25 agosto 2010

O Meme Egoísta*


– Oi.

– Oi. O senhor não me conhece, mas eu sou a Vânia, do 12. Olha, desculpa incomodar...

– Não, tudo bem. Está no intervalo. Pois não?

– Então, o senhor me desculpe, mas eu e minha família estamos tentando jantar e...

– A TV está muito alta?

– Não, nada errado com a TV. Meu marido também está assistindo ao jogo. É que...

– Sim?

– Bom, você sabe, somos uma família tradicional. Não nos agrada jantar ouvindo certos... Ruídos.

– Ruídos? Que ruídos? Estou aqui, sozinho, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo. Tem certeza que foi daqui?

– Sabe, eu entendo que o senhor deve morar sozinho. E quando estamos sozinhos nós ficamos menos... inibidos. Mas acho que tem um certo... limite, entende?

– Não.

– A liberdade termina onde começa a liberdade de outro. Entendo que o senhor queira relaxar e assistir ao jogo. E você tem todo direito de querer isso. Só que nós também temos o direito de jantar em paz e...

– Como é que é?

– … como sou membro do conselho administrativo do condomínio e posso reclamar com o síndico e o senhor pode ser multado...

– Calma aí. Se eu estou sendo acusado de alguma coisa me diga do que é. Que tipo de barulho estamos falando aqui?

– Você sabe do que estou falando.

– Não faço a mínima. Estou aqui deitado no sofá, tomando uma cerveja, assistindo ao jogo, que aliás já começou, e de repente sou acusado de transtornar a vida de alguém. Ao menos quero saber o que estou fazendo de tão errado que justifique uma multa!

– Seus arrotos.

– Como é?

– O senhor arrota muito alto.

– Meus arrotos?

– É. Eles são muito altos. E longos. E às vezes parece que o senhor se esforça em ser criativo. Às vezes dá pra ouvir até você engasgando e tossindo. Desculpe-me mas é nojento.

– Você quer me multar por causa de meus arrotos?

– Não quero, mas...

– É sério? Não acredito! Me multa. Por favor me multa! E por favor especifique na multa que é porque eu arroto muito alto. Faço questão.

– O senhor está sendo irônico?

– "Sarcástico", mas tudo bem. Não estou. Juro. Pode me multar. Eu não vou parar. Uma das maiores alegrias de se viver sozinho é não precisar controlar suas necessidades básicas por causa de ninguém. Todo mundo arrota. Todo mundo peida. A senhora peida que eu sei. Só que se você peidar no meio da sala sua família vai ficar indignada. Aqui no máximo posso indignar meu gato, mas ele já passa o tempo todo indignado mesmo então não importa. Então se você quer me multar me multe. Sou culpado, admito. Mas por favor escreva na multa o motivo. Escreva que meus arrotos são muito altos.

– Por quê?

– Por quê? Pra colocar na internet, é óbvio. Imaginou? Meus amigos vão pirar! Vão querer vir aqui e conhecer a senhora. Se bobear a história se espalha. Vão xingar muito no Twitter. Quem sabe até conseguimos um TT!

– Um o quê?

– Uma multa de condomínio por causa de arrotos muito altos! Isso é genial! É instigante. É escatológico. Vai ser um hit, com certeza.

– Não estou entendendo o que você está falando.

– Tudo bem. Faz assim: eu fico aqui e continuo arrotando. A senhora liga pro síndico. Se der pede pra ele vir aqui em pessoa pra falar comigo. Monto a webcam em dois minutos aqui perto da porta. Eu filmo tudo. Pra corroborar a imagem da multa. É perfeito, perfeito. E quando forem fazer a multa não esquece: coloca que é por causa de meus arrotos muito altos.

– O senhor é maluco!

– Vamos lá! Não seria legal? Nos trendig topics do Twitter! Imaginou? A senhora não quer ficar famosa?

– Valha-me Deus!

– Isso, vai lá. Chama o síndico. Vou continuar arrotando aqui. Dois minutos eu monto a webcam. Você vai ver. Vamos ser um sucesso. Um SUCESSO. Vai lá. Pode fechar a porta. Isso. Tchau. Ah, vatomanocu, velha desgraçada.


24 agosto 2010

Noite de Autógrafos e Fantasticon


Para aqueles que não conseguiram ou não puderam comparecer no lançamento de meus livros Legado de Bathory, Predadores e Emboscada na Bienal, na próxima sexta, dia 27/8 estarei no Bardo Batata com livros, papo e cerveja. Apareça. É a partir das 19hs e vai até o último leitor.

O Bardo Batata fica na R. Bela Cintra, 1.333. Pertinho do metrô Consolação.

E no sábado estarei aqui, ó:


Sim! Este ano também participarei da FANTASTICON, autografando meus livros e batendo um papo com a galera que prestigiar. Estarei lá no sábado, 28/8, a partir das 16hs, mas haverá a presença de diversos autores. A programação completa você pode ver aqui.

Espero vocês lá!

