18 maio 2015

O Segundo Ato: A Resposta


É hora de falarmos sobre sofrimento.

Sofrimento de seu personagem, não o seu, bem entendido. E, como consequência, sofrimento para o seu leitor. É hora de sujar as as mãos. De vestir o chapéu do sádico e distribuir bordoadas.
Se você foi bem sucedido(a) na construção do Primeiro Ato, seu leitor sabe quem é o protagonista (ou protagonistas), por quê deve torcer por ele, onde a história se passa, o que está em jogo, culminando no Primeiro Ponto de Virada, onde um evento importante ocorre e coloca a trama nos trilhos. Agora não há mais volta. Algo precisa ser feito. Tudo o mais é relegado a segundo plano. O protagonista precisa agir.

E fracassar. De preferência da maneira mais cruel e trágica possível.
Na vida real somos confrontados com decisões todos os dias. Algumas importantes, decisivas. Outras nem tanto. E somos obrigados a conviver com as consequências dessas decisões. Não há savegame nem checkpoint a qual recorrer no caso de uma catástrofe. Raramente alguma decisão equivocada pode ser revertida. Precisamos responder a essas mudanças de rumos.

E como respondemos quando somos confrontados com um evento importante? Geralmente o primeiro impulso é se retrair. Dar um passo para trás, analisar a situação, recolher informações. Precisamos de subsídios para tomar uma decisão a respeito do próximo passo. E é isso que seu personagem, como simulacro verossímil de um ser humano, deve fazer. Não é hora de heroísmos ainda. Se uma pessoa aleatória vem e te dá um tapa na cara, sua primeira ação é se surpreender. Depois vai tentar compreender o porque você foi agredido. Quem é aquela pessoa? Por quê ela te agrediu? Será que eu mereci esse tapa? Como devo agir de modo a evitar que eu leve novos tapas daqui pra frente?
Essa é a essência do segundo ato. Algo aconteceu no Primeiro Ponto de Virada. Algo importante, crucial. Algo que não pode ser ignorado, e o protagonista precisa lidar com isso. Lidar como? Ele ainda não sabe. Ele pode até saber quem é o responsável, mas ainda não compreende totalmente as suas motivações, nem sabe ao certo como resolver essa situação. Precisa de mais informações. Mas para conseguir essas informações, precisa garantir que continue no jogo. Para isso precisa se retrair, se reagrupar. Ele pode até tentar uma atitude desesperada (ou intuitiva) com o objetivo de resolver aquele problema, mas irá fracassar. Pelo bem de sua história, ele DEVERÁ fracassar. Até porque se sua tentativa funcionar, o antagonista é derrotado e a história acaba.
Não, ainda é muito cedo. Seu protagonista precisa sofrer. Ele precisa chegar ao fundo do poço, mas deverá cair aos poucos. E toda e qualquer tentativa de resolver seu problema apenas agravará a situação, o afastará ainda mais da resolução. Cada elemento da trama, cada nova informação relevante, servirá apenas para aumentar seu desespero. E é nesse desespero que irão aflorar seus medos, seus traumas, seus demônios interiores. É neste momento que conheceremos a fundo os personagens. Quem eles realmente são.

Mas não podemos esquecer de nosso antagonista (ou força antagonista). Sua história deverá correr paralelamente à do protagonista. Seu plano aos pouco deverá se revelar. E ele, em perfeito contraponto, deverá ser bem sucedido. Haverá um momento, aproximadamente no meio do segundo ato, onde uma vitória sua se tornará o Primeiro Ponto de Pressão para o protagonista. Já sabemos o que está em jogo, e o protagonista não está conseguindo resolver a sequência de eventos que surgem depois do Primeiro Ponto de Virada. Eis que, de repente, tudo piora. O antagonista se aproxima cada vez mais de seu objetivo, e há consequências diretas para o protagonista. Podem ser trágicas, podem ser estratégicas, mas precisam existir. Se antes as coisas estavam ruins, agora estão desesperadoras.
Uma coisa importante precisa ser dita: todo e qualquer sofrimento que você atirar em seu protagonista deve ter um motivo, um contexto inerente à trama ou à construção dos personagens. Qualquer forma de sofrimento deve mover a trama para frente, seja acrescentando uma nova camada de drama, seja apenas criando uma nova motivação aos envolvidos. Criar sofrimento apenas como fetiche, gratuito e desnecessário (ou seja, que não impulsiona a trama de alguma maneira), é apenas torture porn. Sensacionalismo barato. Mesmo que determinada cena possa até parecer gratuita, ela deve gerar consequências, deve fazer sentido no plano geral da história. Caso contrário, é descartável. Lembre-se: estamos fazendo o planejamento justamente para evitar esse tipo de coisa. Preste atenção.
Tudo isso culminará no Ponto Intermediário da trama. A grosso modo, no meio do livro. O Ponto Intermediário é bastante semelhante a um Ponto de Virada: algo ocorre - um novo evento, uma nova informação, uma epifania - e, de repente, todo o jogo muda novamente. Mas, desta vez, é algo aparentemente positivo, pelo menos para o protagonista. Surge uma luz no fim do túnel. Uma nesga de esperança, por mais ínfima e improvável que possa parecer. Mas esse evento se abrirá em um novo caminho - talvez uma resolução - para a trama. Deste momento em diante seu protagonista saberá o que precisa ser feito para resolver seu problema. Talvez até delineará seu plano.

É hora de parar de ser um mero humano, apenas respondendo aos empecilhos da vida, e se tornar um Herói, alguém dono de seu destino, alguém capaz de, por bem ou por mal, derrotar seu antagonista de uma vez por todas.

É hora do Terceiro Ato: O Ataque.

Mas isso fica para o próximo artigo.

Até lá.


Este artigo é o oitavo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui e o sétimo aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

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