Nos últimos anos eu entrei num marasmo musical. Um autêntico onanismo de estilos e bandas. Explico. Sempre fui adorador de música. Em meus tempos de moleque adorava propalar aos quatro ventos o alcance de meu conhecimento dos mais variados estilos. Meus amigos costumavam me testar em bares onde tinham jukeboxes. Eu precisava adivinhar a música logo nos primeiros acordes, ou então tinha que pagar a cerveja. Se acertasse, a minha próxima era de graça. Um tipo de "Qual é a Música" mais boêmio. E eu raramente errava, mesmo depois de tomar várias de graça. Ainda hoje minha esposa e minha filha se surpreendem quando vamos a locais com música ambiente e eu reconheço algumas músicas obscuras que DJs frustrados colocam nas seleções, escondidos entre os inevitáveis Smooth Operator, do Sade (que é o nome da banda, e não da vocalista, como imaginam) e Sowing the Seeds of Love, do Tears for Fears (ou, como gosto de dizer, para deleite de minha filha, "Tias Fofinhas", uma piada jurássica mas renitente).
Acontece que de uns anos para cá eu amarrei um bode preto tão grande para a música que simplesmente não consigo mais ouvir coisas novas. Descobri isso quando comprei um tocador de MP3 para o carro. Comprei um daqueles tubos cheios de mídias virgens, sentei na frente do computador e decidi fazer compilações e discografias das bandas que eu mais ouvia. Gravei apenas 4 CDs. Sério.
Atualmente minha playlist se resume à complexidade absurdamente técnica dos americanos do Dream Theater, ao heavy folk-medieval dos alemães do Blind Guardian (apesar dos últimos álbuns terem de decepcionado um bocado), e à grandiloqüência melodramática dos italianos do Rhapsody (agora renomeado Rhapsody of Fire, bleargh!).
"Ah, você é metaleiro!", você deve pensar, desapontado(a). Já fui, confesso. Metaleiro de butique, cabeludo com camiseta preta de banda, calça jeans rasgada e coturno surrado. Mas hoje, aos 32 anos, fica um pouco ridículo manter esse visual. Só se salvou o cabelo comprido, mas mais por razões estéticas particulares do que efetivamente uma revolta contra o "sistema". Aliás, me ocorre agora que o fato de eu ter virado analista de sistemas não deixa de ser uma ironia divertida. Mas, claro, divago.
O caso é que mesmo sendo um "metaleiro" fanático pelos "dinossauros" como Sabbath, Purple, Hendrix, Maiden, Floyd ou Zeppelin (eu sei, faltou um na lista, mas nunca consegui engolir aqueles quatro "cabeças de tigela" de Liverpool, apesar de respeitar sua influência) eu nunca menosprezei outros estilos musicais. Quero dizer, eu menosprezava músicas ruins, independente do estilo, mas sabia reconhecer qualidades em, por exemplo, composições de pagode e até mesmo (mais raramente) sertanejas. Lembro-me de me emocionar ao assistir uma apresentação de chorinho em meu colégio! Funk carioca, claro, é uma exceção, pois não considero aquilo música. Aliás, nem funk é. Funk para mim é James Brown e George Benson. Aquilo é... Sei lá o que é aquilo! Só não é música! Olha eu me desviando do assunto de novo...
Hoje me pego discutindo com minha filha a respeito disso. Reclamo quando a vejo assistindo clipes da Cristina Aguilera, Pink, Gwen Stefani, Beyoncé e outras porcarias pasteurizadas do gênero. E repito a frase que tanto ouvi em meus tempos de moleque: "Isso aí é tudo a mesma coisa!". E a mesma regra se aplica às bandas brasileiras. Não consigo ouvir dois acordes de CPM22, Jota Quest ou Charlie Brown Jr. sem mudar logo de estação. MPB então, está "uó". Ana Carolina é uma chata. De galochas (imagem divertida!). E ninguém tira da minha cabeça que a Maria Rita não é apenas um cover mal acabado da mãe. Bossa para americano premiar com suas esmolas gramofônicas e colocar em sistemas de som de elevadores.
Posso estar envelhecendo, e também posso estar repetindo um discurso tão quadrado e careta quanto estes adjetivos, mas faz tempo que eu não descubro uma música ou uma banda que me ligue, que me desperte e me faça curtir cada compasso com (me perdoem os mais jovens) Tesão. Com T maiúsculo mesmo. Parece que todos os estilos estão se mesclando e se tornando algo simplesmente sem alma, sem groove. E sinto falta disso.
Música boa me leva às lágrimas. Literalmente. E ultimamente eu tenho chorado apenas com reminiscências do século XX. E são lágrimas de dèja vu. Então ou estou adquirindo um gosto apurado e refinado (a.k.a. "ficando velho"), ou estou ficando chato (a.k.a. "velho ranzinza"). Em qualquer um dos casos, fica um sentimento de orfandade musical. Sou do tempo que se acendiam isqueiros e não celulares nos shows. Dos guitar heroes. Da música como exercício de expressão tanto quanto veículo para diversão. Hoje não. Hoje só temos enlatados. Bits musicais efêmeros e descartáveis, baixados e apagados com a mesma velocidade. Não vemos mais os clássicos-de-berço. A industria fonográfica se transformou em um imenso berçário de natimortos.
Não sei porque, mas me deu vontade de ouvir Ideologia, do Cazuza. Música boa é isso aí. É referência, e não parte do cenário. Tem o que dizer e não tem prazo de validade.
(Este texto foi escrito ao som de Master of Puppets, do Metalica, mas na versão bootleg do Dream Theater)
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