08 maio 2015

A Essência da Estrutura


O que faz uma história funcionar?

Não estou (ainda) entrando no mérito da qualidade do texto, mas dos requisitos mínimos que transformam esse texto em uma história. Que ingredientes são necessários? Em qual quantidade? E em qual ordem devem ser colocados (ou apresentados) de modo a se transformar em uma história coerente e compreensível, quiçá apreciável?

Qualquer cozinheiro sabe que não basta juntar todos os ingredientes em um caldeirão e esquentar em fogo alto. Pode dar certo? Pode. Mas as chances são mínimas. É preciso atentar a cada detalhe, saber a hora certa de adicionar cada tempero, o tempo de cozimento, a temperatura necessária, a hora de parar.
O que fizemos até agora foi separar os ingredientes da história: Tema, Conceito, Premissa e Personagens. Todos esses elementos são essenciais, mas é preciso saber quando e onde usar cada um deles. Não basta pegar tudo isso e jogar dentro de uma página em branco para, como num toque de mágica, a história surgir. Não interessa o quão bom seja o Tema, o quão instigante seja o Conceito, o quão sedutora seja a Premissa e o quanto seus Personagens sejam bem construídos. Sem uma receita, um plano inicial, simplesmente não vai dar certo. Sua "história" não passará de uma colagem incoerente e ilegível de elementos desconexos, sem forma ou sentido.
Vamos fazer um exercício mental. Imagine que eu te dê uma pilha sortida de Legos. Você sabe, aqueles tijolinhos dinamarqueses que todo mundo já brincou pelo menos uma vez na vida. Dizem que é possível construir qualquer coisa com eles, então vamos colocar isso à prova. Toma, uma pilha de legos pra você:
Agora eu quero que você pegue essa pilha de legos e construa um Darth Vader, como esse aqui:
Vamos precisar de mais peças pretas...
Eu garanto a você que, fora a lâmina do sabre de luz, todo o resto foi feito juntando bloquinhos de lego, iguais àqueles da pilha que eu te dei. Estruturalmente são os mesmos elementos. Você acha que consegue fazer isso?

Não, não é uma comparação exagerada. É a diferença entre um aglomerado de elementos narrativos e uma história. E o objetivo aqui é escrever uma história, não é? É construir algo que faça sentido a algum receptor. Histórias, tal qual estátuas de Lego, necessitam de um plano para serem realizadas. Quantas peças serão necessárias, de quais cores, em que ordem serão montadas?

De novo, dá pra fazer isso na louca, intuitivamente? Dá. Mas as chances de fracasso são muito maiores que de sucesso. E o trabalho será muito maior, para um resultado que, no final, pode ser apenas razoável (artistas têm a tendência à auto-condescendência quando perdidos). E não queremos isso, queremos?
Então necessitamos de um plano. Algo que sustente todos os elementos e dê sentido a cada uma delas. Precisamos de uma estrutura para a história.

Você provavelmente já ouviu falar da famosa Estrutura de Três Atos, defendida pelo roteirista Syd Field. Apresentação, Confronto e Resolução. Toda história que pode ser definida assim possui estes elementos básicos. Joseph Campbell detalhou uma estrutura mais complexa em sua Jornada do Herói. Essas são estruturas conhecidas e que já comprovaram que funcionam. Você pode tentar inovar o quanto quiser em termos narrativos, mas no fundo o resultado será o mesmo. Mesmo histórias como Amnésia ou Irreversível, que são contadas do fim para o começo, ou narrativas não lineares como Matadouro 5 ou Pulp fiction, acabam caindo neste arcabouço. Não há como fugir.
Larry Brooks, em seu livro Story Engineering, sugere uma expansão da estrutura tradicional de três atos. Para ele, o segundo ato (Confronto) precisa ser dividido em dois: A Resposta e Ataque. Essa divisão, como veremos a seguir, faz todo o sentido, então vamos adotá-la. Assim, temos quatro atos básicos (Apresentação, Resposta, Ataque, Resolução) e cada ato é pontuado por pontos de virada (ou Plot Points), pontos de pressão, ganchos, incidentes incitantes e momentos que adicionam o tempero necessário para que a trama evolua. Em resumo:

  • Apresentação: Quando o protagonista, coadjuvantes e cenário são apresentados. Há um prenúncio da trama e do conflito que ocorrerá nos próximos atos, e o leitor descobre o que está em jogo (o destino da humanidade, a vida de um ente querido, a sanidade do protagonista, etc.). Deve estar presente um gancho que irá prender sua atenção logo no começo. Pode ser um incidente incitante, que já começa a mostrar sobre o que a história tratará. Termina no primeiro ponto de virada (Plot Point), que é o ponto sem retorno para a trama. Agora a história começou de verdade, e os personagens terão que fazer alguma coisa a respeito.
  • Resposta: Mas fazer o quê? Tudo que aconteceu no primeiro ato serviu para tirar o protagonista de sua zona de conforto (lembre-se da Jornada do Herói) e ele (ou ela, ou eles) agora precisa reagir. E fracassar. O antagonista (ou a força antagonista) agora deve estar bem claro, e as consequências do fracasso devem se fazer presentes. Novos elementos deverão ser apresentados, e o conflito deve crescer até o limite da ruptura emocional. Pode-se adicionar um ponto de pressão, que aumenta as apostas e cria um novo grau de desespero. No ponto central da história o todas as peças devem estar no tabuleiro. Agora só há um lugar pra correr.
  • Ataque: O protagonista sabe o que precisa ser feito. E o fará. Ele, pela primeira vez na história, pega nas rédeas da situação. Ele tem um plano. Para de simplesmente reagir e parte para o ataque, disposto a resolver esse conflito de uma vez por todas. Ele pode ou não ser bem sucedido em seu intento, não importa. Pode-se adicionar aqui um novo ponto de pressão, ou mesmo um momento "Tudo está perdido", que aumentará o drama. Elementos chave, prenunciados nos dois primeiros atos, poderão mostrar sua influência, ou mesmo levar a novos elementos. Esse ato terminará no segundo ponto de virada, onde serão avaliados os sucessos e fracassos do plano do protagonista e do antagonista, deixando a ambos poucas opções. É o momento que conduzirá a história a seu inevitável clímax.
  • Resolução: A trama precisa se resolver, para o bem ou para o mal. Planos e ações deverão chegar a um resultado. Todas as peças estão no jogo, e nenhum elemento novo poderá ser adicionado. Pontas soltas devem ser atadas, tramas resolvidas e a história deverá chegar a um inevitável fim.
É importante perceber que, sem uma estrutura sólida, sua história não vai funcionar. Você pode escolher o modo que quer contar a história, adicionar atos ou elementos novos, mas não pode negligenciar pelo menos esses pontos essenciais. Retire qualquer um deles e sua trama desabará. Ela nem poderá ser considerada uma história, pra princípio de conversa. 
Então, antes de começar a escrever os capítulos, escreva o plano inicial. Defina o que irá acontecer em cada ato, quais serão os pontos chave da trama, como ela começa, como se desenvolve e como termina. Nada impede que você mude tudo isso durante a execução, mas é essencial saber para onde vai antes de começar a andar.

Nos próximos artigos irei detalhar cada ato individualmente, bem como explicar com mais calma cada um dos pontos chave, de modo a criar um plano básico para a sua obra.

Até lá.



Este artigo é o sexto de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui e o quinto aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

Nenhum comentário: