08 abril 2015

Não Tema o Tema

Ok, então você decidiu escrever um livro, fazer parte da elite intelectual, tornar-se imortal através de suas palavras e ideias, participar de saraus, encontros literários, noites de autógrafos, passar fome, viver na miséria e morrer como um indigente tuberculoso... Não, péra, me perdi aqui. Você quer ser um(a) Escritor(a). Com E maiúsculo. É isso.

Legal. Muito bom. O primeiro passo foi dado. É essencial ter um objetivo, uma meta. Não permita que ninguém o(a) desanime ou o tire de seu caminho. Estufa o peito e cospe o chiclete. Estala o pescoço e os dedos.

Mas antes de sentar e marretar o teclado, quero te fazer uma pergunta:

Por quê escrever um livro?


Não me olha assim. É uma pergunta honesta. Não precisa responder agora. Calma. Deixe-a marinar um pouco em sua cabeça. Caminha um pouco comigo. Cadê aquele uísque?

Escrever um livro é uma trabalheira desgraçada. Você vai perder horas, dias, meses, anos. Vai abdicar de grande parte de seu tempo livre no processo. Vai se frustrar, se desesperar, sofrer física e emocionalmente. Vai brigar com familiares, chefes e bichos de estimação por cada minuto livre. Vai ter uma ideia genial quando estiver longe do computador, apenas para esquecê-la quando conseguir garimpar um tempo para escrever. E no final de tudo ainda terá que revisar, reescrever, cortar, mudar, corrigir. Isso sem garantia nenhuma de publicação. E, mesmo se conseguir publicar, sem nenhuma garantia de sucesso. As chances de seu livro não passar da primeira edição e desaparecer nos catálogos é muito maior que o contrário. E nem me faça falar sobre o rendimento financeiro.
Desistiu? Não? Bom. Muito bom. Isso é um bom sinal. Isso te ajuda a responder a pergunta lá em cima. Você quer escrever um livro pois você não consegue não escrever esse livro, contar essa história. Mesmo com as perspectivas mais sombrias e recompensas limitadas. Você quer escrever um livro porque você precisa escrevê-lo.

Esse é o espírito. Vamos em frente. Próxima pergunta:

Sobre o quê escrever?


Parece bem básico, não é? Se você quer escrever, quer escrever sobre algo. Isso não é apenas importante, é essencial. Você não escreve para se tornar um escritor, você se torna um escritor escrevendo. E escrevendo sobre algo.

Mas é nesse ponto que a maioria dos escritores trava. Sobre o que é o seu livro? Do que ele trata? Em suma, qual é o TEMA de seu livro?

"Ah, é um livro de vampiros", alguém responde. 

Errado. Esse não é o tema. 

"É uma ficção científica hard passada em um planeta distante e...", diz outro, na fileira da frente.

Nope. Também não é o tema, é o gênero. Mais básico que isso. Mais simples. 

"É a história de uma menina que..." - deixe-me interrompê-lo. Também não é o tema, é o começo de uma sinopse. Pense na pedra fundamental de sua história, sobre a qual toda a trama e os personagens vão ser construídos. 

"É uma história de amor, pombas!".

Pronto. 

É isso.

Esse é o tema.
É isso mesmo. Não interessa se sua história tem vampiros chorões,  alienígenas purulentos, ou se passe em um mundo paralelo onde o chocolate é um veneno mortal (NÃÃÃÃOOO!!). Esses são os cenários, os personagens e as alegorias que você vai utilizar. Suas ferramentas de trabalho. Os meios para um fim. 

E o fim é o tema. 

Toda boa história tem um tema central, algum assunto específico sobre o qual o autor quer tratar, e sobre o qual o autor quer levantar questionamentos. "Matadouro 5", de Kurt Vonnegut, não é sobre um cara que viaja no próprio tempo, é sobre os horrores da guerra. "O Senhor dos Anéis" não é sobre hobbits tentando destruir um anel, é sobre a morte da mitologia. "Drácula" é uma história de amor. "Frankenstein" é sobre os limites éticos da ciência. "Hamlet" é sobre vingança.

Eu poderia continuar, mas acho que você entendeu.

De acordo com Milan Kundera em seu "A Arte do Romance" (1986, Companhia de Bolso), um tema é "uma interrogação existencial". É algo que mira para além da superfície, que lida com temas profundos da existência humana. E é sobre isso que sua história tem que falar. Escolha um tema antes de escolher seus monstros. Vasculhe seus sentimentos, desencave seus medos e aflições. Descubra sobre o quê quer escrever antes de começar a escrever. Isso lhe dará um norte, um objetivo a almejar com sua história. Uma boa história começa com um bom tema.

E onde encontrar um bom tema? Bom, aí é com você. O importante é que este seja um tema que você considere importante, algo que você é apaixonado(a), que te incomode, que sacuda suas crenças e convicções, que traga uma mensagem que você quer passar e um questionamento que você quer plantar na mente de seu leitor. 

Apenas tome cuidado para não ser óbvio ou cair no didatismo, ou em um moralismo panfletário. O tema deve permear a trama, mas nunca se fazer claramente presente. Ele deve estar implícito. Lembre-se da analogia da pedra fundamental, aquela que sustenta toda a estrutura mas que nunca é vista. O tema é o norte, mas nem toda jornada precisa ser até o Pólo Norte. Aliás, quase nenhuma é.

Também nada impede que a história tenha vários temas, mas é importante que ela tenha um tema CENTRAL, mesmo que cercado de subtemas. É sobre este tema que estamos falando aqui. A espinha dorsal de sua história. Todo o resto é acessório. Antes de pensar em como vai contar a história é importante definir sobre o quê será a história. Dê esse passo. Comprometa-se a ele. Você vai ver que, quando se sabe onde deve ir, o caminho se torna muito mais claro.

Depois de escolher o tema, é hora de traçar o conceito de sua história, ou o caminho até ele. Mas isso é o tema (viu o que eu fiz aqui?) do próximo texto.


Este artigo é o segundo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui. Continuem ligados para ler os próximos.


2 comentários:

Mateus Oliveira disse...

Gostei bastante do seu texto. Estarei atento às próximas publicações.

: )

Leonardo Gedraite disse...

Gostei do tema dessa série =]

Passarei a acompanha-la