28 outubro 2010

Bukowski e a Ambição


"É verdade que eu não tenho muita ambição, mas deveria haver um lugar para pessoas sem ambição, quero dizer um lugar melhor que o normalmente reservado a elas. Como é que um homem pode curtir ser acordado às 6:30hs pelo alarme de um relógio, pular da cama, se vestir, engolir um café da manhã, mijar, cagar, escovar os dentes e os cabelos e batalhar no trânsito para chegar a um lugar onde essencialmente você faz pilhas de dinheiro para outra pessoa que ainda te pede para ser grato pela oportunidade de fazê-lo?"

25 outubro 2010

De Graham Greene a Donnie Darko ao Coringa

Quero dividir com vocês a descoberta de uma referência em cadeia entre obras distintas. O que The Destructors, de Graham Greene tem a ver com Donnie Darko, filme cult de Richard Kelly e o recente blockbuster O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan?

Primeiro, assistam essa cena de Donnie Darko, onde o protagonista (vivido por Jake Gyllenhaal) e sua professora (Drew Barrymore) analisam, na aula de literatura inglesa, o conto The Destructors, de Graham Greene:

No final do diálogo Donnie dá seu parecer sobre a obra analisada:

"Destruição é uma forma de criação. Dessa forma o fato deles queimarem o dinheiro é irônico. Eles só querem saber o que acontece quando destroem o mundo. Eles querem mudar as coisas."

Como não li tal conto, não sei até que ponto esta análise é precisa, mas reparem como, quase 10 anos depois que o filme foi feito, outro personagem usa a mesma metáfora, de uma forma que é impossível acreditar que seja coincidência:


Sim, ele queima uma pilha de dinheiro, com a intenção clara de mudar as coisas.

Vemos aqui o exemplo claro de uma referência literária sendo usada de duas maneiras, ambas com o intuito de aprofundar o personagem. Donnie Darko, após aquela cena, entra num ciclo destrutivo, impulsionado por uma visão ("Frank"). A cena da análise do livro explica suas motivações. No caso do Coringa, ele possui as mesmas motivações dos personagens de Graham Greene, sem tirar nem por.

Essa sopa de referências cruzadas no ensina muito sobre o processo de criação de um personagem através de reuso de materiais previamente escritos. No caso de Donnie Darko a referência é explícita. Já no caso do Coringa, ela é implícita. Mas em ambos os casos extremamente relevantes.

Isso é dar dimensão a um personagem. Um brinde à Graham Greene, Richard Kelly e Christopher Nolan.

18 outubro 2010

Liberdade


Ela puxou o longo vestido com as mãos enluvadas, evitando sujar a barra e os tafetás na poça imunda do meio fio. Teve que se equilibrar sobre o salto agulha do sapato de impecável pelica, branca como o resto do vestido. Em uma das mãos segurava junto ao peito um buquê de rosas brancas e lírios escolhidos naquela manhã. Com a outra ajeitou na cabeça a tiara presa à longa grinalda que jazia enrolada em seu braço. Toda branca, toda pura, exceto pelas cascatas negras que escorriam por sua face. Evitou todo e cada um dos olhares que se fixavam nela. Sabia ser uma figura antagônica, uma noiva entre malas, lanches, recomendações e agasalhos de moletom. Caminhou resoluta até o guichê e pediu uma passagem. Tirou o dinheiro de uma bolsa não condizente com o resto dos trajes e agradeceu com um suspiro. Portou o bilhete firmemente nas mãos até chegar ao local do embarque. Não havia ônibus algum lá, então ela tirou a tiara e esperou. As cascatas negras voltaram-se para a entrada da rodoviária duas vezes apenas. Uma quando o ônibus finalmente chegou. Outra quando ela entrou, apertando a imensa saia junto ao corpo. Ao passar por um grupo de garotas que aguardavam sua vez de embarcar, abriu a janela e atirou-lhes o buquê, o sorriso desviando as lágrimas.

22 setembro 2010

Entrevista no Perfil Literário da Rádio UNESP FM

Ontem cedi uma entrevista a Oscar D'Ambrosio, do programa Perfil Literário da Rádio UNESP FM (105,7MHz), onde discorri um pouco sobre minha formação, carreira e, claro, sobre meus livros. O áudio na íntegra pode ser ouvido abaixo:



Agradeço ao Oscar pela oportunidade.

16 setembro 2010

A Verdade sobre Namorar um Escritor


(Recebi este link pelo Twitter do amigo Jorge Candeias, onde o autor pega uma lista de 20 motivos para namorar um escritor e faz uma crítica em cima. Achei tão genial que decidi traduzir e colocar aqui. Já peço desculpas antecipadamente ao mesmo Jorge Candeias (que é tradutor de verdade) pela tradução porca)

  1. Escritores irão seduzi-la com palavras. Provavelmente não. Nós escrevemos para nós mesmo ou por dinheiro. E quando terminamos estamos com o saco cheio disso. Se tivermos que escrever alguma coisa para você existe uma grande chance que levará dois dias e ficaremos realmente emburrados durante todo o processo.
  2. Escritores vão escrever sobre você. Você não quer isso. Confie em mim.
  3. Escritores te levam a eventos interessantes. Não. Não fazemos isso. Estamos ocupados demais escrevendo. Não nos perturbe com esse lance de “eventos interessantes.” Conheço uma pessoa que namora uma excelente escritora. Ele sai sozinho. Ela está ocupada escrevendo.
  4. Escritores vão lembrá-la que dinheiro não importa tanto assim. Sim. Faremos isso pegando seu dinheiro emprestado. Constantemente.
  5. Escritores irão dedicar coisas a você. Uma maneira mais fácil de conseguir isso seria se tornar uma agente literária. Desta maneira você vai realmente fazer dinheiro lidando com as neuroses das pessoas.
  6. Escritores irão oferecer a você uma perspectiva interessante das coisas. Sim. Constantemente. Enquanto você estiver tentando assistir TV ou tomando banho. Você terá que ouvir observações o dia todo, somado ao fato que pediremos que você leia as observações que fizemos quando você estava inacessível no trabalho. É quase tão irritante quanto namorar um comediante de stand-up, exceto que se você não considerar nossas observações geniais nós vamos achar você uma idiota ao invés de muito crítica.
  7. Escritores são espertos. No momento que você descobrir que isso não é verdade seu relacionamento com um escritor vai desenvolver um problema sério.
  8. Escritores são passionais. Sobre literatura. Não necessariamente sobre você. Você está escrevendo?
  9. Escritores conseguem pensar além dos sentimentos. Então não comece uma discussão a menos que você esteja pronta para uma muito, mas muito longa explicação a respeito de nosso ponto de vista, nossos sentimentos a respeito de seu ponto de vista e quais cenas de nosso mais recente livro isso tudo nos lembra.
  10. Escritores curtem a solidão. Então cai fora, ok?
  11. Escritores são criativos. É por esta razão que temos motivos tão bons para você nos emprestar $300 e/ou nos deixar em paz, pois estamos escrevendo.
  12. Escritores fazem das tripas coração. Um conselho sério: se você encontrar um escritor que demonstra seus sentimentos, tome cuidado.
  13. Escritores vão ensiná-la novas palavras legais. Isso é provavelmente verdade! Nós também esperaremos que você as lembre, corrigiremos sua gramática e sofreremos depois de ler os bilhetes mundanos que você nos deixou.
  14. Escritores são capazes de ajustar seus horários para você. Escritores são capazes de ajustar seus horários de modo a escrever. Você está escrevendo? Então entre na fila.
  15. Escritores conseguem encontrar 1000 maneiras de dizer porque gostam de você. Lá pela 108ª você terá certeza que estamos inventando-as só por curtição.
  16. Escritores se comunicam em diferentes formas. Mas na maioria escrevendo. Espero que você não goste de falar ao telefone – essa merda é foda!
  17. Escritores podem trabalhar em qualquer lugar. Então é melhor você esquecer aquela bicicleta de dois lugares que queria alugar em suas férias.
  18. Escritores são cercados de pessoas interessantes. Todas elas imaginárias.
  19. Escritores são fáceis de presentear. Isso é verdade. Lembre-se disso quando esquecermos seu aniversário, ok?
  20. Escritores são sexy. Não discuto. Algumas pessoas pensam isso de viciados em heroína também.
Solução alternativa: vai ser mais ou menos como namorar qualquer outra pessoa que gosta de alguma coisa em particular, sabia?

02 setembro 2010

O Problema da Exposição Exagerada de Personagens


– Oi, posso me sentar aqui?
– Fique à vontade. Mas antes que faça qualquer coisa vou logo avisando: fui molestada sexualmente pelo meu tio quando tinha 12 anos, e este evento me traumatizou por toda minha vida, diminuindo minha capacidade de me relacionar afetivamente com alguém.
– Já tinha percebido. Sou PhD em psicologia. Já ganhei diversos prêmios internacionais e escrevi diversos livros sobre o assunto. Eu entendo você e sei como fazer você superar esse trauma. Posso lhe pagar uma bebida?
Você acreditou nessa cena? Forçada, não é? Quem fala assim? Ninguém com um mínimo de bom senso. Pessoas normais são fortalezas cheias de barreiras a ser transpostas antes que consigamos realmente revelar os tesouros escondidos nas catacumbas de suas psiques. Ninguém fala de traumas, expectativas, sentimentos ou outra coisa que considere íntima para qualquer um. Mesmo com conhecidos temos ressalvas, freios morais e outras barreiras. E, quando criamos personagens e os colocamos em uma trama não podemos esquecer de uma coisa: mesmo que os personagens sejam pessoas excepcionais, eles são humanos antes de qualquer coisa.

No desenrolar de uma trama o desenvolvimento dos personagens deve correr paralelo. Sim, a maioria dos personagens já “existia” antes da história a ser contada. Sim, um personagem para ser tridimensional, verossímil, deve carregar uma bagagem, um passado que justifique determinadas ações durante a trama. Mas o grande problema não é esse. O problema é que no afã de mostrar aos leitores o quão tridimensionais são nossos personagens acabamos exagerando em diálogos e recordatórios expositivos, jogando mais informações que o necessário naquele momento da trama e, com isso, sacrificando o ritmo.

Sim, temos a tendência a ser prolixos. Abusamos de descritivos, detalhes irrelevantes e outras bobagens que simplesmente não agregam absolutamente nada ao desenrolar da trama. E com isso torramos a paciência dos leitores, mesmo os mais experientes.

A máxima do “menos é mais” sempre se aplica. Se uma cena pode ser descrita inteiramente em uma frase, não estenda-a a doze parágrafos apenas para mostrar que você sabe escrever. Sentimentos e vidas pregressas à trama devem ser tratadas apenas nos momentos certos, e se for o caso. No exemplo que abre o texto atitudes contariam muito mais que palavras. Um gesto, um olhar, a linguagem corporal, subtextos nas falas, essas coisas, tudo ajuda no desenvolvimento. Às vezes o silêncio pode ser mais eloquente que mil palavras.

Claro, o próximo pecado que cometemos logo que percebemos a falha anterior é partirmos para o total oposto. Exemplificando:
“Ele chegou suavemente e parou a dois metros dela. Vestia uma saia comprida e fora de moda e uma blusa de cetim com gola redonda. Nos cabelos penteados com esmero não sobrava um fio fora do lugar, como se fosse uma peruca de boneca de plástico de camelô. O rosto mostrava uma tristeza maior que a vida, junto com uma raiva que, sua experiência profissional como psiquiatra sabia, só podia ter uma origem: abuso sexual. Decidiu sentar-se ao seu lado. A noite estava ruim mesmo. Sorriu simpaticamente.”
Pronto. Não houve uma linha de diálogo, mas de novo expus demais o que deveria estar diluído. De novo, é o afã de mostrar mais do que o necessário. Sim, nós saberemos que ela foi abusada sexualmente. Sim, descobriremos que ele é PhD em psiquiatria. Sim, sabemos que uma hora ou outra haverá uma tensão sexual entre os dois. O problema é despejar tudo de uma vez no colo do leitor. Deixe-o descobrir aos poucos quem são aqueles personagens. Não abuse de adjetivos e advérbios e metáforas sem propósito. Quem “chega suavemente”? E, caso o contexto esteja correto, o sorriso só pode ser de simpatia.

O segredo é espalhar. Diluir. Crie cenas onde os panos de fundos dos personagens sejam relevantes. Pessoas não saem falando sobre traumas e muitas vezes as primeiras impressões que temos de pessoas estão erradas. Não pule nas conclusões. Teça sua teia, envolva o leitor no mistério de quem é aquela garota e porque ela parece tão triste. Jogue pistas falsas, deixe o leitor investigar junto com o protagonista.

Vamos aplicar isto à cena?
– Oi. Posso me sentar aqui?
– O bar é público.
Era só o que me faltava, pensou. Olhou em volta e não encontrou mais ninguém. Tentou um sorriso. Ela fechou o já pequeno decote com as mãos. Ele conhecia aquele gesto de incontáveis sessões em seu consultório.
– Posso lhe pagar uma bebida? O que você está bebendo?
– Coca com gelo e limão.
Pediu ao garçom uma coca e uma dose de uísque. Ele ia precisar. Ela também.
Pronto. Sem exageros, levando a história com calma, sem ultra exposição desnecessária. Apenas o suficiente para a trama andar. Com calma, no tempo certo, sem atropelamentos. Exagero cria ruído, excesso de informação e uma trama confusa. Se sua intenção não é deixar seus leitores doidos, preste atenção a esses detalhes.

É preciso dizer também que essa não é uma regra. Às vezes um diálogo mais expositivo, devidamente justificado, vem ao caso. Há momentos em que uma pausa para uma reflexão de um personagem pode enriquecer a história. Cada caso é um caso. Mas, nesse caso, é melhor pecar pela falta do que pelo exagero. Guarde cenas grandiosas para momentos grandiosos. Você não irá se arrepender.

25 agosto 2010

O Meme Egoísta*


– Oi.

– Oi. O senhor não me conhece, mas eu sou a Vânia, do 12. Olha, desculpa incomodar...

– Não, tudo bem. Está no intervalo. Pois não?

– Então, o senhor me desculpe, mas eu e minha família estamos tentando jantar e...

– A TV está muito alta?

– Não, nada errado com a TV. Meu marido também está assistindo ao jogo. É que...

– Sim?

– Bom, você sabe, somos uma família tradicional. Não nos agrada jantar ouvindo certos... Ruídos.

– Ruídos? Que ruídos? Estou aqui, sozinho, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo. Tem certeza que foi daqui?

– Sabe, eu entendo que o senhor deve morar sozinho. E quando estamos sozinhos nós ficamos menos... inibidos. Mas acho que tem um certo... limite, entende?

– Não.

– A liberdade termina onde começa a liberdade de outro. Entendo que o senhor queira relaxar e assistir ao jogo. E você tem todo direito de querer isso. Só que nós também temos o direito de jantar em paz e...

– Como é que é?

– … como sou membro do conselho administrativo do condomínio e posso reclamar com o síndico e o senhor pode ser multado...

– Calma aí. Se eu estou sendo acusado de alguma coisa me diga do que é. Que tipo de barulho estamos falando aqui?

– Você sabe do que estou falando.

– Não faço a mínima. Estou aqui deitado no sofá, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo, que aliás já começou, e de repente sou acusado de transtornar a vida de alguém. Ao menos quero saber o que estou fazendo de tão errado que justifique uma multa!

– Seus arrotos.

– Como é?

– O senhor arrota muito alto.

– Meus arrotos?

– É. Eles são muito altos. E longos. E às vezes parece que o senhor se esforça em ser criativo. Às vezes dá pra ouvir até você engasgando e tossindo. Desculpe-me mas é nojento.

– Você quer me multar por causa de meus arrotos?

– Não quero, mas...

– É sério? Não acredito! Me multa. Por favor me multa! E por favor especifique na multa que é porque eu arroto muito alto. Faço questão.

– O senhor está sendo irônico?

– "Sarcástico", mas tudo bem. Não estou. Juro. Pode me multar. Eu não vou parar. Uma das maiores alegrias de se viver sozinho é não precisar controlar suas necessidades básicas por causa de ninguém. Todo mundo arrota. Todo mundo peida. A senhora peida que eu sei. Só que se você peidar no meio da sala sua família vai ficar indignada. Aqui no máximo posso indignar meu gato, mas ele já passa o tempo todo indignado mesmo então não importa. Então se você quer me multar me multe. Sou culpado, admito. Mas por favor escreva na multa o motivo. Escreva que meus arrotos são muito altos.

– Por quê?

– Por quê? Pra colocar na internet, é óbvio. Imaginou? Meus amigos vão pirar! Vão querer vir aqui e conhecer a senhora. Se bobear a história se espalha. Vão xingar muito no Twitter. Quem sabe até conseguimos um TT!

– Um o quê?

– Uma multa de condomínio por causa de arrotos muito altos! Isso é genial! É instigante. É escatológico. Vai ser um hit, com certeza.

– Não estou entendendo o que você está falando.

– Tudo bem. Faz assim: eu fico aqui e continuo arrotando. A senhora liga pro síndico. Se der pede pra ele vir aqui em pessoa pra falar comigo. Monto a webcam em dois minutos aqui perto da porta. Eu filmo tudo. Pra corroborar a imagem da multa. É perfeito, perfeito. E quando forem fazer a multa não esquece: coloca que é por causa de meus arrotos muito altos.

– O senhor é maluco!

– Vamos lá! Não seria legal? Nos trendig topics do Twitter! Imaginou? A senhora não quer ficar famosa?

– Valha-me Deus!

– Isso, vai lá. Chama o síndico. Vou continuar arrotando aqui. Dois minutos eu monto a webcam. Você vai ver. Vamos ser um sucesso. Um SUCESSO. Vai lá. Pode fechar a porta. Isso. Tchau. Ah, vatomanocu, velha desgraçada.


24 agosto 2010

Noite de Autógrafos e Fantasticon


Para aqueles que não conseguiram ou não puderam comparecer no lançamento de meus livros Legado de Bathory, Predadores e Emboscada na Bienal, na próxima sexta, dia 27/8 estarei no Bardo Batata com livros, papo e cerveja. Apareça. É a partir das 19hs e vai até o último leitor.

O Bardo Batata fica na R. Bela Cintra, 1.333. Pertinho do metrô Consolação.

E no sábado estarei aqui, ó:


Sim! Este ano também participarei da FANTASTICON, autografando meus livros e batendo um papo com a galera que prestigiar. Estarei lá no sábado, 28/8, a partir das 16hs, mas haverá a presença de diversos autores. A programação completa você pode ver aqui.

Espero vocês lá!

18 agosto 2010

Turistas do Tempo



O primeiro foi em uma maternidade. “Eu queria me ver nascendo”, disse o rapaz que invadiu a sala de parto. Na delegacia explicou que viera do futuro, que usou uma máquina do tempo e que já tinha viajado por todos os melhores momentos de sua vida. Que havia deixado o nascimento para o final. Mas por que alguém com a capacidade de viajar no tempo viajaria para a própria história, a qual já havia sido testemunha? Por que não voltava, por exemplo, para o nascimento de Cristo então? “Não é assim que funciona”. Arrancou risadas dos policiais que o prenderam. Não aceitaram seu cartão de crédito como documento. Não interessa que tem foto! Senta aí, vagabundo. A notícia foi registrada em uma nota de rodapé nos jornais apenas graças à sua fuga naquela mesma madrugada. Sem arrombamento, sem invasão, sem truques. Nada. Tinha simplesmente sumido.

A investigação da corregedoria mal havia começado quando outros relatos semelhantes surgiram. Reclamações reincidentes de malucos invadindo casas se dizendo versões mais velhas de alguém. Apareciam e desapareciam. Uma epidemia. Surgiam normalmente em aniversários, formaturas, casamentos, primeiros beijos. Sempre muito emocionados. Não incomodavam. Eram apenas testemunhas. Por que não tentavam mudar alguma coisa? Corrigir algum erro, reconquistar um grande amor, evitar um grande prejuízo? “Não é assim que funciona”, respondiam sempre. E como funciona? Sorriam respostas.

Logo o fenômeno foi rotulado. Catalogado. Teorizado. Assimilado. Aguardado. Cada momento especial só estaria completo com uma auto-visita de seu eu-futuro. Ou então não seria tão especial assim. Olha, não vai rolar, tá? É que eu não apareci então acho que isso não tem futuro. Sou eu, não é você, entende? E todos entendiam. E desesperavam. E deprimiam. Quem se matava por não receber uma visita imediatamente se tornava um paradoxo. Não havia voltado no tempo por não ter um simples momento digno de revisitar ou porque se matou antes da tal máquina ter sido inventada? Filósofos se engalfinhavam nos corredores.

Maternidades começaram a reservar lugares nos quartos para auto-visitas. Pais e mães recebiam com abraços os filhos do futuro. Todo momento se tornou um evento, algo a ser lembrado em uma potencial revisitação. O sucesso de cada situação era medido pela presença ou não de algum viajante do tempo. Mas foi um beijo tão bom! Mas está um dia tão lindo! O que está faltando para se tornar realmente memorável? Por que escolhiam um momento em detrimento do outro?

“Não é assim que funciona”.

11 agosto 2010

Adictus Maximus


Foco. Coisa difícil de conseguir hoje em dia. A gente senta na cadeira e abre a janela e, santo deus!, já são janelas. Ou balões, pop-ups e qualquer coisa que pisque, surja, bipe, grite e te fode. Porque o afã de participar da próxima onda, do próximo viral, de não ficar pra trás nessa corrida de inutilidades e picuinhas descartáveis é muito maior que gostaríamos de assumir. Somos movidos a feeds, tweets, SMS, messengers e o escambau. Não ter nada pra ler no Google Reader causa abstinência. Você fica lá, lendo a famigerada frase negritada em sua retina: "A sua lista de leitura não tem itens não lidos". Como assim, Bial? Já li tudo? Refresca a tela. Nada. Olha o Twitter. Nada. Porra, a internet caiu? Tem alguém online?


O mundo está se tornando uma esfinge salafrária. Decifra-me ou não te devoro. E queremos ser devorados. Informação é droga (mesmo quando é boa). Vicia. Nos tornamos consumidores de conteúdo. Mascamos bits e GIFs de gatinhos. Nenhuma criação dura mais que os quinze minutos warholianos. Qualquer notícia fica velha hoje mesmo. Aquela piada que você viu de manhã já venceu antes do almoço. E consumimos mais, queremos mais.

E criamos menos.

Continuamos criando, isso é certo. Não haveria consumo se não houvesse produção. Mas que produção é essa? Lembra-me uma fábrica de mangás. Um pesadelo chapliniano. Nos tornamos tão consumistas que consumimos o inconsumível apenas pois a ausência nos consome. Ou algo assim. Linha de montagem, saca? Não se produz mais para o deleite, mas apenas para aplacar a fome de conteúdo. Qualquer conteúdo. E nesse angu raso de imbecilidades o que realmente interessa vai ficando pra trás. Vai se descuidando e se tornando não irrelevante, mas incompreensível. Pois não está mastigado, não está pré-digerido. Porque tem letrinhas demais. Hoje em dia é mais fácil ficar famoso por ser odiado do que por ser admirado. Valeu, molecada. Sua trollagem conseguiu que todos nos nivelássemos por baixo. Espero que estejam felizes.

Sim, estou frustrado. E precisava produzir algo. Pra fazer minha parte. Consuma, digira e cuspa. De nada.

03 agosto 2010

Capa de Mecanismos Precários

Outro projeto que participei recentemente está prestes a ser lançado. É a coletânea Mecanismos Precários, que será lançada no cabalístico dia 11 de setembro pela Editora Terracota.


É uma empreitada que, diferente das costumeiras coletâneas que vemos por aí, foi resultado de um delicioso trabalho conjunto entre pessoas que, inicialmente professores e alunos do curso de Prática de Criação Literária (organizado pela própria Terracota), se tornam com essa obra colegas de jornada. Aqui se misturam os autores-mestres Nelson de Oliveira, Marcelino Freire, Edson Cruz, Marcelo Maluf, Luís Marra e Cláudio Brites com seus devidos autores-pupilos que perduraram pelo ano e meio que levou o curso, duas vezes por semana, religiosamente. Saravá, reza uma ave-maria, bradaria Marcelino.


Durante o curso aprendemos a enxergar além de nossos umbigos enquanto não apenas escrevíamos, mas líamos, criticávamos e éramos criticados. Tropeços egomaníacos eram limados juntos com advérbios excessivos e descrições exageradas. Potenciais muitas vezes escondidos por timidez saíam do armário aos berros. Cada um manteve sua essência, mas adicionou a ela uma voz, um sentido, uma poesia, uma lista com final surpreendente. O que entrou no livro simboliza essa evolução tão arduamente orquestrada. É um livro que tenho muito orgulho em ver sendo publicado com tamanho cuidado.

Guardem os nome impressos na quarta capa. São a primeira turma do curso. A segunda turma começa essa semana. Daqui um ano e meio será a vez deles. Mal posso esperar.

Assim que tiver informações específicas a respeito do lançamento, já sabem.

27 julho 2010

Capas de Legado de Bathory, Predadores e Emboscada


É isso aí. Acima estão as novas capas de Legado de Bathory, Predadores e Emboscada, que serão lançados pela Tarja Editorial durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Em sua nova casa, tanto o Legado de Bathory quanto Predadores passaram por uma extensa revisão. Já o terceiro, Emboscada, é completamente inédito. Abaixo uma sinopse de cada um:

O Legado de Bathory:
Hungria, 1938. A ameaça de uma nova Grande Guerra paira sobre toda a Europa, que acompanha atenta os primeiros avanços de Hitler. Neste cenário conturbado Yara Ladányi vem do Brasil para o funeral de seu pai, assassinado brutalmente em sua casa em Budapeste. Suspeitando que a morte de seu pai teria motivações misteriosas, ela inicia uma investigação independente, tendo por base um documento antigo enviado a ela por seu pai pouco antes de seu assassinato. Contando com a ajuda de Laszlo Raduczi, professor de História e genealogista, Yara embarca numa trama de conspiração e morte, na qual a dupla é perseguida continuamente por uma figura assustadora. Enquanto isso, desvendam o estranho documento que os leva a uma exploração da história da infame Condessa Elisabeth Bathory.

Predadores:
Dante é um repórter da noite em busca de realização pessoal e profissional. Eva é uma promotora de casa noturna atrás de exposição. Ian é um executivo recém divorciado em crise de meia idade tentando recuperar a juventude perdida. Pessoas comuns com histórias diversas que se entrecruzam no Vrykolakas, uma casa noturna no centro de São Paulo, com perigos ocultos sob as luzes e a badalação enquanto Radu, o enigmático proprietário da casa, testa os limites morais e éticos de cada um para descobrir até que ponto eles estão dispostos a chegar na realização de seus objetivos, em um jogo maquiavélico e macabro em que até os possíveis vencedores terão que abrir mão da própria alma. Uma história atual que mistura vida, ambição e morte, com altas doses de sensualidade, em uma trama com a qual muitos irão se identificar, para o bem ou para o mal. Afinal, quem poupa esforços para realizar nossos maiores desejos?
Emboscada:
Um ano se passou desde os acontecimentos narrados em Predadores quando novas mortes começam a acontecer em São Paulo. Jovens de classe baixa são brutalmente assassinadas, deixando em seu corpo a única assinatura de seu carrasco: gargantas destroçadas a dentadas. O repórter policial Nicolau Masieski é incumbido da investigação dos crimes deste novo assassino em série. Suas pistas o levam a Dante, que talvez seja a única pessoa a saber a verdade sobre os crimes. Mas será que o ex-repórter, agora traumatizado e paranoico, realmente sabe alguma coisa ou está apenas delirando com teorias da conspiração? Contando com a ajuda de Aline, uma pouco ortodoxa promotora do Vrykolakas, eles irão chegar ao limite de sua sanidade de modo a tentar desenlaçar essa teia macabra, cuja figura central é Radu, o misterioso proprietário do Vrykolakas.
Assim que tiver maiores detalhes a respeito de datas de lançamento, noite de autógrafos e tal coloco aqui.

10 maio 2010

Tempo


Com o tempo não se brinca, alguém já deve ter dito por aí. Frequentemente me perguntam (especialmente não-leitores) como arrumo tempo para escrever. Não sei responder. Quando a inspiração vem eu escrevo. Assim, sem olhar para os lados. Escrevo, escrevo, reviso, reescrevo, xingo, escrevo tudo de novo e abandono. Me viro. E com sorte suada vira conto, vira exercício, vira livro. A maioria vira lixo, arquivada num baú virtual para ser garimpada por meus herdeiros. Oxalá (!) consigam angariar alguns trocos com isso.

Mas divago. Tempo não se cria e não se recupera. Tempo não tenho e não preciso. Preciso sim de vergonha na cara. E, tal qual a câmera de um celular pré-pago de promoção, preciso de foco. Só assim conseguirei fazer esse livro que está corroendo meus neurônios sair do papel. Escrever, escrever e escrever. Contos agora só sob encomenda. Ou quando a inspiração for forte demais para ser ignorada. Foco. Imersão. Mergulho de cabeça aberta e olhos fechados.

Adeus sanidade.

06 maio 2010

Bola na Cabeça



Acabo de assistir a eliminação do Corinthians pelo Flamengo na Taça Libertadores da América.

Não sei quantos de vocês sabem disso, mas sou corinthiano. Um péssimo corinthiano, diga-se de passagem. Até curto assistir futebol, sei as regras, acompanho um pouco, mas só. Se ganhou ou perdeu fico feliz ou triste por um instante e em seguida vou cuidar de minha vida. Quem me conhece nem chega a tirar sarro, pois sabe que não ligo a mínima. Pode zoar, pode brincar. Dou risada e pronto. Bola pra frente, para usar uma metáfora coerente.

Mas venho aqui escrever essas linhas apressadas apenas para fazer um pedido: agora que o Corinthians foi eliminado, que tal se o povo PARASSE DE FALAR SÓ DE FUTEBOL O TEMPO INTEIRO E MUDASSE DE ASSUNTO?

Sim, pois pelo meu olhar leigo e desapaixonado por este esporte vejo cada vez mais que o Brasil é um país dividido por duas torcidas: uma a favor e a outra contra o Corinthians. Corinthiano quando ganha é um saco. Berra, faz buzinaço, grita da janela, solta rojão, etc. Mas quando perde quem fica insuportável são TODAS AS OUTRAS TORCIDAS.

Sério, não aguento mais. Fui trabalhar de trem na última terça e ENCHEU O SACO. Povo só fala nisso! Chego no trampo e é figurinha da copa pra cá, libertadores pra lá, paulista, brasileirão, copa do brasil, desafio ao galo, rachão no society e etecéteras correlatos. Daí chegam em casa e ficam assistindo reprise, compacto, mesa redonda, etc. Ligam o videogame e jogam Winning Eleven. Será que não tem outro assunto não? Se metade da energia que o brasileiro gasta com futebol fosse gasta em outro assunto (como política, sociedade, cultura por exemplo) as coisas seriam muito melhores.

Lembrei de um cara que trabalhou comigo e era corinthiano roxo. Um dia em que o Corinthians levou de 5x1 do São Paulo o povo encheu tanto a paciência dele que ele foi pro banheiro pra CHORAR! Cara, homem formado chorando por esse motivo é deprimente. Desculpe, mas não tem paixão que justifique isso. Ainda se fosse por mulher...

Desculpem o desabafo. Não estou censurando nem nada disso. Acho que tiração de sarro é saudável e a maioria de meus amigos é até bem moderada nesse aspecto.Também não tenho nada contra futebol e paixão de torcedor. Só acho que está rolando um exagero generalizado. Não sei se é por se ano de Copa, mas o fato é que eu perdi todo o tesão de assistir a Copa por conta dessa obsessão do brasileiro. Sério. Seleção ganhar ou perder vou continuar tomando Johnny Walker com Activia. Bobear nem assistir eu vou.

Mas estou sofrendo por antecipação. Amanhã no escritório vai ser insuportável. Não diretamente pra mim, pois eles me conhecem pouco e já avisei que não ligo a mínima pra provocação futebolística, mas o papo em volta vai ser SÓ esse. Vai ser foda.

Mas fazer o que?

Vou dormir que eu ganho mais.

12 abril 2010

Colméia


Nós pousa. Mãe sabe. Mãe sentiu impacto quando nós sentiu. Nós sai. Nós engasga. Ar pesado. Muito oxigênio. Nós cai um. Cai dois. Nós volta. Mãe dá bronca. Nós é dispensável. Nós são nós, não é malha. Malha não desfaz com queda de alguns nós. Mãe manda respirar fundo. Nós obedece. Nós cai três, quatro. Mãe manda ficar. Nós fica. Cai cinco, cai dez, cai cem. Nós continua. Mãe manda. Nós fica. Nós não tem medo. Nós sente mudança antes de mãe avisar que nós vai mudar. Nós respira. Nós adapta. Nós sobrevive.

Nós invade.

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Texto escrito durante a oficina "O conto de ficção científica", ministrado por Nelson de Oliveira, e publicado a pedidos.