
Maria sempre foi um doce de pessoa. Linda e simpática, aos quatorze anos foi eleita por unanimidade Rainha da Primavera na escola, título que a levou a ingressar um uma bem sucedida carreira de modelo. Aos dezessete já havia ganhado mais dinheiro com sua estonteante beleza que seus pais durante toda a vida. Desfilou em Milão, Madri e para costureiros consagrados em Paris. Mas mesmo com todo o sucesso conseguiu manter a humildade e a simpatia que a tornaram tão famosa.
Mas a carreira de modelo teve vida curta e, aos 23 anos, arriscou-se no cinema. A nova carreira não lhe rendeu os frutos esperados, mas rendeu um casamento com um diretor de Hollywood, numa daquelas histórias típicas de contos de fadas. Casaram-se após um curto namoro, tamanha a intensidade da paixão que sentiam. Mudaram-se para uma portentosa mansão em Beverly Hills, onde conseguiam ficar longe da atenção exagerada dos paparazzi. Maria vivia um sonho encantado.
Mas certo dia a filha do primeiro casamento de seu marido foi expulsa do colégio interno que frequentava e então mudou-se para a casa de Maria, que se esforçou ao máximo para recebê-la bem. Surpreendeu-se com a beleza da menina, com seus cabelos negros como ébano, seu lábio vermelho como sangue e, sobretudo, com a pele, branca como a neve. Enxergou na menina um pouco de si própria. Numa conversa com o marido, pediu permissão para iniciá-la na vida de modelo.
Mal sabia ela que aquele seria o princípio de seu fim.
A menina, apesar de bela como uma antiga boneca de porcelana por fora, possuía um estofo repleto de maldade e de rebeldia adolescente. Por mais que a pobre Maria tentasse, não conseguia domar a jovem fera. Era frequentemente desrespeitada em público, vítima de birras, xiliques e de brincadeiras cruéis por parte da enteada. Mas tudo sempre longe das vistas do pai, que sempre a descrevia como um anjo sem asas que havia aterrisado em suas vidas. Maria evitou ao máximo contar sobre suas agruras para o marido, temendo ser mal compreendida. Ao invés disso tomou para si a missão de fazer a garota amá-la verdadeiramente.
Durante as produção de seu novo filme, o marido de Maria se ausentou, deixando-as sozinhas na casa. Maria viu nisso uma oportunidade para se relacionar com a enteada. Tentou ao máximo compreender o estranho gosto musical da menina, as manias e trejeitos. Tudo em vão. Quanto mais Maria se esforçava em busca do afeto da enteada, mais elas se afastavam.
Um dia a garota disse que gostaria de fazer compras na cidade. Maria se ofereceu para acompanhá-la, mas ela obviamente recusou. Como era menor de idade, não convinha deixá-la ir sozinha. Pediu que seu motorista, o fiel Hunter, a acompanhasse. Inquirida pelo motorista se haveria alguma ordem ou disciplina a ser seguida, ela respondeu com a sinceridade da maternidade frustrada: “Faça tudo o que ela pedir. Tudo o que desejo dela é seu coração”.
No final da tarde Hunter retornou. Sem a garota. Disse que ela o havia enganado e fugiu na multidão. Passou a tarde procurando-a, em vão. Em pânico Maria decidiu não alertar as autoridades, com medo que o escândalo na mídia assustasse o pai, que estava longe demais para ajudar. Ao invés disso ordenou que Hunter a procurasse onde quer que fosse. Conseguiram, após dias de buscas, descobrir que a garota havia fugido para um apartamento no bairro latino. Por alguma razão desconhecida ela havia se infiltrado numa incomum gangue de anões intitulados “
The Diamond Diggers”.
De posse do endereço, Maria sabia que de nada adiantaria ela aparecer lá e simplesmente resgatá-la. A rebelde garota não voltaria para casa de livre e espontânea vontade. Com isso em mente ligou para sua maquiadora e pediu a ela que a disfarçasse o máximo possível. A maquiadora levou horas, mas conseguiu transformá-la numa autêntica velha. Também embebeu uma maçã, a fruta preferida da menina, em calmantes. Com ela entorpecida seria mais fácil trazê-la de volta para casa, onde poderiam lidar melhor com a crise familiar sem a interferência de estranhos. De posse da suculenta maçã e completamente irreconhecível com a maquiagem de velha, partiu em direção ao apartamento dos anões.
Foram necessárias algumas horas de vigília até que eles tivessem certeza que a garota estaria sozinha no apartamento. Quando o último dos anões saiu ela se dirigiu até a porta e tocou a campainha. Seu estômago se revirou quando viu a moça pelo vão da porta. “Quem é você?”, perguntou ela, petulante. “Sou a vizinha do andar de baixo”, respondeu Maria com o texto previamente planejado. “Percebi que você se mudou recentemente e é um costume do condomínio recepcionar novos moradores com um gesto de boas vindas”. “Que gesto?”, perguntou a garota, desconfiada. Maria estendeu a lustrosa maçã. A garota, com um ar enfastiado, pegou a fruta e mordeu, sem ao menos agradecer. Maria ficou observando quando a garota engasgou com o naco mordido e começou a se estrebuchar em pânico. Desesperada, Maria tentou ajudar, mas a garota caiu no chão, ainda se debatendo. Em pouco tempo desmaiou, incapaz de respirar. Maria sacou o celular e ligou para emergência. A ambulância chegou em poucos minutos. Viu quando a enteada foi atendida por um jovem e bonito paramédico, que conseguiu retirar o pedaço de maçã de sua garganta e a ressucitou com uma respiração boca a boca.
Neste meio tempo os anões retornaram e, não reconhecendo aquela velha estranha como vizinha ou como a madrasta de sua protegida, perseguiram-na. Maria tentou fugir, mas em seu desespero para chegar ao carro atravessou a rua sem olhar para os lados, sendo atropelada em cheio por um ônibus que passava.
No final das contas a garota acabou se envolvendo com o paramédico que salvara sua vida e nunca mais voltou para casa. Já a pobre Maria, incapaz de se defender das inevitáveis fofocas dos tablóides sensacionalistas, ficou para sempre conhecida como a cruel e invejosa madrasta que havia morrido logo após tentar sufocar a bela enteada.
Pobre Maria.