07 fevereiro 2007

A via sacra da inspiração

Não tem jeito: todo escritor que se digne a ser chamado assim um dia reclamará da falta de inspiração. É algo natural, típico dos seres humanos. Um dia estamos inspirados, fazemos de tudo e ainda sorrimos. No outro não estamos para nada, queremos mais que o dia termine logo. É normal, é humano, é tudo isso.

Mas escritores não podem depender de inspiração.

Claro que a frase aí em cima pode ser considerada uma contradição até mesmo ofensiva para uma classe que, por bem ou por mal, é considerada artística. Claro que não estou falando de jornalistas ou escritores de livros técnicos, mas de nós, ficcionistas. Pessoas que lidam com histórias de outros, que contam mentiras deslavadas com o único propósito de entreter (já discuti sobre a relevância da produção literária em outra ocasião, mas agora não interessa). Como então criar (me perdoem os puristas) Arte sem inspiração?

Não é fácil, sou obrigado a concordar. Um texto ficcional normalmente surge de uma fagulha ínfima. É aquela coisa que te pega quando você menos espera (e justo quando você não tem um bloco e uma caneta à mão!). Esta fagulha, claro, é a inspiração. É o ponto de partida para um texto. Infelizmente não temos como controlar a inspiração. É algo que simplesmente... acontece!

Será mesmo?

Como já disse no pôste anterior estou atolado de projetos literários. Alguns são relativamente simples, outros completamente inexplorados. Mas todos tem um prazo. E pessoas envolvidas no resultado. Estarão elas dispostas a aguardar que me surja a inspiração necessária para cumprir a tarefa? Ou mesmo aceitar qualquer porcaria que eu decidir escrever apenas para honrar minha promessa? É claro que não!

Um artista normalmente é alguém arredio. Até mesmo os mais prolíficos. É alguém que se revolta com a pressão dos prazos. Acha que por conta disso está pasteurizando sua obra, está se tornando banal, descartável. É um risco real. Mas não vem realmente ao caso pensar nisso. Não ainda. A hora é de criar. Depois retiramos as arestas.

A inspiração pode sim ser invocada. Não, não vou falar de rituais xamânicos ou sugerir a visita a terreiros de umbanda, apesar de que se isso ajudar não há contra indicações. Como ateu convicto prefiro depender apenas de mim mesmo.

Invocar a inspiração é quase um exercício de meditação, mas ao invés do Nirvana (o estado de espírito, não a banda) você está buscando o tema de seu próximo texto. Separe um pouco de seu tempo para isso. Concentre-se. Faça um brainstorm solitário. O ideal é se livrar das influências externas (música, televisão, internet, telefone, etc). Tá, uma musiquinha pode até ajudar alguns. Fica de seu gosto pessoal. O importante é focalizar a mente em seu objetivo. Esqueça contas atrasadas, problemas de família, discussões com o chefe, tudo. Isso já está em seu subconsciente, vai entrar no texto se for necessário sem que você precise pensar a respeito. Relaxe. E tenha um bloco e uma caneta à mão.

Relaxou? Então agora faça a si mesmo a seguinte pergunta: O que eu quero escrever? Parece óbvio, mas é fácil para um escritor perder seu objetivo em nome de uma produção constante. Retome isso neste momento de reflexão. Responda a si mesmo de forma clara e objetiva. Abrace o mundo com uma frase concisa. Sintetize seus sentimentos com relação a sua carreira literária. Destile suas idéias. Já fez? Agora pergunte a si mesmo: Como faço para alcançar este objetivo? Este é o momento mais complicado. Não esmoreça agora. Não pense na história. Não ainda. Pense no 'como', não no 'o que'. Se você conseguir descobrir a resposta para esta questão os personagens e a trama se desfiarão quase naturalmente. Pode experimentar.

Eu costumo fazar este exercício no carro. Desligo o rádio e aproveito a morosidade do trânsito para libertar minha criatividade. Gero e descarto idéias a esmo. Anoto frases, trechos de pensamento, essas coisas. Raramente leio o que escrevo no bloquinho. É apenas um catalizador do pensamento, uma maneira de registrar algo fulgaz, etéreo. Quando a inspiração chegar (e sempre chega, pode crer) é importante escrever ao menos o primeiro tratamento do texto logo em seguida. Chegue em casa e vá para o computador. Escreva o que está fervilhando na sua mente. Não deixe a idéia morrer. Aproveite o impulso e despeje tudo de uma vez. Depois, com calma, pegue o texto bruto e lapide-o aos poucos. Você vai ver como a coisa anda.

Se essas dicas não funcionarem, bem, sempre há a alternativa de um bom porre num bar cheio de amigos.

Se este for o seu caso, não se esqueça que hoje à partir das 18:30hs teremos mais um INEUS lá no Villa Amadeu (R. 13 de maio, 1802, do lado do Shopping Paulista). Venha tomar conosco uma caipirinha de salsinha, resultado da soma de um acidente com uma inspiração alucinada na última edição.

Como podem perceber, imperdível.

(Este texto foi escrito graças à seguinte linha de raciocínio: O que eu quero escrever? Um convite para o INEUS. Como faço para alcançar este objetivo? Um texto meio metalingüístico, meio tutorial de auto-ajuda. Saiu isso aí que você acabou de ler.)

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