Daniel Galera, em seu novo blogue Jogatina vive se referindo aos jogos modernos de videogame como uma "nova mídia" a ser levada em conta na hora de narrarmos uma história interessante. É uma perpectiva tentadora, especialmente para mim, viciado em games e em boas histórias, sejam elas contadas em qualquer mídia (livros, cinema, rádio, televisão, quadrinhos, bulas de remédio...). Confesso que muitas vezes me supreendi com o enredo de certos jogos, pensando na razão destes mesmos jogos não migrarem para veículos menos interativos.
Claro, todos nós nos decepcionamos quando vimos essa migração finalmente ocorrer (citando alguns de cabeça: Resident Evil, Alone in the Dark, Bloodrayne, Doom...), em grande parte por culpa de roteiristas pouco familiarizados com os jogos adaptados e diretores incompetentes (alguém casse a licença do tal Uwe Boll antes que ele acabe com um de meus jogos favoritos, Postal!). Mas, se analisarmos friamente, o problema das adaptações de games para os cinemas cai no mesmo problema da adaptação de livros: são mídias completamente diferentes. Não há como comparar.
Um filme tem uma duração média de 2 horas. Um game com história (RPGs, adventures, essas coisas) pode levar de 12 a 200 horas para ser finalizado. Não tem como condensar tudo isso em uma trama simplificada sem sacrificar alguma coisa. E neste sacrifício invariavelmente algo valioso se perde, e a obra fica aquela coisa sem gosto que testemunhamos. Para cada Senhor dos Anéis que encontramos somos obrigados a engolir mais de uma dúzia de bobagens inassistíveis.
E qual seria o caminho do meio?
Uma grata surpresa foi quando botei as mãos no inovador jogo da Atari para PC e PS2, Indigo Prophecy (ou Fahrenheit, na Europa). Ele é um game, sim, mas não é um game apenas. É quase um filme interativo. Diálogos bem trabalhados, cenas bem definidas, edição vanguardista, trilha sonora incidental, uma trama bem amarrada... Tudo isso com a vantagem de que o jogador tem a capacidade de participar da trama, auxiliando os personagens (sim, você comanda mais de um) a superar os obstáculos, tomar decisões que influenciarão o desenrolar da história, essas coisas.
Na trama acompanhamos o destino de Lucas Kane, um cara comum que certa noite surta e mata uma pessoa no banheiro de uma lanchonete. Sem entender o que o levou a cometer tal ato, Lucas precisa investigar os fatos que culminaram naquele momento trágico e inexplicável de sua vida. Ao mesmo tempo acompanhamos os detetives Carla Valenti e Tyler na investigação do crime.
O foco narrativo (sim, tem isso!) varia constantemente entre estes personagens principais, gerando uma imensa contradição na mente do jogador. Ao mesmo tempo em que tentamos ajudar Lucas a desvendar seu mistério e fugir da polícia, ajudamos a polícia a perseguí-lo. Esta contradição é tão bem entremeada à narrativa que nos pegamos várias vezes torcendo por lados opostos na história. E, surpreendentemente, funciona muito bem!
Os desafios do jogo variam dos óbvios esforços físicos (desviar de carros, lutar contra policiais, se equilibrar em muretas, etc) até os mais inteligentes, como saber quais perguntas fazer a um suspeito antes que o tempo se esgote ou resolver enigmas imaginativos. E mesmo a história seguindo uma trama central bem definida é interessante ver que cada decisão tomada no seu desenrolar influencia os fatos a seguir.
Claro, o game tem diversas falhas. Os gráficos são meio antiquados, mesmo com uma placa de video mais parruda; a jogabilidade, apesar de bastante inovadora, ainda é muito engessada em certos pontos, obrigando o usuário de PC a adquirir um joypad de PS2 para conseguir jogar a contento; os movimentos de câmera são confusos e chegam a atrapalhar em alguns momentos, essas coisas. Mas o importante é que o jogo deu uma boa sacudida no gênero, demonstrando que há sim uma nova mídia por aí. E que o futuro pode estar nesta brecha ainda pouco explorada.
Vale a pena prestar atenção à esta evolução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário