03 dezembro 2008

Anticlimático

Acordo junto com a neblina que, na certeza do sono interrompido, parece ter se originado de meu cérebro macilento. Não há como divisar nada além de alguns palmos para fora da janela. Mesmo assim esfrego os olhos. Não dá certo. Minha cama aos poucos perde o calor de meu corpo recém descoberto. Entro no banheiro e ligo o chuveiro, desviando dos respingos gelados em minhas canelas e quase escorregando e caindo por conta da dança bisonha. Apenas quando a neblina interior rivaliza com a externa tomo a coragem e o banho necessários. O couro cabeludo se espreme num calafrio dolorido. Banho no frio é como comida mexicana. Difícil de entrar, pior de sair. Mas o meio termo até que é agradável.

No trânsito vejo os primeiros raios de sol se esforçando para irromper as camadas de vapor, fuligem e preguiça, sinalizando a inevitabilidade do dia que recém começou. A rua está permeada de caras amassadas enlatadas em seus contêineres de aço e vidro. Alguns se escondem atrás de janelas fumê, trancando-se num microverso veicular onde enfiar o dedo no nariz não é falta de educação. Falsa segurança transitória. Neste fluxo é tão difícil encontrar sorrisos quanto faixas de sol, mas eles existem. Estão lá, frutos de noites não tão frias ou de promessas de dias mais ensolarados.

Quando finalmente estaciono essas promessas ainda não se concretizaram. O edifício se ergue à minha frente com outras promessas, mais cinzentas, mais sisudas. Haverá risadas esparsas, isso é certo, mas sei bem que tudo não passará de uma estratégia, de um escapismo involuntário. Sol e chuva sem desencalhar viúvas. Faltam ainda quatro horas para o almoço.

Para muitos a hora do almoço é a única chance de ver o sol durante todo o dia. Para mim ao menos é. Saio pela portaria e aciono minha pequena usina de vitaminas. Minha pele chega a brilhar, a palidez como que querendo fugir de sua prisão epitelial. Blusas e jaquetas são repentinamente esquecidas. Óculos escuros e sorrisos espontâneos por um instante reencontrados. Decotes abertos e mangas arregaçadas. Cada trecho de pele descoberta é uma janela aberta à invasão anti-mofo. Tudo tem luz nesta nossa fotossíntese social. Por meia hora o mundo aparenta ainda ter esperanças.

Infelizmente somos obrigados a retornar ao ambiente falsamente climatizado. Pasteurizado. Mormacento. As horas se arrastam pela atmosfera pesada. Como sempre, no final da tarde o tempo fecha. Prazos, compromissos, broncas. Nuvens escuras se encarregam de esconder o sol relutante. Alguém enumera os quilômetros de trânsito, colocando todos no habitual paradoxo do vou-não-vou. Mas dá a hora e vamos. Junto com a chuva.

Enquanto escorremos lentamente pelas vias os rostos se tornam borrões indistintos na profusão de respingos. Onde havia pouca vida agora não há nenhuma, sugada e exaurida pelo dia que poucos na verdade viram. O sol desiste de nós e se esconde atrás dos dendritos do horizonte, procurando por novas vítimas para insuflar com falsas promessas. A chuva pára antes de nos lavar a alma. Algumas janelas são abertas para que o ar úmido substitua o viciado. Onde o medo ainda é mais forte que o asco do vício elas permanecem fechadas. Abro a janela assim que saio das zonas cumulares e me aproximo de meu condomínio.

Após grunhir uma saudação ao porteiro e aos transeuntes de elevador entro em casa e precipito a mala, a carteira, o celular e o meu corpo pelo recinto. Os céus arrotam mas não choram mais. A temperatura cai. O telefone toca. Um diálogo cheio de instabilidades passageiras. Mas o resultado é tão previsível quanto uma frente fria argentina. Tanto que meia hora mais tarde o interfone relampeja. Pode subir.

Ela entra sem tocar a campainha. Torrencial como sempre. Encontra-me ainda nublado no sofá. Como sempre não se importa com meu desprezo ou com minha alegria. Simplesmente chega. E depois irá embora igualmente indiferente. Naturalmente. Mas disfarça a tempestade vindoura com amenidades.

- Está frio hoje, hein?

- Estou.

E amanhã será outro dia.

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Republicado por sua causa.

19 novembro 2008

Comum

- E aí?

- E aí o quê?

- O que você achou?

- Não gostei.

- Não gostou? Mas não gostou do que?

- De nada. Achei ruim, só isso.

- Não, assim não. Tem que ser mais específico. Do que você não gostou?

- Hum, sei lá. Foi competente, coisa e tal, mas não sei. Não bateu. Foi...

- Fraco? Insatisfatório? Esquecível?

- ... comum.

- Comum? Não, não pode ser. Comum é ruim. Comum é o pior adjetivo. Tudo, menos comum.

- Quer que eu minta?

- Não, é claro que não. Mas comum é muito pouco. Comum? E eu tentei tanto inovar. Sabe, o lance dos palavrões...

- Não inovou. Alías você disse "merda" umas vinte vezes. Sei lá, ficou repetitivo. E de onde você tirou que falar "merda" é erótico?

- Mas não é minha praia. Sempre fui mais recatado, mais sutil. Tentei uma coisa nova. Audaciosa.

- Pois é, não rolou. Soou meio falso. E você sabe, falsidade nessa hora é meio broxante...

- Broxante é essa conversa! Pô, eu me empenhei tanto! E eu achando que estava arrebentando, que você ia adorar! Me preparei, sabia? Estudei, li pra caramba a respeito. Deu o maior trabalhão. E você vem e diz que foi "comum"? Porra, comum é foda. Comum é o fundo do poço.

- Você pediu sinceridade. E, sinceramente, acho que você consegue muito mais do que isso. Sei lá, tem potencial, mas ainda não chegou lá. Talvez falte um pouco de treino...

- Treino? Mas eu treino sempre! Todo dia! Às vezes passo a noite em claro. Estou com as mãos doendo de tanto treinar! Isso é frustrante! E se...

- O que foi?

- Esquece.

- Não, agora conta.

- E se eu alcancei meu máximo? E se isso foi tudo o que eu posso fazer? E se meu destino é ser mediano, razoável? Puta merda, e se eu nasci para ser medíocre?

- Não vem com essa. Você não acredita nessa bobagem de destino.

- Não acredito. Mas acho que todo mundo tem um limite. Me esforcei pra caramba pra chegar nesse seu "comum". E se eu nunca conseguir passar disso? É algo horrível de se imaginar. Ser comum, ser mais um na multidão. Uma criaturinha prosaica e desprovida de diferenciais. Um clichê ambulante, um arroz com feijão de um PF de boteco. "Aqui jaz mais um João Ninguém"...

- Pára de drama. Você sabe que não gosto quando você fala assim.

- Isso é culpa sua! Você e esse seu espírito crítico. Nada do que eu faço te agrada. Nada é o suficiente! Aposto que tem gente por aí que me idolatraria por algo que você considera só... "comum"! É por sua causa que eu também nunca fico satisfeito. É por sua causa que eu sempre falho. Nunca vou atender suas expectativas, não é? Caramba, como eu odeio você quando faz isso! Você deveria estar do meu lado...

- E eu estou. E por saber que você pode muito mais do que isso é que te critico desse jeito. Se eu um dia descobrir que você chegou no seu limite, pode deixar que vou dizer. Mas você ainda não chegou lá. Esfria essa cabeça e acende um cigarro...

- Tá.

- Isso. Relaxa. Vamos parar com essa discussão?

- Não.

- Não?

- Não. Agora você me deixou encucado. Preciso resolver isso, ou não vou ter mais paz de espírito.

- Saco...

- Não reclama, que é sua culpa. Agora vou ficar cismado o resto da noite. Não vou conseguir fazer mais nada.

- Tá bom. Então faz o seguinte: pára de reclamar consigo mesmo no espelho e vai reescrever essa porcaria de uma vez. Do começo. Depois que terminar a gente conversa de novo.

- Ei, porcaria não!

- Porcaria sim!

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O texto acima foi um dos primeiros que escrevi nesta minha fase mais "séria" (em termos de carreira literária), tendo sido publicado originalmente em 2003 no site Anjos de Prata. Republiquei-o aqui pois havia esquecido completamente de sua existência e fiquei realmente surpreso com o resultado final. Coisas de um egomaníaco procurando pelo próprio nome no Google, sabe como é...

17 novembro 2008

Arrumação Nerd

Neste último final de semana eu finalmente consegui fazer algo que planejava fazer há alguns anos: organizar decentemente minha coleção de HQs.

Arrumei uma velha estante de metal que estava chumbada na parede da edícula, limpei e desamassei o tanto quanto dava e pintei-a inteira com spray preto. Ficou rusticamente interessante.

Organizei tudo de uma maneira bem coerente, mas que aparentemente só fará sentido para mim: por editora original (DC, Marvel, Image, Dark Horse, etc...), personagem principal e qualidade. Lotei desta maneira as três prateleiras inferiores da estante (As de cima foram para CDs e DVDs e livros). Tudo beleza, legal, chupetinha.

Claro que no final ficou uma pilha menor, com apenas os mega-ultra-top-fucker-master-blasters. É o que chamei de "A Pilha Seminal" (sobe o coral!). São aqueles HQs que PRECISAM ser lidos, mesmo que o resto da estante seja depois ignorada. Só com aqueles já dá pra começar uma coleção de respeito.

Tá, e daí?

Bom, decidi comentar a respeito da arrumação pois encontrei hoje, totalmente sem querer, dois "fan movies" excelentes, ambos baseados em duas obras que fazem parte da minha famigerada Pilha Seminal. Ambos foram dirigidos pelo espanhol Miguel Mesas, que eu não conheço mas já sou fã. Nunca vi uma produção deste tipo ser ao mesmo tempo tão fiel ao mateiral original e tão bem realizada.

Vejam você mesmos e esbaldem-se:

Batman - Arkham Asylum (baseado na graphic novel homônima escrita por Grant Morrison e ilustrada pelo mestre Dave McKean)



Imagens da HQ para fins de comparação:





























































Slaine - The Horned God (baseado na séria homônima escrita por Pat Mills e ilustrada com o primor de sempre por Simon Bisley)


Algumas imagens só pra ilustrar:

12 novembro 2008

AVISO IMPORTANTE!

Recebi algumas mensagens me perguntando por que eu estava divulgando o lançamento para o dia 13/11 (quinta) quando em diversos lugares (inclusive no site da Mostra de Curtas Fantásticos) era anunciado que o lançamento seria no dia 14/11 (sexta). Pois bem, o lance é que por alguma razão inexplicável (ao menos ninguém se dignou a me explicar) o evento foi anunciado errado tanto no site quanto nos flyers impressos. Conversei com a organizadora do evento e ela confirmou a bizonhice.

Mas não muda absolutamente nada. O lançamento oficial de Predadores CONTINUA agendado para o dia 13/11, à partir das 19hs, na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37).

Então não se enganem. Esta é a informação OFICIAL. Não adianta aparecer no dia 14 que eu não vou estar lá, hein?

Abração e até amanhã!

07 novembro 2008

Predadores - Convite oficial e trailer!

Taí, esse é o convite oficial para o lançamento de meu novo romance, PREDADORES. E, para complementar ainda mais, abaixo está o trailer que preparei para tentar explicar um pouco mais sobre o que o livro se trata e apresentar o clima da trama:



Então é isso. A partir de agora é oficial. Não se esqueçam: É dia 13/11 (quinta) à partir das 19hs na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37).

Espero vocês lá!

03 novembro 2008

Tributo à capela para John Williams



Pra quem não percebeu (e com certeza vai ter que assistir de novo) toda a letra homenageia o universo Star Wars.

É oficial: o mundo é dos nerds.

Achei aqui.

31 outubro 2008

Mortos vivos de SP, UNI-VOS!

É isso aí, povinho. Chegou o dia de mais uma Zombie Walk aqui na paulicéia. Eu estarei lá, como em todas as edições anteriores.

Para quem não sabe que catzo é isso, clique aqui e divirta-se.

Para quem sabe o que é mas não sabe quando é:

ZOMBIE WALK SP 2008
Data:
-->02/11/2008 (esse domingo!) Concentração: 15hs no vão do MASP (Av. Paulista)
Início: 17hs
Trajeto: Vê no site.
Traje: ZUMBI!

Quem não tem maquiagem ou tem e não sabe fazer normalmente a galera na concentração dá uma força nesse aspecto. O negócio é ir e se divertir. Pode até ir sem se fantasiar, mas garanto que daí perte 75% da graça.

Encontro vocês lá!

Maldita Lei Seca!

17 outubro 2008

Capa de 'Predadores'

Finalmente fechamos a capa de meu novo livro, Predadores, a ser lançado em breve pelo selo Spectrum da Editora Multifoco:

Clica para ampliar.

Para quem quiser ver como ficou a capa completa, é só clicar na imagem abaixo:

Sim, eu sei, as letras estão pequenas. Segue abaixo o texto da quarta capa e das orelhas:

Quarta capa:
Existem dois tipos de pessoas: os predadores e as presas.

Os seres humanos, em sua infinita pretensão, se imaginam no topo da cadeia alimentar simplesmente pelo fato de poderem raciocinar e terem um polegar inversor, o que lhes permite construir máquinas para suprir suas próprias limitações. Mas o corpo humano é imperfeito. Isso está cada vez mais claro à medida que os homens criam novos aparelhos que apenas os empurram para um sofá, onde se limitam a ver o tempo passar através de uma janela eletrônica, comendo comida processada e calórica, tornando-se criaturas decadentes e flácidas, muito diferentes da imagem poética que fazem de si próprios. São apenas as engrenagens, a força motriz, sem sentido ou direção.

Mas nós, meu caro, nós operamos o mecanismo.

Nós somos predadores.

Orelhas:
Dante é um repórter da noite à procura de realização pessoal e profissional que tem a tarefa de acompanhar a emergente Eva, uma promotora de casa noturna cujo principal interesse é ganhar uma maior exposição na mídia. Tudo isso muda no dia em que ela encontra Ian, um executivo recém-divorciado que, na crise da meia-idade, busca recuperar a juventude perdida. 

Pessoas comuns com histórias diversas que se entrecruzam no Vrykolakas, uma casa noturna no centro de São Paulo que esconde intrigas e armadilhas sob um véu de luzes e decadência. É o lugar onde Radu, o enigmático proprietário da casa, irá testar os limites morais e éticos de cada um até descobrir a que ponto eles estão dispostos a chegar para alcançar seus objetivos. Neste jogo doentio até os vencedores arriscarão perder a própria alma.

Em seu segundo romance, Alexandre Heredia vai além dos conceitos delineados em O Legado de Bathory, narrando uma história atual que mistura vida, ambição e morte, com altas doses de sensualidade, em uma trama com a qual muitos irão se identificar – para o bem ou para o mal. Afinal, qual de nós poupa esforços na realização de seus maiores desejos?
Interessou? Espero que sim. O lançamento está agendado previamente para o dia 13/11, quinta feira, a partir das 19hs na Casa das Rosas, lá na av. Paulista. Assim que tiver o convite oficial coloco aqui, mas já vão reservando espaço em suas agendas.

Mais um. E que venham os próximos.

09 outubro 2008

O Velho e o Mar

Infelizmente não encontrei uma cópia com qualidade melhor ou com legendas, mas mesmo assim vale cada segundo desta magnífica adaptação de "O Velho e o Mar" de Ernest Hemingway, feita pelo russo Alexander Petrov em 1999, que usou uma técnica hoje considerada arcaica (ao menos pelos designers preguiçosos) de pintura a óleo com os dedos sobre uma placa de vidro para criar imagens deslumbrantes. Assistam que vale muito a pena.

Parte 1:


Parte 2:

01 outubro 2008

Maria Eduarda


Ela não chegou de mansinho. Chegou berrando, histérica, perdida, sozinha. Foi na noite em que eu, por alguma razão inexplicável, fui a um teatro fazer um teste para entrar na peça. Justo eu, que como ator sou um péssimo escritor. Encontrei-a encolhida apavorada debaixo de um carro no estacionamento do teatro. Chamei-a e ela veio correndo. Antes que eu pudesse pensar em qualquer temor besta ela já estava se aninhando em meu colo.

O teste foi engraçado por conta dela. Todos da trupe ajudaram a cuidar dela enquanto o teste transcorria, o que gerou cenas engraçadas mas que nada tinham a ver com a peça. Era ela, que com sua simples presença acendeu a todos. Brega, né? Mas quem tava lá se lembra.

Sem outra opção levei-a para casa. No caminho mesmo já havia percebido que minha vida havia sido tomada de assalto. Ela tinha me escolhido e vindo pra ficar. Sua recepção não poderia ter sido melhor. Em poucos minutos ela já havia se ajeitado. Tão pequena, tão indefesa, tomou conta da casa e transformou-a em seu lar.

Logo na primeira consulta veterinária recebemos um susto e um mistério. O susto: ela tinha caroços nas mamas, que precisariam ser operadas. Noventa e sete por cento de chance de eliminar tudo, disse a veterinária (uma ruivinha nanica toda sorridente, meio Felícia, manja?). O mistério: ela parecia filhote, mas câncer de mama não aparece em gatos com menos de 10 anos. Pela primeira vez na vida não vi apenas um, mas vários veterinários sem saber precisar a idade dela. O mistério perdura até hoje. A última estimativa é de que ela devia ter de um a dois anos de idade quando a encontramos, e que uma possível desnutrição tivesse adiado seu crescimento. Sei lá. Tanto faz. Ela cresceu um pouco ainda depois disso, então tudo bem.

Marcamos a cirurgia de castração e eliminação do câncer. Tudo correu bem, menos a recuperação. Mostrando o vigor da juventude misteriosa, foi difícil controlá-la. Tivemos que a levar algumas vezes de volta ao veterinário para refazer os curativos. Infelizmente descobrimos do pior jeito possível que havia um problema em sua cicatrização. Depois que os pontos foram retirados a cicatriz se abriu em alguns pontos. Foram semanas difíceis depois disso, mas conseguimos superar essa e ela ficou sem nenhuma seqüela.

Ela se tornou parte da vida em casa. Carente eterna, não abria mão de um colo. E entrar no colo para ela era um ritual que não devia ser interrompido. Começava com o cortejo, a olhada, a aproximação resoluta, o "amassar de pão" tão característicamente felino que para ela era quase um mantra, elevando-a para o conforto subseqüente. E quando ele vinha era pra durar. Coisa mais deliciosa ser seu colo.

E o nome? Incapaz de me decidir passei a responsabilidade para uma garotinha que encontrei certa vez num bar. Lembro-me de ficar intrigado ao ver uma garotinha tão tarde em um bar, mas depois me apresentaram sua mãe e a história do falecimento do pai da garotinha. Não sei porque lembrei disso agora, mas foi essa história que me fez decidir que seria a garotinha quem nomearia minha gata. Mostrei a ela uma foto no celular e ela bateu na cintura e me olhou com aquela cara de impaciência indignada tão comum em crianças inteligentes: "É óbvio! Maria Eduarda!". Pronto.

Muito prazer

Bem que tentaram logo em seguida apelidá-la de "Duda", mas não pegou. Era Maria Eduarda mesmo. Dois nomes para quem há poucos dias não tinha nem proteínas suficientes para crescer direito. Isso é que é moral. Moral essa que logo se fez presente. Da doce e abandonada gatinha, Maria Eduarda, agora nomeada, tornou-se a dona da casa. Eram freqüentes as broncas quando chegávamos tarde e bêbados. As crises de ciúmes quando trazíamos mulheres para competir nossa atenção. As reclamações quando esquecíamos de manter seu prato cheio. Ela impunha essa moral, mas no final sempre dormia tranqüila em meu colo. Fosse a crise que fosse, um bom colo era a solução para tudo.

Aos poucos ela se acostumou com a falta de rotina aqui de casa. Ela percebeu que não conseguiria competir com uma vida social ativa e então se adaptou. Fez amizade com todo mundo que passou por aqui, sem distinções. Claro, se deu melhor com alguns do que com outros, mas nunca brigou com ninguém. E olha que não faltou motivo, hein?

Criativa, nunca elegeu um único lugar como seu canto. elegia um por duas, três semanas no máximo. Depois elegia outro. Seu último eleito foi a cadeira do computador. Isso mesmo depois que compramos a ela uma cama (que ficava no topo de um arranhador, para tentar salvar o que restava do sofá). Ela usou a cama. Por duas ou três semanas. Mas o arranhador ajudou bastante.

Cama nova? Não, prefiro essa caixa velha.

Tinha um olhar carinhoso, mesmo que certas vezes um tanto inquisidor, apesar de eu creditar essa impressão a uma possível consciência pesada de minha parte. Mas nunca com qualquer forma de julgamento. Era um olhar que transmitia uma cumplicidade, uma confiança mútua.

Confiança que foi posta à prova há cerca de um mês. Aqueles três por cento que a veterinária-Felícia havia omitido voltavam revigorados. Como é? Sim, o câncer havia voltado. Aquele mesmo câncer que só acometia gatas mais velhas. Uma quimioterapia estava fora de cogitação. Tinha que ser operada. O mais rápido possível. Riscos altíssimos de ela não resistir nem à cirurgia. Recuperação lenta e dolorosa.

Bom, resumindo a história para não remoer memórias amargas, ela não resistiu. Sobreviveu à cirurgia mas, depois de duas semanas de uma lenta e dolorosa recuperação, hoje à tarde ela desistiu de continuar lutando. Morreu sozinha na sala da casa que era seu lar. Não interessam os detalhes. Ela se foi, pouco mais de um ano após ter chegado. Deixou-nos com uma dor irreparável no coração. Deixou também as saudades. As noites solitárias acabam de se tornar muito mais solitárias.

Você foi uma alegria em nossas vidas, Maria Eduarda. Obrigado por tudo o que você fez pela gente. Nunca conseguiríamos recompensá-la o suficiente, nem com todos os frangos assados do mundo. Garanto.

Só nos desculpe pela tristeza. Infelizmente essa dor não vai poder ser solucionada te dando um colo.

Então, adeus.


P.S.: Gostaria de agradecer, além de todo mundo que se envolveu e se solidarizou nesses últimos dias, especialmente a Dra. Marília, do Instituto Dog Bakery, por todo o esforço em prol da recuperação da Maria Eduarda. Nós tentamos. Valeu.

25 setembro 2008

"Cobertura" da Bienal

Pra quem ainda não sabe, além de escrever livros também trabalho no canal FizTv. E o povo da produção do canal deu uma passada no stand da Alaúde na Bienal do Livro e fez a seguinte filmagem:



É, apresentação televisiva realmente não é minha praia. Mas valeu, especialmente pela presença especial de minha querida filhota no fundo.

Valeu, Wolf!

24 setembro 2008

Rascunhos Imponderados: Sexo


No final tudo se resume a sexo. Não tem jeito. Tudo o que fazemos, tudo o que almejamos, tudo o que realizamos é apenas para um único objetivo: transar.

Somos criaturas movimentadas a espasmos de orgasmo. Carreiras são construídas para que aumentemos nosso poder aquisitivo e, conseqüentemente, tenhamos condições de comprar carrões e artigos de ostentação com a meta de abrirmos o maior número de pernas possível. Saímos à noite com desculpas de amizade e socialização, mas o que queremos mesmo é encontrar alguém para bagunçar os lençóis com a gente. Olhamos em volta à procura de brechas nos vestuários que abram janelas às anatomias alheias. Puxamos conversa com completos desconhecidos como se estivéssemos apostando numa roleta, cujo prêmio virá em gemidos suarentos e trocas de secreções que em outra situação consideraríamos nojentas. Mas nunca são. Nunca, pois como já disse tudo no final se resume a sexo.

Esse papo de que buscamos parceiros, companheiros, etecétera e tal, é tudo asneira. Buscamos parceiros sexuais, potenciais procriadores e procriadoras. Receptáculos de nossa herança genética, mesmo que esta intenção tenha se deturpado ao ponto de que a prática é muito mais valorizada que a concepção propriamente dita. A humanidade é a única raça que faz sexo por prazer egoísta. Caso houvesse o mínimo risco de que a fêmea devorasse a cabeça do macho após o coito garanto que pensaríamos duas vezes antes de dar um tapa naquela gordinha que sobrou no final da festa. Se é para ser a última, que seja a melhor. Milhões morreriam virgens se seguíssemos este raciocínio, mas ao mesmo tempo daríamos saltos largos em termos de evolução.

Mas não é o caso. O caso é que transformamos o sexo de um mero ato reprodutório num objetivo dentro de si mesmo. A ironia disso tudo é que nos desesperamos quando conseguimos a fecundação. Ou seja, os humanos transformaram o fracasso em vitória e vice versa. É como um time que só comemora bolas na trave, apesar desta ser uma analogia potencialmente broxante. Está vendo? Pensamos em sexo até mesmo durante analogias futebolísticas. O tempo todo. Quer dizer, quase. O único momento que não pensamos em sexo é durante o ato. Pensamos em qualquer outra coisa, mas agora com o claro objetivo de estender o intercurso. Pensamos em coisas broxantes. Em contas a pagar. Em qualquer coisa menos no que estamos fazendo naquele exato momento. Até o dia que percebemos que nem isso é o suficiente. Aí descobrimos que a única maneira de adiar o êxtase é não só pensar em sexo, mas extrapolar o raciocínio. Racionalizar o fato de pensarmos em sexo.

- Hein?

- Nada não. Continua que está gostoso.

E não é que dá certo?

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Rascunhos Imponderados é o nome que dei a uma série de exercícios que imponho a mim mesmo de modo a superar bloqueios e manter a "máquina" lubrificada. É assim: alguém me passa um tema qualquer. Uma palavra, uma idéia, qualquer coisa. Dou-me quinze minutos para elaborar o que vou escrever e então uma hora no máximo para escrever um texto de até uma página A4. A maioria é impublicável, mas de vez em quando surgem pérolas como esta aí em cima, que divido com vocês. O tema foi sugerido por Lucimara Paiva, o que, sem sombra de dúvidas, ajudou muito na inspiração. Um beijo enorme, Lu.

23 setembro 2008

Criação de Antagonistas

Uma das críticas mais comuns que costumo receber sobre meu primeiro romance, o Legado de Bathory, é justamente sobre o quão raso foi o antagonista no meio de tantos personagens comparativamente muito mais tridimensionais. Dizem que falta a ele uma motivação clara, que sua presença parece jogada só para gerar uma crise, etc. Eu normalmente concordo com esta crítica. Realmente em uma análise superficial (ah, a ironia...) ele não tem uma motivação clara, e a explicação ao final também não é satisfatória. Mas eu normalmente volto o questionamento ao questionador e pergunto: E daí?

Quando estava esboçando a trama já tinha claro em minha cabeça apenas dois personagens: Yara e Laszlo. Os protagonistas. Daí, ao desenhar o antagonista, imaginei-o apenas como um maluco com sonhos de grandeza. Um sujeito delirante caçando fantasmas auto-infligidos. Ao ver isso, cometi um dos piores erros que um romancista pode cometer quando está criando um personagem: eu "forcei" uma motivação.

Sim, é isso mesmo o que estou dizendo. Ao forçar um motivo para suas atitudes eu acabei diluindo sua força como personagem. A tentativa patética de explicar tudo na derradeira cena é uma tentação demasiado grande, mas que deve ser evitada sempre. É o que costumo chamar de "final Scooby Doo". Não há motivos para o vilão explicar todo seu plano, todos seus objetivos nem aos protagonistas nem aos leitores. Por que não? Bem, vou usar dois exemplos recentes dos filmes para exemplificar melhor.

Um deles, é claro, vem do magnífico Coringa criado pelo finado ator Heath Ledger e pelos roteiristas David Goyer e Christopher Nolan para o recente blockbuster Batman: o Cavaleiro das Trevas. Não vou nem comentar a atuação impecável ou o roteiro bem amarrado, mas sim as cenas em que o Coringa "inventa" sua origem, cada vez de maneira completamente diversa. Não sabemos se alguma delas é verdade ou se nenhuma é! Isso cria uma sensação incômoda. Se não sabemos o que originou a crise, como poderemos resolvê-la? Por que aquele cara decidiu se vestir de palhaço e sair matando tanto mafiosos quanto policiais a seu bel prazer? "É tudo parte do plano", diz ele a certa altura, mas que plano é este? O que o levou a tomar a decisão de gerar o caos na vida dos protagonistas? Simplesmente porque sim? Há alguma outra motivação escondida? Nós, como seres calcados na racionalidade ficamos órfãos ao descobrir que este mistério é totalmente insolúvel. E isso acabou, em minha opinião, elevando o personagem de um patamar intrigante a um completamente assustador.

Outro exemplo é o recém lançado Violência Gratuita, refilmagem do clássico cult Funny Games de 1997 (escrito e dirigido em ambas as versões por Michael Haneke). Nele dois garotos jovens, limpos e bonitos atacam e torturam física e psicologicamente uma família sem nenhum motivo aparente. Coincidentemente há uma cena que remete bastante ao recurso utilizado pelo Coringa. Em certo momento as vítimas perguntam qual o motivo de tamanho suplício (no exato momento que nós, espectadores, também nos perguntamos) e um dos garotos desfia duas explicações completamente distintas. Ante a perplexidade da família (e nossa!) ele solta uma pergunta: "Quer que eu continue? Posso inventar outra". É uma cena desesperadora, mas incrivelmente coerente. Por que o "vilão" precisa se explicar à sua vítima? Para dar um alento ao seu sofrimento vindouro? Para tornar seu suplício mais "lógico"? Ou simplesmente para se justificar ou se desculpar? A verdade é que um antagonista pode até ter motivos para fazer o que faz, mas não precisa se justificar com ninguém!

Um bom vilão nem mesmo precisa ser um vilão. Um bom antagonista se acha o protagonista de sua própria trama. Ele acha sinceramente que está fazendo o que é certo de acordo com seus valores e julgamentos. Ele deve ser criado desta maneira. Na mente do escritor pode até existir um motivo, o que pode até adicionar profundidade ao personagem, mas essas motivações não precisam necessariamente ser explicadas num diálogo didático transcorrido convenientemente no momento de maior tensão da trama. A vida não se preocupa em fechar pontas soltas e às vezes tragédias ocorrem sem um sentido claro. A frustração faz parte da vida, então por que não também da ficção?

A criação de antagonistas tridimensionais e verossímeis somente ajuda na carga dramática da trama. Um vilão empático gera conflito do leitor/expectador, que em uma certa situação não sabe pra quem deve torcer, pois mesmo sem compreender completamente sabemos que DEVE haver uma razão para aquelas atitudes. Às vezes sabermos o quanto menos sobre a história a enriquecerá, pois criaremos uma miríade de possíveis explicações em nossas mentes. Qual será a certa? Existe uma explicação? Esse conflito é extremamente saudável, pois gera o que chamo de "releitura mental" do texto após o fim da leitura propriamente dita. Você revisa o que aconteceu, tenta tirar dali uma lógica, uma explicação, apenas para descobrir que aquela se tornou uma história inesquecível.

Sendo assim, não cometam o mesmo erro que cometi. Planejem bem seus antagonistas, talvez até mais que os protagonistas. E não se esqueçam desta única dica: um bom vilão acha que é o herói da história.

10 setembro 2008

Passando o bastão

Como não estou num dia especialmente inspirado (devido a alguns acontecimentos deveras desagradáveis), segue uma pequena lista de textos interessantes que andei trombando por aí:

Viver da Escrita / Viver para a escrita

O eterno segredo de tostines.

30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico
Espetacular, especialmente a parte relativa à critica (uma atividade que começo a me dedicar).

O Prazer do Terror
Bastante elucidativo.

E, para finalizar, uma livraria que tem todos os livros do mundo, menos um. Em inglês.

Boa leitura.

05 setembro 2008

Manifesto de um Solteiro Reincidente

Provavelmente vocês, bichos da cidade grande, não sabem direito qual o significado da palavra "arapuca". Pois bem de acordo com a Wikipedia:

Arapuca (arataca ou urupuca) é um artefato, de origem indígena no Brasil, que consiste numa armadilha, feita de paus, com formato piramidal, e destinada a pegar vivos aves, pequenos mamíferos, ou outros animais de caça.
É isso. Uma simples armadilha, normalmente usada para caçar passarinhos que serão logo em seguida enjaulados de modo a privatizar seu canto pelo resto de suas vidas.

Não sei vocês, mas sempre achei a imagem de uma passarinho preso numa gaiola deprimente. Uma criatura que foi feita para voar sendo obrigada a limitar-se num cubículo mínimo, sem chances de alçar alturas, entrar em mergulhos vertiginosos, piruetas, parafusos, loopings, etc. Ficam apenas lá, saltitando de poleiro em poleiro tristemente, sem perspectivas de recuperar a liberdade perdida, sempre correndo o risco do prego se soltar e derrubar a gaiola ou do gato da vizinha decidir fazer um lanchinho no meio da noite. Uma coisa triste. Por que razão um moleque faz uma coisa destas? Qual o motivo que justifica aprisionar uma criatura que nasceu livre, e cuja beleza reside justamente nesta liberdade?

Este preâmbulo ilustra justamente o fato de que eu, novamente solteiro após uma longa relação estável, venho observando nos relacionamentos interpessoais. Não que seja novidade, nada disso. Só estou analisando uma observação minha recente. Mas acho que muitos concordarão.

Desde que me separei ouvi inúmeras vezes pessoas perguntando, como se fosse algo inevitável, quando é que eu irei me enrolar de novo com alguém. Falam como se minha atual situação fosse uma aberração da natureza, algo impensável. Uma pessoa vivendo sozinha? Não, é impossível. Uma hora ou outra ele vai encontrar alguém e vai passar o resto da vida com esta pessoa.

"O RESTO DA VIDA"

Esta é a única frase que consegue arrancar arrepios em minha espinha e congelar minhas entranhas. É uma frase tão apocalíptica, tão definitiva, tão assustadoramente conformista que não consigo deixar de imaginar o pobre passarinho preso em sua gaiola pelo resto de sua existência. Triste, cabisbaixo, desolado. Morto em vida.

Claro, não estou querendo dizer que todo relacionamento é assim. Nem que eu esteja sendo radical ao ponto de sentenciar que nunca mais me envolverei com alguém. Isso seria estúpido. O lance é que cada vez mais vejo que estou sendo rotulado erroneamente pelo simples fato de eu ter escolhido, neste momento de minha vida, não me envolver profundamente com absolutamente ninguém. Desse modo vou tentar responder abaixo todos os argumentos que jogam em meu colo com uma freqüência enervante. Talvez assim eu me faça entender.

  • Você é insensível/tem o coração fechado/frio/endurecido, etc.
Bobagem. Das grossas. Não estou fechado nem fujo de relacionamentos. Só não acho que um relacionamento seja um fator essencial para minha felicidade neste momento. Se acontecer, ótimo. Se não acontecer, ótimo também! Sou um cara facilmente apaixonável. Me apaixono com a mesma facilidade que me desapaixono. E adoro essa montanha russa sentimental. Se conheço alguém, rola aquela troca de olhares, aquela química, luz, som, tato, idéias, risadas, sexo, etecétera e tal, por que não? É gostoso e faz bem! Se essa paixão permanece no dia seguinte, maravilha! Se for recíproca, melhor ainda! Vou encontrá-la de novo. E isso se manterá até o dia que a paixão arrefecer. Acontece. Bola pra frente. Se isso significa que sou frio ou insensível, paciência.

  • Com quem você irá passar sua velhice?
Quer uma lista? Essa pergunta, para mim, é o cúmulo da mesquinharia. Com quem vou passar minha velhice? Oras, tem mais de 6 bilhões de pessoas no mundo! Acho que consigo manter uma roda de amizades até minha velhice. Se eu não tiver uma companheira para morar comigo, chamo um amigo, ou uns amigos, e pronto. Vou jogar gamão na pracinha. Dar risada com outros velhos no boteco. Ver minha filha, meus netos, etc. Até velórios podem ser divertidos com a galera certa. Ninguém é uma ilha se não quiser. E se quiser, qual o problema? Sinceramente prefiro ser um solteiro feliz do que morrer preso numa relação falida apenas por medo da solidão.

  • Um dia você vai encontrar a tampa certa pra sua panela velha.
Puxa, espero que sim! Espero mesmo. Mas não coloco isso como fator preponderante para minha felicidade. Tenho projetos a serem realizados, planos a serem cumpridos, coisas a fazer. Não quero abrir mão disso tudo em nome de uma mera companhia. Caso eu encontre uma pessoa que esteja na mesma sintonia que eu, que respeite minha privacidade, minhas pretensões e anseios, por que não? Mas caso não apareça ninguém continuo do jeito que estou e vou muito bem, obrigado.

  • Uma pessoa nunca pode ser feliz sozinha.
E por que não?! Já fui feliz e infeliz dentro e fora de relacionamentos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Felicidade não é exclusividade de um relacionamento. Se fosse não existiria a lei do divórcio. Uniões civis foram uma invenção que foi criada de modo a oficializar a aquisição de bens, preservar nomes da nobreza e garantir o status quo. É uma "tradição" de mais de 3 mil anos. E que já caducou. Além do mais, quem disse que vou estar sozinho? Leia a resposta da pergunta anterior de novo.

  • Relacionamentos demandam sacrifícios. Você é egoísta demais!
Não me venham com essa asneira. Para TODO tipo de relacionamento, e não só os afetivos, a relação custo/benefício tem que tender para o denominador. A partir do momento que os sacrifícios não justificam mais a recompensa é hora de partir para outra. E não tem problema nenhum nisso! Qual é o grande pecado em pensar na própria felicidade? Estamos nessa vida com o objetivo de aproveitá-la o máximo possível. A partir do momento que um relacionamento se torna um fardo o objetivo final se perde. Chame-me de egoísta, egocêntrico, o diabo! Mas lá no fundo você sabe que estou falando a verdade.

Existem outras afirmações e questionamentos a este respeito, mas vou acabar caindo numa repetição maçante. O lance é o seguinte: caso eu venha a me enrolar com outra pessoa no futuro, será porque ambos QUEREM se envolver, nunca porque PRECISAM. Ninguém precisa de uma companheira ou companheiro para garantir a felicidade, do mesmo modo que um moleque não precisa aprisionar um passarinho cuja atração inicial foi exatamente sua liberdade. Já passou da hora de derrubarmos esse mito. Ser solteiro pode ser tão ou até mais legal do que ser casado. Se você acha que sua felicidade depende exclusivamente de encontrar uma pessoa que vai passar o resto de sua vida ao seu lado (brrr...), tudo bem. Eu respeito isso. Desde que você respeite minha vontade de permanecer solteiro sem rancor, inveja ou outra merda qualquer que só vai servir para encher nossos respectivos sacos.

E tenho dito.

02 setembro 2008

Referências Cruzadas

Recebi no último final de semana a seguinte mensagem:
"Olá, Alexandre.

Sou produtor de Vídeo e tenho uma escola de produção para cinema e tv em Blumenau - SC. Estava pesquisando a respeito de criação de personagens, tema de minha aula de amanhã (sábado) e tive a sorte de encontrar sua publicação sobre o tema. Tenho meu próprio método de criação de personagens para meus curtas e para os programas de tv que eu produzo, mas eu gostaria de mostrar aos meus alunos um outro método, já que não existem regras à respeito. Quero te parabenizar pela clareza de suas elucidações. Serão de grande valia para a minha galera de futuros produtores de filmes, programas de tv e outras produções.

Obrigado por sua contribuição.

Um abraço do colega...

Marcelo Niess"
Eu quem agradeço a utilização de meu material em sua aula, Marcelo. É extremamente gratificante ver seu trabalho reconhecido não apenas no próprio meio, mas em todas as esferas da produção cultural. Espero sinceramente que minha singela contribuição ajude seus alunos a realizar boas obras num mercado tão carente de criatividade quanto o nosso.

Para quem não se lembra do texto citado, é só clicar aqui.

26 agosto 2008

O Pior Corintiano de Todos os Tempos

Dizem que todo corintiano é fanático. É mentira. E eu estou aqui para contradizer este preconceito a nós, corintianos não praticantes!

Eu nunca fui num estádio para assistir qualquer coisa diferente de shows de rock. Nunca. Nunca sonhei em ser jogador de futebol. Jamais. Era grosso. Tinha duas pernas direitas e só chutava com a esquerda. Fui obrigado a jogar futebol no colégio como alternativa à educação física e, em nove anos de campeonatos anuais, fiz apenas UM mísero gol. Contra! E eu eu era ponta esquerda!

Nunca me esgoelei na frente da televisão em final de campeonato. Nunca tive pôster com o time parecendo uma trupe prestes a ser fuzilada em minha parede. Nem emblema ou escudo (sempre achei aquela âncora de um mau gosto grotesco), nada. Eu nunca tive sequer uma camisa do corinthians!

Não sei qual a escalação do time, não tenho nenhum ídolo na história do clube, não sei nem quando vai ser o próximo jogo, muito menos contra quem. Não derramo lágrimas em vitórias ou derrotas, nunca fui comemorar na paulista, porra nenhuma. Sempre fui um péssimo corintiano.

Pronto, falei.

Só precisava desabafar mesmo.

Valeu.

(Texto escrito entre o segundo e o terceiro gols do Corínthians na vitória contra o Gama, que peguei por acaso zapeando na TV)

(Putz, saiu mais um enquanto eu revisava! Vai Timão!)

19 agosto 2008

20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo

Voltando aqui rapidinho apenas para convidá-los a participar da vigésima edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Eu e os outros autores da Coleção Necrópole estaremos lá, autografando e batendo um papo com leitores e amigos, no dia 23/8 (próximo sábado) a partir das 19hs no estande da Editora Alaúde.

Conto com a presença de todos!

Grande abraço.

07 agosto 2008

Reinações de um Egonauta

Saiu hoje uma entrevista que dei para o site Cranik. Um trechinho:

Em termos de mercado editorial o cenário está um pouco melhor agora do que estava há dois ou três anos. Hoje vemos mais editoras investindo nos novos autores e procurando a nova “geração XX”, não só na literatura “convencional”, mas também na chamada “de gênero”. Mas não pense que por conta disso será uma tarefa fácil ver seu trabalho publicado. E não deve ser mesmo! Sou favorável a uma seleção rígida de trabalhos a serem transformados em livro. Tem muita gente aí querendo publicar seus textos apenas para massagear seus egos e poder declarar nas mesas de boteco que são “escritores”. Acho isso desrespeitoso para autores que se preocupam não apenas em publicar, mas em criar obras sérias, relevantes, bem escritas, originais e, acima de tudo, que contribuam para o avanço da literatura.

Para ler na íntegra, é só clicar aqui.

05 agosto 2008

[CURSO] Literatura Paulista - Tradição e modernidade: Confluências

Dou uma passadinha aqui só para divulgar este excelente curso:

LITERATURA PAULISTA
TRADIÇÃO E MODERNIDADE: CONFLUÊNCIAS


PROFESSORA E ORGANIZADORA: MARIANA ESTEVAM

ESCRITOR CONVIDADO: JOÃO SILVÉRIO TREVISAN

PERÍODO: 13 /08/2008 a 29/08/2008

HORÁRIO: das 18h às 21h


Local: INSTITUTO DO LEGISLATIVO PAULISTA

INSCRIÇÕES NA INTERNET: www.al.sp.gov.br, no link do ILP


Objetivos
A proposta é fornecer elementos essenciais para o conhecimento da evolução da literatura paulista produzida desde o século XVI aos dias atuais, bem como colaborar para que cada participante, ao final do curso, possa ter uma visão de conjunto da literatura paulista; conheça a história e a cultura paulista através dos textos; leia os textos prazerosamente e tenha um contato maior com as obras; integre a literatura paulista na sua cultura pessoal; desenvolva a sua capacidade crítica.


Conteúdo Resumido
  1. Apresentação dos conceitos básicos de literatura, lingüística, língua e linguagem.
  2. Aspectos da literatura paulista e noção das particularidades da história de São Paulo.
  3. Interação literatura-história e os paradoxos: SP – o 1º poema e o 1° romance brasileiros.
  4. Panorama histórico: marcas do pensamento filosófico na literatura (século XVI aos dias atuais) - Caracterização das especificidades estilísticas dos diversos períodos do discurso literário.
  5. Produção literária "paulista" em dois tempos: a tradição dos séculos XVI ao XIX, com os respectivos nomes convencionais – da Literatura de Informação ao Romance Naturalista.
  6. As idéias fora do lugar: reflexão sobre a disparidade entre a sociedade brasileira, escravista, e as idéias do liberalismo europeu.
  7. Romantismo paulista: a deselegância discreta das meninas de São Paulo e a influência da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
  8. Produção literária paulista no segundo tempo: dos Pré-Modernismo ao dias atuais, com os nomes convencionais e com os extraordinários.
  9. A vida no interior de São Paulo e a vida noturna da Capital.
  10. A Paulicéia Desvairada – La Divina Increnca.
  11. Do Brás, Bexiga e Barra Funda à Praça Roosevelt e ao Capão Pecado.
  12. As Marginais, os Marginalizados e os Periféricos – As raízes e o desenvolvimento: as confluências da literatura paulista.
  13. ILP tem sua noite de sarau – talentos entre a prata da casa e os ilustres freqüentadores do ILP

Justificativa
Em linhas gerais, cada obra literária tem sua gênese intrinsecamente relacionada a uma série de fatores circunstanciais que interferem na constituição do texto, a acontecimentos e condições materiais existentes que possibilitam a elaboração e publicação do texto.

Partindo-se desse pressuposto, para estudar a produção literária paulista, torna-se conveniente iniciar por uma panorâmica das condições sócio-culturais do Estado de São Paulo, a fim de tentar compreender o cenário que lhe confere determinada realidade.


Metodologia
Aulas expositivas seguidas de leitura e discussão de textos literários dos autores selecionados; exibição de filmes (documentários ou ficção) de curta duração, ou de fragmentos de filmes baseados em obras literárias. Sempre que possível, e para ampliar as discussões sobre literatura paulista, serão incorporados exemplos de outras artes (música, cinema, pintura, escultura, etc.).

A avaliação será realizada por meio de um trabalho escrito sobre um tema relacionado a questões discutidas em aula. Entrega: a combinar. É necessária a presença em, pelo menos, 75% das aulas.

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Eu já participei de um curso ministrado pela querida Mariana neste mesmo espaço e recomendo.

21 julho 2008

O adeus a Zebedeu



Há vários motivos que levam um autor a matar um personagem. Necessidade da trama, aumentar a importância da história, gerar impacto ao leitor, encerrar um arco narrativo, etc. O destino dos personagens está intimamente ligado à história a ser contada. Sua vida, decisões e morte são titeteiradas de acordo com as vontades de seu criador, esse Deux Ex Machina incontrolável e mimado.

E há personagens que morrem por outras razões. Mas antes de falar de morte, vamos falar de nascimento.

Personagens Semi-Biográficos

Todo escritor deixa um pouco de si próprio em seus protagonistas. É assim mesmo, não se preocupe se seus amigos leitores (que são diferentes de seus leitores amigos) freqüentemente confundirem seu protagonista com você. Não há nada de errado nisso. Quando criamos um protagonista (ou mesmo um antagonista, mas isso é mais raro) usamos um reflexo borrado de nós mesmos. Mesmo que suas biografias sejam diferentes, suas reações, premissas e ideologias são bastante próximas às nossas.

Mas há casos que esta semelhança é maior do que o normalmente recomendável. Há vários exemplos de personagens que não eram apenas inspirados no autor, mas na verdade alter egos do próprio. Não é sutil. É realmente o autor com outro nome. É o caso do Henry Chinaski de Charles Bukowski, do Arturo Bandini de John Fante e até mesmo o excêntrico Kilgore Trout de Kurt Vonnegut.

E, guardadas as devidas proporções, era o caso de Zebedeu comigo.

Gênese de um mau caráter

Os personagens e autores citados aí em cima não foram exemplos coletados ao acaso. Eles foram a inspiração para a criação do meu alter ego ficcional. Zebedeu era um misto da escrotidão de Chinaski, o idealismo quase inocente de Bandini e a alucinação psicodélica de Trout. Mas é claro que esta mistura não seria o suficiente. Eram a "base superficial", mas no cerne ele seria algo como eu mesmo sem freios morais. Uma versão minha com uma biografia diferente e sem papas na língua. A alcunha "psicopata enrustido" veio de alguém que me chamou assim certa vez (não lembro quem). O nome veio de um diálogo ocorrido numa reunião, quando um estagiário foi inquirido de alguma coisa e perguntou, inocente: "Eu?", ao que o gerente delicado como uma motosserra enferrujada respondeu: "Não, o Zebedeu!". Entendeu a sagacidade? A rima? A sutileza?

Foi desse modo que, em abril de 2004, o primeiro blog nasceu: como uma válvula de escape. Protegido pelo anonimato do personagem eu podia falar o que bem entendesse sem receio de ser mal interpretado ou ofender alguém. Eu era recém casado na época e certas frustrações não cabiam muito bem num relacionamento ainda em formação.

Crescimento

Os primeiros textos eram extremamente simples e bobos. Eram apenas um espelho de minha frustração latente com tudo (carreira, literatura, casamento, etc.). Não passavam de textos raivosos e, na maioria, impublicáveis. Mas serviam bem para seu objetivo primordial: era quase uma terapia escrevê-los. Não havia pretensões artísticas. Não havia interesse em divulgação nem nada disso. Tanto que a referência a meu nome estava extremamente discreta.

Só que, em algum momento, os leitores o descobriram. As visitas e comentários começaram a crescer dia a dia. Formalizei o formato "cartas ao doutor", que colocavam cada leitor no papel deste "doutor", e comecei a me preocupar mais e mais com o estilo e com os temas. Zebedeu de uma hora para outra deixou de ser uma válvula de escape e se tornou um personagem.

Era hora de levar aquela brincadeira mais a sério.

Emancipação

Quando percebi que aquele personagem tinha potencial para algo mais que um mero diário decidi mudar tudo, começando pelo próprio endereço. Migrei para uma plataforma mais robusta (ao menos na época) e batalhei no visual. Também foi nessa época que decidi escancarar a identidade secreta de Zebedeu, o que gerou críticas mas ao mesmo tempo me ajudou bastante na transformação daquele espaço de um repositório de asneiras para uma coisa mais literária, mais experimental. Foi aí que realmente Zebedeu abriu as asas e saiu do ninho. Suas histórias ainda era quase que totalmente fictícias, refletindo não fatos mas sentimentos do autor. Brinquei com estilos, experimentei formas diferentes, tornei o blog um autêntico laboratório. E isso ajudou muito na minha formação como escritor. Ao menos muito mais que qualquer oficina de escrita criativa que eu pudesse ter feito. Há posts lá que eu considero alguns meus melhores trabalhos. E os leitores continuavam aparecendo.

Decadência

Em abril de 2007 um fato acarretou uma mudança drástica na temática do blog: meu casamento havia terminado. Eu, novamente solteiro, saí da segurança de meu castelo e voltei ao mundo das incertezas. Pela primeira vez desde sua concepção criador e criatura realmente se confundiam. Os textos deixaram de ser fictícios e começaram a refletir a realidade muito mais do que deveriam. De uma hora para a outra a piada invadiu minha vida. Eu estava me tornando o personagem que havia criado. Como ele mesmo diria: "Freud, é com você, meu filho!".

Inicialmente aquilo me divertiu um bocado. Tirando certas idiossincrasias que inseri apenas para fins humorísticos, Zebedeu era realmente um reflexo de minhas ansiedades como ser humano. Eu queria ser aquele cara. E, mesmo sem perceber, foi o que acabou acontecendo.

Mas aí a piada perdeu a graça.

E não só a graça, mas também o sentido. Não havia mais motivo para eu escrever aquele diário. Não era mais ficção, não era mais válvula de escape. Era apenas uma fotografia, um filme destinado a voyeurs. As experiências literárias desapareceram. Os estilos lingüísticos, as brincadeiras narrativas, tudo. Os textos começaram a ficar insossos, mornos, requentados. Os leitores perceberam. Eu percebi.

Só não queria assumir isso.

A Morte

Com a decadência dos textos e, principalmente, de meu tesão por escrever novas aventuras "zebedianas" a idéia de encerrar o blog surgiu em diversas oportunidades, mas eu nunca efetivamente a realizava. Faltava coragem. Era um personagem muito caro para mim. Lembro-me que no auge de seu sucesso perguntaram-me por que a freqüência dos textos era tão baixa (em média 3 por mês, quando tanto). Respondi que eu primava mais pela qualidade do que pela assiduidade. E é verdade, tanto que nos últimos meses a freqüência decaiu bastante. O problema é que junto com ela também foi a qualidade. Já não eram os textos que me davam orgulho e prazer em escrevê-los e relê-los. Eram quase uma paródia de mim mesmo. Tentei retornar à ficção mas soou vazio. Tentei fazer exercícios mas nada muito original saiu. A fonte tinha secado. A inspiração havia desaparecido. O tesão acabado.

Sendo assim decidi finalmente encerrar essa fase de minha vida. A primeira opção era simplesmente abandonar o blog. Descartei de imediato. Seria um desrespeito a meus leitores. Escrevi então um tipo de recado numa secretária eletrônica, avisando que Zebedeu estava ausente. Cheguei a publicar, mas apaguei em seguida. Aquela não era uma saída honrosa e nem digna do personagem. Foi então que decidi repetir um dos encontros icônicos dele comigo (como vocês podem reler aqui e aqui) e dar, além de um encerramento digno, também uma explicação de minha decisão. Não o matei nem o desenrusti, como muitos previam, mas simplesmente tirei dele aquilo o que o tornava único. Curei-o.

Curei-me.

Zebedeu foi um marco em minha vida, não apenas literária. Foi, por mais esquizofrênico que isso possa soar, um de meus melhores amigos nestes quatro anos juntos. Aprendi muita coisa com ele. Desabafei coisas que nunca conseguiria desabafar na realidade. Cresci como escritor e como ser humano. E agora deixo-o livre de mim de uma vez por todas. É hora de novos horizontes, novos personagens, novas tramas.

Vai nessa, Zebedeu. Missão cumprida, rapaz. E vê se não volta.

Mas, caso volte, estarei aqui para narrar suas desventuras.

18 julho 2008

Mais Wall-E

Vou aproveitar que todo mundo está embasbacado com a estréia de Batman: O Cavaleiro das Trevas e o lançamento do trailer oficial de Watchmen e falar de algo completamente diferente.

Ontem estava tentando convencer meu pai a assistir no cinema a nova animação da Pixar, WALL-E quando me lembrei de uma coisa importante. Claro, se você já assistiu ao filme ou se não assistiu mas não vive numa câmara hiperbárica enterrada em um bunker de chumbo já deve ter ouvido falar que a inspiração para o robozinho do filme é uma mistura de E.T. (aquele do Spielberg) com o Johnny nº5 de Um Robô em Curto Circuito (Short Circuit, 1986). Não discordo que fisicamente a relação é bastante óbvia, como é possível ver na montagem abaixo:



Mas e quanto ao personagem em si? É possível encontrar semelhanças nas histórias dos personagens também (a aventura extraplanetária de ET e a "personalidade" de Johnny nº5) mas acho que esta seja uma abordagem simplista. A essência do personagem da animação da Disney não está simplesmente na máquina ou na aventura espacial. Wall-E é um personagem primal, uma força simples e essencialmente PURA. Em sua realidade não há necessidade de malícia, interesses mesquinhos ou ganância. Wall-E é um robô lixeiro completamente sozinho num planeta em ruínas. A única motivação que ele possui (antes da chegada da sonda EVE, é claro) é uma curiosidade incontrolável. Apesar de ter adquirido quase que uma "alma", seus raciocínios são lógicos, racionais. Afinal de contas não nos esqueçamos que ele é um robô. E, graças a essa pureza, todos os personagens que se relacionam com ele posteriormente na história tem sua percepção da realidade mudada drasticamente, mesmo que esta nunca seja sua intenção.

Nesta abordagem, acho que o pequeno Wall-E se assemelha muito mais a um outro personagem do cinema. Não, não é o Vagabundo de Chaplin como já li em alguns lugares. Para mim a maior semelhança é com Chance Gardener, personagem retratado no filme Muito Além do Jardim (Being There, 1979) pelo genial Peter Sellers.

Hã?

Pois é. É a hora de me chamar de louco. Mas vou tentar explicar: O filme conta a história de um jardineiro meio autista abrigado na mansão de um velho senhor. Quando seu benfeitor morre ele é obrigado a cair no mundo real e conviver com a crueldade, a ganância e a manipulação humana. Estranhamente, devido a sua pureza e simplicidade, suas idéias e analogias (ele sempre compara algo a um exemplo em seu perdido jardim) são consideradas extremamente visionárias. Lentamente Chance começa a mudar a vida de todos com quem ele se relaciona, seja por sua pureza ou seja apenas por instilar idéias simples para solucionar problemas complicados. O mais interessante é que ele não faz idéia do efeito que causa às pessoas. Ele simplesmente é assim porque não sabe ser de outra maneira. Ele é autêntico, uma força natural de pureza e completamente desprovido de malícia.

Compare agora com a descrição que fiz de Wall-E alguns parágrafos atrás.

Captou?

Para mim esta é a real essência que tornou ambos os personagens tão marcantes. Nas duas histórias vemos párias (um robô e um autista) mostrando a nós, humanos "normais", uma realidade que deixamos de ver desde que deixamos de lado a pureza e a inocência da infância. Esta é a mensagem, de que a humanidade tem esperança apesar de tudo (mensagem deixada bem claro na magnífica homenagem à humanidade e sua arte nos créditos finais de Wall-E). É uma mensagem poderosa, corajosa e, por que não?, diametralmente diferente da visão cínica que a ficção anda criando da humanidade nas últimas décadas. São filmes que te deixam leve, feliz, contente por ser humano.

E isso não é pouca coisa.

Vejam o trailer:



Algumas coincidências:

1) "Gardener" não é realmente seu sobrenome, ele apenas se apresenta como "Chance, the gardener" ou "Chance, o jardineiro" e as pessoas naturalmente assumem este como seu sobrenome. Já WALL-E é o acrônimo para "Waste Allocation Load Lifter - Earth Class", ou, em tradução livre, "Compactador e Empilhador de Lixo - Classe Terrestre". Ou seja, ambos os personagens tem nomes que denunciam suas ocupações.

2) "Chance" é "acaso" em inglês. "Wall" é "muro" ou "parede". Novamente nomes que tem relação direta com os personagens.

3) A trilha sonora usada no trailer é Also Sprach Zarathrustra, de Richard Strauss. Esta mesma música também está presente na trilha sonora de Wall-E. Em ambos os casos é uma referência à famosa "cena dos macacos" em 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968), de Stanley Kubrick.

16 julho 2008

Novos Hobbies

E não, não estou falando do lançamento de uma nova linha de Escorts populares ou do engano da Carla Perez ("Azul!"). Estou falando daquelas atividades que fazemos apenas pelo prazer de fazê-las (!).

Há algum tempo meu principal hobby era, é claro, escrever. Era uma atividade despretensiosa, lúdica, divertida, etcétera e tal. Daí veio a vontade de não apenas escrever, mas também ser lido. O resto (ainda) é história. Hoje escrever já não é mais um hobby, mas uma atividade remunerada, que só não é minha atividade principal por conta dos rendimentos ainda insuficientes. Mas é questão de tempo.

Acontece que a evolução de minha carreira como escritor criou um problema: se escrever já não era mais um hobby, o que eu poderia fazer para preencher meus momentos de descanso? Qual atividade poderia me proporcionar o relaxamento necessário sem que eu tivesse que me preocupar com cobranças e prazos além dos auto-impostos? Claro, minha primeira opção foi o sexo, mas este é o tipo de atividade que necessita de consentimento de uma parceira (fixa ou ocasional), o que pode gerar conflitos de agenda e tabelinhas. Ainda curto a prática (ou, como uma amiga minha se refere, o "treino para se fazer bebês") mas eu precisava de alguma coisa pra fazer nos dias em que ninguém quer dar pra mim.

Daí descobri a arte do Papercraft.

Acho que todo mundo com mais de 25 anos já fez isso alguma vez na vida, nem que fosse apenas recortando a parte de trás das caixas de Sucrilhos. Eu nem sabia que isso tinha nome. É a arte de criar brinquedos ou esculturas apenas com papel, tesoura e cola (não, caro frutinha, papier-marché é outra coisa).

E tem mais: descobri também que há uma infinidade de páginas dedicadas a essa prática. É escolher o brinquedo, baixar o PDF com as peças, imprimir e se divertir. O mais completo quer encontrei é este aqui, mas é só procurar que dá pra encontrar um monte por aí.

Foi nesta página que encontrei o modelo para a construção de um dos personagens mais legais dos últimos tempos, o robozinho Wall-E. Sendo a montagem relativamente simples, baixei o PDF, imprimi e coloquei as mãos à obra. O resultado você vê abaixo:

Resolução e foco ruins por conta de uma câmera vagabunda de um celular idem.

Legal, né? Também curti. Agora fiquei viciado nessa porcaria! Já baixei e imprimi os modelos para a construção do Tumbler (ou batmóvel-tanque para os não iniciados). São OITO páginas de peças e mais uma só com transparências (para as janelas). Vai dar um trabalhão. Para fins de comparação, o Wall-E aí em cima é apenas uma página e eu levei 3 horas para finalizá-lo.

Mas sou teimoso. Quando (ou se) eu terminá-lo coloco aqui uma foto. Quem quiser tentar também os modelos estão aqui.

Mãos à obra!