre. E como funciona? Sorriam respostas.

Logo o fenômeno foi rotulado. Catalogado. Teorizado. Assimilado. Aguardado. Cada momento especial só estaria completo com uma auto-visita de seu eu-futuro. Ou então não seria tão especial assim. Olha, não vai rolar, tá? É que eu não apareci então acho que isso não tem futuro. Sou eu, não é você, entende? E todos entendiam. E desesperavam. E deprimiam. Quem se matava por não receber uma visita imediatamente se tornava um paradoxo. Não havia voltado no tempo por não ter um simples momento digno de revisitar ou porque se matou antes da tal máquina ter sido inventada? Filósofos se engalfinhavam nos corredores.

Maternidades começaram a reservar lugares nos quartos para auto-visitas. Pais e mães recebiam com abraços os filhos do futuro. Todo momento se tornou um evento, algo a ser lembrado em uma potencial revisitação. O sucesso de cada situação era medido pela presença ou não de algum viajante do tempo. Mas foi um beijo tão bom! Mas está um dia tão lindo! O que está faltando para se tornar realmente memorável? Por que escolhiam um momento em detrimento do outro?

“Não é assim que funciona”.

11 agosto 2010

Adictus Maximus


Foco. Coisa difícil de conseguir hoje em dia. A gente senta na cadeira e abre a janela e, santo deus!, já são janelas. Ou balões, pop-ups e qualquer coisa que pisque, surja, bipe, grite e te fode. Porque o afã de participar da próxima onda, do próximo viral, de não ficar pra trás nessa corrida de inutilidades e picuinhas descartáveis é muito maior que gostaríamos de assumir. Somos movidos a feeds, tweets, SMS, messengers e o escambau. Não ter nada pra ler no Google Reader causa abstinência. Você fica lá, lendo a famigerada frase negritada em sua retina: "A sua lista de leitura não tem itens não lidos". Como assim, Bial? Já li tudo? Refresca a tela. Nada. Olha o Twitter. Nada. Porra, a internet caiu? Tem alguém online?


O mundo está se tornando uma esfinge salafrária. Decifra-me ou não te devoro. E queremos ser devorados. Informação é droga (mesmo quando é boa). Vicia. Nos tornamos consumidores de conteúdo. Mascamos bits e GIFs de gatinhos. Nenhuma criação dura mais que os quinze minutos warholianos. Qualquer notícia fica velha hoje mesmo. Aquela piada que você viu de manhã já venceu antes do almoço. E consumimos mais, queremos mais.

E criamos menos.

Continuamos criando, isso é certo. Não haveria consumo se não houvesse produção. Mas que produção é essa? Lembra-me uma fábrica de mangás. Um pesadelo chapliniano. Nos tornamos tão consumistas que consumimos o inconsumível apenas pois a ausência nos consome. Ou algo assim. Linha de montagem, saca? Não se produz mais para o deleite, mas apenas para aplacar a fome de conteúdo. Qualquer conteúdo. E nesse angu raso de imbecilidades o que realmente interessa vai ficando pra trás. Vai se descuidando e se tornando não irrelevante, mas incompreensível. Pois não está mastigado, não está pré-digerido. Porque tem letrinhas demais. Hoje em dia é mais fácil ficar famoso por ser odiado do que por ser admirado. Valeu, molecada. Sua trollagem conseguiu que todos nos nivelássemos por baixo. Espero que estejam felizes.

Sim, estou frustrado. E precisava produzir algo. Pra fazer minha parte. Consuma, digira e cuspa. De nada.

03 agosto 2010

Capa de Mecanismos Precários

Outro projeto que participei recentemente está prestes a ser lançado. É a coletânea Mecanismos Precários, que será lançada no cabalístico dia 11 de setembro pela Editora Terracota.


É uma empreitada que, diferente das costumeiras coletâneas que vemos por aí, foi resultado de um delicioso trabalho conjunto entre pessoas que, inicialmente professores e alunos do curso de Prática de Criação Literária (organizado pela própria Terracota), se tornam com essa obra colegas de jornada. Aqui se misturam os autores-mestres Nelson de Oliveira, Marcelino Freire, Edson Cruz, Marcelo Maluf, Luís Marra e Cláudio Brites com seus devidos autores-pupilos que perduraram pelo ano e meio que levou o curso, duas vezes por semana, religiosamente. Saravá, reza uma ave-maria, bradaria Marcelino.


Durante o curso aprendemos a enxergar além de nossos umbigos enquanto não apenas escrevíamos, mas líamos, criticávamos e éramos criticados. Tropeços egomaníacos eram limados juntos com advérbios excessivos e descrições exageradas. Potenciais muitas vezes escondidos por timidez saíam do armário aos berros. Cada um manteve sua essência, mas adicionou a ela uma voz, um sentido, uma poesia, uma lista com final surpreendente. O que entrou no livro simboliza essa evolução tão arduamente orquestrada. É um livro que tenho muito orgulho em ver sendo publicado com tamanho cuidado.

Guardem os nome impressos na quarta capa. São a primeira turma do curso. A segunda turma começa essa semana. Daqui um ano e meio será a vez deles. Mal posso esperar.

Assim que tiver informações específicas a respeito do lançamento, já sabem.

27 julho 2010

Capas de Legado de Bathory, Predadores e Emboscada


É isso aí. Acima estão as novas capas de Legado de Bathory, Predadores e Emboscada, que serão lançados pela Tarja Editorial durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Em sua nova casa, tanto o Legado de Bathory quanto Predadores passaram por uma extensa revisão. Já o terceiro, Emboscada, é completamente inédito. Abaixo uma sinopse de cada um:

O Legado de Bathory:
Hungria, 1938. A ameaça de uma nova Grande Guerra paira sobre toda a Europa, que acompanha atenta os primeiros avanços de Hitler. Neste cenário conturbado Yara Ladányi vem do Brasil para o funeral de seu pai, assassinado brutalmente em sua casa em Budapeste. Suspeitando que a morte de seu pai teria motivações misteriosas, ela inicia uma investigação independente, tendo por base um documento antigo enviado a ela por seu pai pouco antes de seu assassinato. Contando com a ajuda de Laszlo Raduczi, professor de História e genealogista, Yara embarca numa trama de conspiração e morte, na qual a dupla é perseguida continuamente por uma figura assustadora. Enquanto isso, desvendam o estranho documento que os leva a uma exploração da história da infame Condessa Elisabeth Bathory.

Predadores:
Dante é um repórter da noite em busca de realização pessoal e profissional. Eva é uma promotora de casa noturna atrás de exposição. Ian é um executivo recém divorciado em crise de meia idade tentando recuperar a juventude perdida. Pessoas comuns com histórias diversas que se entrecruzam no Vrykolakas, uma casa noturna no centro de São Paulo, com perigos ocultos sob as luzes e a badalação enquanto Radu, o enigmático proprietário da casa, testa os limites morais e éticos de cada um para descobrir até que ponto eles estão dispostos a chegar na realização de seus objetivos, em um jogo maquiavélico e macabro em que até os possíveis vencedores terão que abrir mão da própria alma. Uma história atual que mistura vida, ambição e morte, com altas doses de sensualidade, em uma trama com a qual muitos irão se identificar, para o bem ou para o mal. Afinal, quem poupa esforços para realizar nossos maiores desejos?
Emboscada:
Um ano se passou desde os acontecimentos narrados em Predadores quando novas mortes começam a acontecer em São Paulo. Jovens de classe baixa são brutalmente assassinadas, deixando em seu corpo a única assinatura de seu carrasco: gargantas destroçadas a dentadas. O repórter policial Nicolau Masieski é incumbido da investigação dos crimes deste novo assassino em série. Suas pistas o levam a Dante, que talvez seja a única pessoa a saber a verdade sobre os crimes. Mas será que o ex-repórter, agora traumatizado e paranoico, realmente sabe alguma coisa ou está apenas delirando com teorias da conspiração? Contando com a ajuda de Aline, uma pouco ortodoxa promotora do Vrykolakas, eles irão chegar ao limite de sua sanidade de modo a tentar desenlaçar essa teia macabra, cuja figura central é Radu, o misterioso proprietário do Vrykolakas.
Assim que tiver maiores detalhes a respeito de datas de lançamento, noite de autógrafos e tal coloco aqui.

10 maio 2010

Tempo


Com o tempo não se brinca, alguém já deve ter dito por aí. Frequentemente me perguntam (especialmente não-leitores) como arrumo tempo para escrever. Não sei responder. Quando a inspiração vem eu escrevo. Assim, sem olhar para os lados. Escrevo, escrevo, reviso, reescrevo, xingo, escrevo tudo de novo e abandono. Me viro. E com sorte suada vira conto, vira exercício, vira livro. A maioria vira lixo, arquivada num baú virtual para ser garimpada por meus herdeiros. Oxalá (!) consigam angariar alguns trocos com isso.

Mas divago. Tempo não se cria e não se recupera. Tempo não tenho e não preciso. Preciso sim de vergonha na cara. E, tal qual a câmera de um celular pré-pago de promoção, preciso de foco. Só assim conseguirei fazer esse livro que está corroendo meus neurônios sair do papel. Escrever, escrever e escrever. Contos agora só sob encomenda. Ou quando a inspiração for forte demais para ser ignorada. Foco. Imersão. Mergulho de cabeça aberta e olhos fechados.

Adeus sanidade.

06 maio 2010

Bola na Cabeça



Acabo de assistir a eliminação do Corinthians pelo Flamengo na Taça Libertadores da América.

Não sei quantos de vocês sabem disso, mas sou corinthiano. Um péssimo corinthiano, diga-se de passagem. Até curto assistir futebol, sei as regras, acompanho um pouco, mas só. Se ganhou ou perdeu fico feliz ou triste por um instante e em seguida vou cuidar de minha vida. Quem me conhece nem chega a tirar sarro, pois sabe que não ligo a mínima. Pode zoar, pode brincar. Dou risada e pronto. Bola pra frente, para usar uma metáfora coerente.

Mas venho aqui escrever essas linhas apressadas apenas para fazer um pedido: agora que o Corinthians foi eliminado, que tal se o povo PARASSE DE FALAR SÓ DE FUTEBOL O TEMPO INTEIRO E MUDASSE DE ASSUNTO?

Sim, pois pelo meu olhar leigo e desapaixonado por este esporte vejo cada vez mais que o Brasil é um país dividido por duas torcidas: uma a favor e a outra contra o Corinthians. Corinthiano quando ganha é um saco. Berra, faz buzinaço, grita da janela, solta rojão, etc. Mas quando perde quem fica insuportável são TODAS AS OUTRAS TORCIDAS.

Sério, não aguento mais. Fui trabalhar de trem na última terça e ENCHEU O SACO. Povo só fala nisso! Chego no trampo e é figurinha da copa pra cá, libertadores pra lá, paulista, brasileirão, copa do brasil, desafio ao galo, rachão no society e etecéteras correlatos. Daí chegam em casa e ficam assistindo reprise, compacto, mesa redonda, etc. Ligam o videogame e jogam Winning Eleven. Será que não tem outro assunto não? Se metade da energia que o brasileiro gasta com futebol fosse gasta em outro assunto (como política, sociedade, cultura por exemplo) as coisas seriam muito melhores.

Lembrei de um cara que trabalhou comigo e era corinthiano roxo. Um dia em que o Corinthians levou de 5x1 do São Paulo o povo encheu tanto a paciência dele que ele foi pro banheiro pra CHORAR! Cara, homem formado chorando por esse motivo é deprimente. Desculpe, mas não tem paixão que justifique isso. Ainda se fosse por mulher...

Desculpem o desabafo. Não estou censurando nem nada disso. Acho que tiração de sarro é saudável e a maioria de meus amigos é até bem moderada nesse aspecto.Também não tenho nada contra futebol e paixão de torcedor. Só acho que está rolando um exagero generalizado. Não sei se é por se ano de Copa, mas o fato é que eu perdi todo o tesão de assistir a Copa por conta dessa obsessão do brasileiro. Sério. Seleção ganhar ou perder vou continuar tomando Johnny Walker com Activia. Bobear nem assistir eu vou.

Mas estou sofrendo por antecipação. Amanhã no escritório vai ser insuportável. Não diretamente pra mim, pois eles me conhecem pouco e já avisei que não ligo a mínima pra provocação futebolística, mas o papo em volta vai ser SÓ esse. Vai ser foda.

Mas fazer o que?

Vou dormir que eu ganho mais.

12 abril 2010

Colméia


Nós pousa. Mãe sabe. Mãe sentiu impacto quando nós sentiu. Nós sai. Nós engasga. Ar pesado. Muito oxigênio. Nós cai um. Cai dois. Nós volta. Mãe dá bronca. Nós é dispensável. Nós são nós, não é malha. Malha não desfaz com queda de alguns nós. Mãe manda respirar fundo. Nós obedece. Nós cai três, quatro. Mãe manda ficar. Nós fica. Cai cinco, cai dez, cai cem. Nós continua. Mãe manda. Nós fica. Nós não tem medo. Nós sente mudança antes de mãe avisar que nós vai mudar. Nós respira. Nós adapta. Nós sobrevive.

Nós invade.

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Texto escrito durante a oficina "O conto de ficção científica", ministrado por Nelson de Oliveira, e publicado a pedidos.

03 abril 2010

Uma Ideia Hipotética (Parte Final)


Seu nome era Metafórico. Ele era um cidadão hipotético vindo da classe trabalhadora, estereotipado como todo o resto. Mas quando chegou na idade madura, percebeu que algo estava errado, que havia algo ruim na verdade proferida pelos seguidores do Novo Estereótipo. Começou a juntar pessoas que pensavam como ele e caminhou pelas vilas espalhando sua palavra de revolta. Infelizmente, foi preso pelos Ortodoxos, graças a uma traição de Expiatório, um de seus seguidores mais fervorosos. Após um curto julgamento, foi torturado e morto.

Usurpador, outro dos seguidores, percebeu que poderia transformar a figura de seu antigo líder em um autêntico mártir hipotético. Juntou-se a outros antigos seguidores e começou sua pregação, fugindo para terras onde o poder dos Estereótipos ainda não havia chegado. Lá, Usurpador e os outros escreveram a hipotética história de seu mestre. Assim surgiram os Evangelhos Metafóricos, que seriam a base para a nova Instituição que se seguiria.

Com o passar dos anos Estereotipados e Metafóricos iam se espalharam pelo mundo conhecido. Tiveram contato com outros povos, que imediatamente consideraram novos Heterodoxos, cada um à sua maneira. Guerras se seguiram, com milhares de mortos. Os Estereotipados acabaram expulsos do Vale da Hipótese pelos Beligerantes, antigos proprietários daquelas terras, e sua guerra se estende por séculos.

Alheios a isso, os Metafóricos continuaram a crescer. Eventualmente seus seguidores acabaram por cometer os mesmos crimes que vitimaram seu mártir, mas poucos se importaram com isso. Descendentes do Usurpador original perceberam que haviam grandes falhas nos Evangelhos Metafóricos, e histórias que não deviam ser ditas, pois contradiziam seus interesses mais diretos. Por essa razão re-escreveram os textos, criando o Novo Evangelho Metafórico, revisado e com diversos cortes (o maior dele foi o capítulo escrito por uma discípula ferrenha, Apócrifa, que alegava ter tido um caso tórrido com Metafórico). E, graças a um período onde apenas os líderes metafóricos sabiam ler e escrever chamado Idade Excessivamente Romantizada, a ideia funcionou. Os Metafóricos enriqueceram e devido a isso diversos grupos dissidentes surgiram (primeiro os Reclamantes, que queriam uma parte dos lucros para eles, depois os Fantasmagóricos e finalmente os barulhentos Hipócritas), graças aos cada vez menos claros Evangelhos Metafóricos. Os Estereotipados, por sua vez, mesmo sofrendo uma perseguição ou outra, também prosperaram, especialmente graças a uma forte campanha publicitária.

Essa história não termina. E poucos se recordam dos tempos antes das ideias hipotéticas, estereotipadas ou metafóricas, onde todos eram felizes, mesmo apesar dos problemas, pois ninguém precisava usar mentiras e invenções para responder às pertinentes questões de Metafísica.

02 abril 2010

Uma Ideia Hipotética (Parte 2/3)


– Eu tenho as respostas para as questões de Metafísica! – Berrou o velho Estereótipo, fazendo uma pequena pausa dramática enquanto esfregava as mãos e sorria com o canto da barba. – Descobri que somos criação de uma divindade assombrosa, uma criatura tão sábia e poderosa que não só criou todos nós, mas também todo o mundo, o céu e as estrelas. E, assim que cheguei a esta conclusão, ele pessoalmente surgiu à minha frente e me explicou de onde viemos, para onde vamos e porque estamos aqui. É por isso que voltei, para redigir estas instruções, para que sejam seguidas por todos nós.

– E qual o nome dessa divindade? – perguntou Cético, pouco satisfeito com a explicação.

– Ele não tem um nome, mas como ele se manifestou a um de nós creio que podemos considerá-lo um dos nossos. Desta maneira vamos chamá-lo, a partir de hoje, de Deus Hipotético.

A vila, com exceção de Cético, que ainda não estava completamente satisfeito, exultou e uma grande festa se seguiu. Estereótipo levou meses para finalizar o que chamou de Evangelhos Hipotéticos, e rapidamente aquelas palavras se tornaram verdades absolutas, afinal, haviam sido ditadas pelo Deus Hipotético em pessoa! Os ensinamentos de Estereótipo traziam a chave para a felicidade não só terrena, mas também celestial. E os cidadãos hipotéticos os seguiam à risca.

A vila prosperou nos anos seguintes. Estereótipo, que já não era nenhum moço, adoeceu e caiu de cama. Seu jovem aprendiz, Coadjuvante, cuidou dele o tempo todo. E quando estava às portas da morte, Estereótipo chamou-o ao pé de seu leito.

– Coadjuvante, já é hora de você tomar conta de tudo. A mensagem foi passada, e só tenho mais um ensinamento a transmitir antes de minha morte.

– Sim, o que é mestre?

– Eu nunca falei com porcaria de divindade nenhuma – Pausa para a tosse. – Nada do que está escrito sobre isso nos Evangelhos Hipotéticos é verdade. Eles precisavam de respostas que eu não podia dar, e simplesmente inventei-as. Eles ficaram felizes com minhas mentiras, e pude manipulá-los para alcançar a paz que tanto prezamos. É hora de você continuar com essa história. Abandone o nome que tens, e adote um novo. A partir de hoje, deixas de ser Coadjuvante e torna-se Protagonista. – E em seguida o velho morreu.

O recém nomeado Protagonista ficou ao lado de seu mestre por bastante tempo, meditando a respeito do que acabara de ouvir. Horas depois saiu da casa e convocou nova reunião, onde contou que, no leito de morte do velho Estereótipo ele recebeu a visita do Deus Hipotético em pessoa, que o nomeou como seu sucessor. Portanto, a partir daquele dia ele seria o Novo Estereótipo, o representante terreno do Deus Hipotético.

E como primeira medida, Protagonista revisou os Evangelhos Hipotéticos, adequando-os à nova realidade. Criaram-se assim os Evangelhos Estereotipados, que alguns (liderados principalmente pelo filho de Cético, Crítico) viram como um veículo para que Protagonista tivesse mais poder, mas eram uma minoria, e logo suas vozes foram abafadas. Em poucos anos a Instituição criada pelo Protagonista já englobava não só a vila Hipotética, mas também todo o Vale da Hipótese. E sua palavra era lei, mesmo quando poucos entendiam suas razões. Protagonista enriqueceu e prosperou, mesmo sua terra ficando cada dia mais empobrecida e abandonada. Mas a isso ele retrucava que de que adianta uma fartura nesta terra, se o que realmente interessava era a eternidade ao lado de nosso querido Deus Hipotético?

E a maioria aceitava muito bem esse destino redentor. Com o crescimento desenfreado do número de fiéis, o Novo Estereótipo logo tratou de nomear ajudantes entre os que provavam sua verdadeira fé mais fervorosamente, que ele chamou de Ortodoxos. A eles era dada a missão de converter os infiéis Heterodoxos, que lutavam pelos antigos ideais do Velho Estereótipo, por bem ou por mal. Foi uma época triste, com muitos supostos Heterodoxos sendo torturados e mortos. Cético e seu filho Crítico não escaparam, assim como seus primos diretos, Racional e Coerente.

Até que, certo dia, um rapaz com ideias novas surgiu.

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(Conclui amanhã)

01 abril 2010

Uma Ideia Hipotética (Parte 1/3)


(Já que o assunto é mentiras...)

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Era uma vez uma vila chamada Hipotética. Nesta vila viviam diversos moradores (Hipotéticos), com todos os problemas comuns de todos os dias, mas eles eram felizes. Caçavam, pescavam,
plantavam, cantavam, e viviam. Ocasionalmente envolviam-se em disputas e brigas por pequenos surtos de ganância e mesquinharia, mas estas eram raras e os prejuízos insignificantes.

Até que certo dia um morador começou a fazer algo que não era muito usual: perguntas. Seu nome era Estereótipo, e graças a sua grande capacidade inquisitória em pouco tempo ele tornou-se conhecido como a pessoa a quem deveriam recorrer em caso de dúvidas, pois, além de perguntas, ele buscava incansavelmente por respostas.

Eis que, certo dia Estereótipo foi visitado por três aldeões com perguntas esquisitas. Por que existimos, de onde viemos, para onde vamos, é bonito lá? Estereótipo, que até então nunca havia se preocupado com essas questões, voltou-se para a mulher que aparentemente os liderava: – Minha cara senhora, qual seria seu nome?

Metafísica, respondeu. E ao seu lado estavam Mero, o Figurante e Vaca, de Presépio. “Mas eles não são de falar muito”.

Estereótipo esfregou a icônica barba grisalha, avaliando se teria condições para responder àquelas perguntas de Metafísica. Pensou mais um pouco e então, esmurrando a mesa, exclamou que não sabia. Pombas!

Os aldeões saíram correndo, envergonhando o velho Estereótipo, que naquele momento decidiu que não daria as costas às perguntas de Metafísica. Imediatamente colocou-se a pensar, estudar e resmungar. Dias depois, sem encontrar as respostas que buscava por conta própria, decidiu retirar-se até um monte próximo, onde meditaria em jejum até encontrar explicações. Sentou-se embaixo de uma árvore frondosa por dias, semanas, trazendo preocupação aos aldeões hipotéticos, pois o sábio Estereótipo definhava a olhos vistos.

Mas ele não morreu. Num dia especialmente chuvoso retornou à vila e chamou todos os habitantes para uma reunião em sua casa. Lá, refeito após um farto banquete, bradou aos ventos:

– Eu tenho as respostas para as questões de Metafísica!

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(Continua amanhã)

24 março 2010

Não Nana Nenê


Papai tchau-tchau. Mamãe não aqui. Nenê gosta mamãe. Mamãe beija nenê. Quente-quente aqui. Nenê tosse-tosse. Nenê quer suco-suco. Tetê. Mamãe dá tetê Nenê. Nenê gosta tetê. Nenê quer colo. Nenê aqui e papai tchau-tchau. Quer Mamãe Nenê. Mamãe dá Dedé abraço Nenê. Sai Dedé. Quente-quente. Nenê quer tetê. Nenê chora. Nenê aqui carro corre-corre. Carro corre não-não. Quente-quente. Nenê quer casa. Quer vesseiro. Chora mais Nenê. Pepeta cai boca Nenê. Nenê chora mais. Nenê quer pepeta. Pega pepeta Nenê, Dedé. Dedé pega pepeta não. Dedé bobo. Nenê quer água. Nenê caca nariz. Mamãe limpa Nenê. Nenê gosta mamãe. Mamãe não aqui. Nenê chora. Nenê cansa. Tosse-tosse. Moça fora carro corre-corre. Moça vê Nenê. Moça fala. Nenê chora. Moça bate-bate janela. Moço bate-bate porta. Nenê cansado. Quer naninha. Quer vesseiro. Quer Dedé. Nenê quente-quente. Nenê tetê não. Moço grita. Moça grita. Grita não moça. Nenê soninho. Grita não moço. Nenê quer naninha. Tum, tum janela. Nenê chora. Nenê não chora. Nenê soninho quente-quente. Dedé pepeta tetê soninho. Quente-quente. Nenê quer mamãe. Moça não mamãe. Moço não papai. Soninho... Tum, tum. Acorda Nenê. Nenê chora. Nenê não chora. Janela bum. Nenê pula. Moça pega Nenê. Nenê soninho. Moça upa-upa Nenê. Nenê não chora. Nenê soninho. Moça upa-upa. Papai grita Nenê. Mamãe não grita Nenê. Nenê quer chorar. Nenê soninho. Papai upa-upa Nenê. Soninho... Moço fuu boca Nenê. Tosse-tosse. Fuuu. Nenê quer mamãe. Nenê quer tetê. Nenê quer Dedé. Nenê pepeta Dedé tetê. Papai chora. Soninho. Fuuuu. Mamãe nenê colinho vesseiro Dedé tetê papai. Soninho Nenê. Nenê dorme.

Nenê não chora.

22 março 2010

Pelo fim do amadorismo literário


Hoje acordei e me deparei com um imenso bafafá no Twitter, no Orkut e no meio do fandom em geral. Não vou entrar em detalhes, mas certo autor recebeu uma crítica extremamente negativa a seu romance recém lançado, retrucou o crítico, angariou apoio na base de fãs, conseguiu detratores por conta de sua postura frente à crítica e etc. Mudam as moscas mas a merda é a mesma de sempre. Se você participa do meio, sabe de quem estou falando e não há a necessidade de apontar nomes, culpados ou vítimas (até mesmo porque não gostaria de me envolver diretamente nesta briga). Se você não faz ideia do que estou falando, o exemplo também cabe.

Ponderando a respeito deste assunto, acabei tropeçando num excelente artigo postado por Larry Brooks em seu StoryFix (se você não conhece este site e sabe ler em inglês, recomendo muito a visita). Nele Brooks faz uma analogia esportiva a respeito de um problema sério, que cada vez mais vejo abater sobre essa nova geração de autores que tentam, de todas as maneiras, fazer sucesso no meio literário.

Chama-se MATURIDADE.

Não maturidade no sentido biológico, mas a maturidade profissional. Como sempre digo, escrever é muito mais do que alinhar palavras. Todo autor, assim que termina seu original, é fã incondicional de seu trabalho. Acha que aquele pedaço de texto irá revolucionar a literatura brasileira, quiçá a mundial. Será reverenciado, traduzido, virará filme, deixará o autor milionário. E é este o maior problema.

Autores devem ter em mente uma coisa: por mais que você se esforce para escrever bem, sempre existirão detratores à sua obra. Sempre haverá espaço para críticas negativas. Críticas são parte do ofício. Você cria, alguém critica. É inevitável. Quem não quer crítica não deve colocar seu texto para escrutínio público. O que diferencia um escritor de uma pessoa que escreve é a maneira que recebe essas críticas. O cara que escreve fica ofendido, defende sua obra com unhas, dentes e impropérios. Já o escritor de verdade tira vantagem até mesmo das mais negativas críticas e nunca (enfatizo: NUNCA) retruca como se tal crítica fosse um ataque pessoal. Mesmo que seja, bem entendido.

Preste atenção: será que sua obra estava madura o suficiente para ser publicada? Tem certeza? Ela passou pelo crivo de leitores críticos sérios, foi revisada diversas vezes, teve todas as referências comprovadas? Há erros de lógica, de ritmo, de coerência? Há erros históricos grosseiros? Personagens rasos, inconsistentes, desnecessários? Pense bem. Seja honesto.

Escrever um livro não é fácil. Não basta apenas querer contar uma história. É preciso muito trabalho antes mesmo de sentar a bunda na cadeira e começar a digitar. Mas muito mesmo! Horas e horas a fio numa pesquisa interminável. Dias criando cenários, personagens, delineando a trama, escrevendo, reescrevendo, apagando, aumentando, corrigindo. É uma imensa labuta, que quase nunca termina sem defeitos. E é função dos críticos apontarem esses problemas. E papel dos autores ouví-los.

Diversas obras são lançadas diretamente para o oblívio literário, e o único culpado por isso é o autor. Seja humilde, perceba que você não é o centro do universo e que seu livro pode sim ter defeitos graves (e quase certamente os terá). Aceite as críticas que recebe e volte ao texto com outros olhos. OUÇA, pelo machado de Assis! Aceite que você não é perfeito. É o mínimo que se espera de um escritor que deseja ser tratado como tal.

Chega de amadorismo, gente. Os leitores agradecem.

E os críticos também.

17 março 2010

Nota de Falecimento


Morreu esta madrugada, em pleno exercício de inflamada hipérbole, aquele gigantesco perdulário. Aquele que desperdiçava nossas sagradas horas com seus intermináveis e desnecessários adjetivos. Que frequentemente maculava nossa fluidez com notadamente inócuos advérbios. Foi encontrado em decúbito dorsal, como convinha para a foto, o cadáver em rigor mortis repleto de irrelevantes termos técnicos. Morreu como queria, afogado no próprio vômito e debruçado numa rima sem teto. Deixa três gavetas e um romance, que sem sua obstinada persistência sequer existiriam senão numa metáfora óbvia. A polícia ainda não tem pistas de quem possa ter perpetrado essa grata contravenção, mas todos sabemos o porque. Por uma morte noir e estilosa, como em um conto policial formulaico. Uma morte sobrenatural, inexplicável. Um mistério a ser desvendado. Ao invés de o nome do carrasco, escreveu um enigma de próprio pulso. Um estereotipado detetive cuidará do caso. “Nós não podemos nos esquecer de tudo que ele nos trouxe. Devemos-lhe o devido respeito”, disse o detetive, cheio de pronomes e intervenções. Foi uma morte arquetípica, privada de sinônimos. Morreu e não deixará saudades.

Eu sou Ferdinando Galvão, o assassino do Chavão.

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N. do A.: Este texto foi o resultado de um exercício proposto na aula de Marcelino Freire durante a minha Pós Graduação de Criação Literária. O exercício me deu três elementos: o nome do personagem (Ferdinando Galvão), sua profissão (locutor) e o início do texto ("Morreu nesta madrugada..."). O resultado foi esse aí. Desculpem se o título assustou alguém.

12 fevereiro 2010

(Banho de) Chuva de Verão


Escurece.
(Aí vem ela)
Faísca
e ronca.
Pinga.
Pinga.
Pinga, pinga, pinga.
E brilha
E geme
E treme
E cai.
Bate, molha, respinga.
(Onde você vai?)
E aumenta. E sopra. E uiva. E assovia.
E brilha!
E quebra!
(Esse caiu perto)
E encharca. E alaga. E retumba.
E derruba. E balança. E sacode.
E assusta.
E carrega.
E lava.
Enxágua.
Diminui.
Escorre.
Esvai.
E acaba.
(Tem uma toalha?)

02 fevereiro 2010

Tarantino e a mediocridade narrativa

Finalmente assisti a tão alardeada "obra prima" de Quentin Tarantino, Inglourious Basterds (ou, como foi traduzido por aqui, Bastardos Inglórios).

E qual foi o meu veredito?

Decepção completa.

O filme é uma porcaria. Não em termos técnicos. A direção de arte é primorosa. A edição espetacular. A fotografia belíssima. Mas tudo isso em cima de um roteiro rasteiro, pedante, auto indulgente, com personagens rasos como uma pizza e um "arco dramático" pra lá de imbecil. Fora as atrocidades históricas que deveriam levar qualquer pessoa que estudou o MÍNIMO da Segunda Guerra Mundial no colégio a arrancar os cabelos em desespero. Não, não estou exagerando.

O que levou Tarantino a produzir uma bomba como essa? Nunca o considerei um grande expoente cinematográfico, mas seus filmes anteriores tinham seus méritos. Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992) era interessante. Pulp Fiction (1994) trazia finalmente para o cinema pop a narrativa não linear (e um pouco da irreverência de Cães de Aluguel). Até mesmo a "bilogia" Kill Bill (2003) acertava no quesito divertimento, justificando seus exageros pelo tom farsesco da trama. Nada genial, nada revolucionário, mas no fim das contas funcionava.

Daí veio essa porcaria que é Inglourious Basterds. Nele vemos um Tarantino descontrolado, abusando de longos e maçantes diálogos (que, dizem, é seu ponto forte), cenas absurdas injustificadas e toneladas de referências jogadas sem a menor necessidade. Tarantino acreditou piamente que qualquer bobagem que ele escrevesse seria tratada como um produto de uma mente genial. Pelo burburinho da mídia percebemos que ele tem razão. Mas a mim o senhor não engana, Tarantino.

Sua obra pode ser comparada a um Ovo Fabergé: uma casca linda de se ver, mas vazia de significado, sentido ou qualquer sombra de relevância. É um filme que se sustenta num "estilo" pretensioso e oco. Um exercício de estilo pelo estilo, pura e simplesmente. Uma obra que nada se tira e nada se leva. Completamente descartável. Após tantos anos ouvindo de todos os lados exaltações a sua "genialidade" posso dizer a plenos pulmões: Tarantino, você é uma fraude. Sua máscara finalmente caiu.

Quando terminei de assistir ao filme, em meio a raiva e a frustração por ter desperdiçado duas horas de minha vida nessa porcaria, pensei em todas as críticas positivas que ouvi antes de assistir o filme. Pensei comigo mesmo: "Será que só eu vejo o quão ruim é esse filme?".

Aparentemente sim.

Daí fiz uma analogia que sempre faço. Cada vez mais vejo escritores iniciantes "vestindo a camisa" de um estilo x ou y. "Ah, eu escrevo sobre vampiros". "Ah, eu escrevo ficção científica¨. "Ah, eu escrevo fantasia". E blá, blá, blá, etecétera e tal. Não estou criticando os (poucos) bons escritores de gênero dessa nova geração que estamos vendo despontar. Escritores que optaram escrever em determinado gênero, mas não se limitam a ele. Falo sim dos autores que praticamente xerocam seu livro predileto. Esquecem que toda boa história tem um TEMA.

Não basta me dizer que você escreve "histórias de vampiros". Vampiros não são tema. São alegoria. Nem que você escreve "histórias de FC". Ficção científica é muito mais que naves espaciais, armas laser e alienígenas exóticos. É um estudo que pode ser sociológico, futurólogo e até mesmo psicológico, utilizando cenários futuristas apenas para ilustrar esses temas.

E o que é um tema? De acordo com Milan Kundera em seu "A Arte do Romance" (1986, Companhia de Bolso), um tema é "uma interrogação existencial". É algo que mira para além da superfície, que lida com temas profundos da existência humana. São os sentimentos, as emoções. Eu não escrevo terror. Eu escrevo histórias de amor, de coragem, de sacrifício, lido com o medo, as fobias, a consciência, as frustrações do leitor. Todo o resto são decisões de estilo para que o leitor receba aquele tema de maneira eficiente quando terminar de ler. Que o faça pensar. Toda boa história deve ser epifânica. Tendo vampiros, lobisomens ou caçadores de nazistas nela ou não. Escrever bem vai muito além de acertos ortográficos ou gramaticais (estes são valores essenciais). Escrever é uma arte. E toda arte deve transmitir alguma coisa a seu receptor. Ou então sua história será como o filme de Tarantino: uma casca de ovo belamente decorada, mas recheada apenas de mediocridade.

E fadada ao esquecimento

05 janeiro 2010

Boceta - Ensaio Étimo-Ginecológico

boceta (ê)
s. f.
1. Pequena caixa de fantasia.
2. Cal. Vulva.

boceta de Pandora: origem de todos os males.



Quando somos crianças é simples. Menino é diferente de menina pois menino tem pipi. Fácil assim. Você é menina? Então você não tem pipi. Moleza. Nem cogitávamos nomear o que era aquele não-pipi que elas tinham. E também pouco interessava o tipo da torneira que elas usavam para urinar. Filosofia infantil é tão etérea quanto brigadeiro de festa.

Crescemos e começam as crises de identidade. Já ouvi dezenas de nomes diferentes. Alguns tentando debilmente imitar a sublime simplicidade de sua contra parte (“pipinha”, “xaninha”), alguns fazendo obscuras alusões a animais (“periquita”, “perereca”), outros bizarros e fadados à galhofa que nem merecem citação. Até que finalmente elas encontram uma que todas adotam até o princípio da puberdade.

Xoxota.

De minha parte acho um nome feio para algo tão bonito. Felizmente com o passar do tempo este termo também cai em desuso, sendo usado apenas em legendas malfeitas de filmes pornôs idem (“Oh, baby, lambe minha xoxota...”). Depois começa a fase ginecológica. É vagina mesmo. Parece nome de doença. Talvez resquício de uma sociedade patriarcal, mas analisar isso foge do objetivo deste texto. Vagina é uma denominação genérica. Até minha avó tem vagina. Definitivamente é um nome que não diz nada.

Mas nós, meninos, sabemos como chamá-la antes mesmo de saber o que fazer com ela. O nome sempre surge, murmurado por um tio, engasgado por um colega que ouviu de outro colega que tampouco sabe o que é. Mas sabemos que é ali que devemos nos concentrar. É ali que devemos entrar com nosso ex-pipi (agora já denominado “pau”, “pinto”, “cacete” e, glória das glórias, “caralho”). Mesmo que no começo confundamos o chumacinho de pelos que a recobrem com a propriamente dita.

Quem?

A Boceta.

Acabamos descobrindo-a aos poucos. Um sentido de cada vez. Primeiro é o tato. Dedos trêmulos invadindo uma calcinha. Roçando pelinhos pubentes. Tocando as bordas exteriores. Sentindo o calor. Depois a visão, quando finalmente fugimos dos cantos furtivos e as despimos na intimidade. O olfato é aproveitado apenas segundos antes do paladar. A audição é atiçada quando ouvimos o delicioso chec-chec úmido de nossas carícias. Todos os sentidos em um único ponto.

E quando descobrimos que aquele único ponto tem diversos outros pontos? Lábios externos, lábios internos, clitóris... Cada ponto, cada reintrância deve ser tocado, acariciado, aproveitado. Nada como uma boceta bem tratada para arrancar gemidos de suas profundezas. Penetre-a com carinho na primeira vez. Em todas as primeiras vezes. Depois apenas siga seu ritmo. Ela que manda. Ela que guia. Sinta-a. Ouça-a. Ela sabe o que faz.

E quando ela sabe, você sabe.

E quando você sabe, elas voltam.