– Oi.
– Oi. O senhor não me conhece, mas eu sou a Vânia, do 12. Olha, desculpa incomodar...
– Não, tudo bem. Está no intervalo. Pois não?
– Então, o senhor me desculpe, mas eu e minha família estamos tentando jantar e...
– A TV está muito alta?
– Não, nada errado com a TV. Meu marido também está assistindo ao jogo. É que...
– Sim?
– Bom, você sabe, somos uma família tradicional. Não nos agrada jantar ouvindo certos... Ruídos.
– Ruídos? Que ruídos? Estou aqui, sozinho, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo. Tem certeza que foi daqui?
– Sabe, eu entendo que o senhor deve morar sozinho. E quando estamos sozinhos nós ficamos menos... inibidos. Mas acho que tem um certo... limite, entende?
– Não.
– A liberdade termina onde começa a liberdade de outro. Entendo que o senhor queira relaxar e assistir ao jogo. E você tem todo direito de querer isso. Só que nós também temos o direito de jantar em paz e...
– Como é que é?
– … como sou membro do conselho administrativo do condomínio e posso reclamar com o síndico e o senhor pode ser multado...
– Calma aí. Se eu estou sendo acusado de alguma coisa me diga do que é. Que tipo de barulho estamos falando aqui?
– Você sabe do que estou falando.
– Não faço a mínima. Estou aqui deitado no sofá, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo, que aliás já começou, e de repente sou acusado de transtornar a vida de alguém. Ao menos quero saber o que estou fazendo de tão errado que justifique uma multa!
– Seus arrotos.
– Como é?
– O senhor arrota muito alto.
– Meus arrotos?
– É. Eles são muito altos. E longos. E às vezes parece que o senhor se esforça em ser criativo. Às vezes dá pra ouvir até você engasgando e tossindo. Desculpe-me mas é nojento.
– Você quer me multar por causa de meus arrotos?
– Não quero, mas...
– É sério? Não acredito! Me multa. Por favor me multa! E por favor especifique na multa que é porque eu arroto muito alto. Faço questão.
– O senhor está sendo irônico?
– "Sarcástico", mas tudo bem. Não estou. Juro. Pode me multar. Eu não vou parar. Uma das maiores alegrias de se viver sozinho é não precisar controlar suas necessidades básicas por causa de ninguém. Todo mundo arrota. Todo mundo peida. A senhora peida que eu sei. Só que se você peidar no meio da sala sua família vai ficar indignada. Aqui no máximo posso indignar meu gato, mas ele já passa o tempo todo indignado mesmo então não importa. Então se você quer me multar me multe. Sou culpado, admito. Mas por favor escreva na multa o motivo. Escreva que meus arrotos são muito altos.
– Por quê?
– Por quê? Pra colocar na internet, é óbvio. Imaginou? Meus amigos vão pirar! Vão querer vir aqui e conhecer a senhora. Se bobear a história se espalha. Vão xingar muito no Twitter. Quem sabe até conseguimos um TT!
– Um o quê?
– Uma multa de condomínio por causa de arrotos muito altos! Isso é genial! É instigante. É escatológico. Vai ser um hit, com certeza.
– Não estou entendendo o que você está falando.
– Tudo bem. Faz assim: eu fico aqui e continuo arrotando. A senhora liga pro síndico. Se der pede pra ele vir aqui em pessoa pra falar comigo. Monto a webcam em dois minutos aqui perto da porta. Eu filmo tudo. Pra corroborar a imagem da multa. É perfeito, perfeito. E quando forem fazer a multa não esquece: coloca que é por causa de meus arrotos muito altos.
– O senhor é maluco!
– Vamos lá! Não seria legal? Nos trendig topics do Twitter! Imaginou? A senhora não quer ficar famosa?
– Valha-me Deus!
– Isso, vai lá. Chama o síndico. Vou continuar arrotando aqui. Dois minutos eu monto a webcam. Você vai ver. Vamos ser um sucesso. Um SUCESSO. Vai lá. Pode fechar a porta. Isso. Tchau. Ah, vatomanocu, velha desgraçada.
–