18 agosto 2010

Turistas do Tempo



O primeiro foi em uma maternidade. “Eu queria me ver nascendo”, disse o rapaz que invadiu a sala de parto. Na delegacia explicou que viera do futuro, que usou uma máquina do tempo e que já tinha viajado por todos os melhores momentos de sua vida. Que havia deixado o nascimento para o final. Mas por que alguém com a capacidade de viajar no tempo viajaria para a própria história, a qual já havia sido testemunha? Por que não voltava, por exemplo, para o nascimento de Cristo então? “Não é assim que funciona”. Arrancou risadas dos policiais que o prenderam. Não aceitaram seu cartão de crédito como documento. Não interessa que tem foto! Senta aí, vagabundo. A notícia foi registrada em uma nota de rodapé nos jornais apenas graças à sua fuga naquela mesma madrugada. Sem arrombamento, sem invasão, sem truques. Nada. Tinha simplesmente sumido.

A investigação da corregedoria mal havia começado quando outros relatos semelhantes surgiram. Reclamações reincidentes de malucos invadindo casas se dizendo versões mais velhas de alguém. Apareciam e desapareciam. Uma epidemia. Surgiam normalmente em aniversários, formaturas, casamentos, primeiros beijos. Sempre muito emocionados. Não incomodavam. Eram apenas testemunhas. Por que não tentavam mudar alguma coisa? Corrigir algum erro, reconquistar um grande amor, evitar um grande prejuízo? “Não é assim que funciona”, respondiam sempre. E como funciona? Sorriam respostas.

Logo o fenômeno foi rotulado. Catalogado. Teorizado. Assimilado. Aguardado. Cada momento especial só estaria completo com uma auto-visita de seu eu-futuro. Ou então não seria tão especial assim. Olha, não vai rolar, tá? É que eu não apareci então acho que isso não tem futuro. Sou eu, não é você, entende? E todos entendiam. E desesperavam. E deprimiam. Quem se matava por não receber uma visita imediatamente se tornava um paradoxo. Não havia voltado no tempo por não ter um simples momento digno de revisitar ou porque se matou antes da tal máquina ter sido inventada? Filósofos se engalfinhavam nos corredores.

Maternidades começaram a reservar lugares nos quartos para auto-visitas. Pais e mães recebiam com abraços os filhos do futuro. Todo momento se tornou um evento, algo a ser lembrado em uma potencial revisitação. O sucesso de cada situação era medido pela presença ou não de algum viajante do tempo. Mas foi um beijo tão bom! Mas está um dia tão lindo! O que está faltando para se tornar realmente memorável? Por que escolhiam um momento em detrimento do outro?

“Não é assim que funciona”.

11 agosto 2010

Adictus Maximus


Foco. Coisa difícil de conseguir hoje em dia. A gente senta na cadeira e abre a janela e, santo deus!, já são janelas. Ou balões, pop-ups e qualquer coisa que pisque, surja, bipe, grite e te fode. Porque o afã de participar da próxima onda, do próximo viral, de não ficar pra trás nessa corrida de inutilidades e picuinhas descartáveis é muito maior que gostaríamos de assumir. Somos movidos a feeds, tweets, SMS, messengers e o escambau. Não ter nada pra ler no Google Reader causa abstinência. Você fica lá, lendo a famigerada frase negritada em sua retina: "A sua lista de leitura não tem itens não lidos". Como assim, Bial? Já li tudo? Refresca a tela. Nada. Olha o Twitter. Nada. Porra, a internet caiu? Tem alguém online?


O mundo está se tornando uma esfinge salafrária. Decifra-me ou não te devoro. E queremos ser devorados. Informação é droga (mesmo quando é boa). Vicia. Nos tornamos consumidores de conteúdo. Mascamos bits e GIFs de gatinhos. Nenhuma criação dura mais que os quinze minutos warholianos. Qualquer notícia fica velha hoje mesmo. Aquela piada que você viu de manhã já venceu antes do almoço. E consumimos mais, queremos mais.

E criamos menos.

Continuamos criando, isso é certo. Não haveria consumo se não houvesse produção. Mas que produção é essa? Lembra-me uma fábrica de mangás. Um pesadelo chapliniano. Nos tornamos tão consumistas que consumimos o inconsumível apenas pois a ausência nos consome. Ou algo assim. Linha de montagem, saca? Não se produz mais para o deleite, mas apenas para aplacar a fome de conteúdo. Qualquer conteúdo. E nesse angu raso de imbecilidades o que realmente interessa vai ficando pra trás. Vai se descuidando e se tornando não irrelevante, mas incompreensível. Pois não está mastigado, não está pré-digerido. Porque tem letrinhas demais. Hoje em dia é mais fácil ficar famoso por ser odiado do que por ser admirado. Valeu, molecada. Sua trollagem conseguiu que todos nos nivelássemos por baixo. Espero que estejam felizes.

Sim, estou frustrado. E precisava produzir algo. Pra fazer minha parte. Consuma, digira e cuspa. De nada.

03 agosto 2010

Capa de Mecanismos Precários

Outro projeto que participei recentemente está prestes a ser lançado. É a coletânea Mecanismos Precários, que será lançada no cabalístico dia 11 de setembro pela Editora Terracota.


É uma empreitada que, diferente das costumeiras coletâneas que vemos por aí, foi resultado de um delicioso trabalho conjunto entre pessoas que, inicialmente professores e alunos do curso de Prática de Criação Literária (organizado pela própria Terracota), se tornam com essa obra colegas de jornada. Aqui se misturam os autores-mestres Nelson de Oliveira, Marcelino Freire, Edson Cruz, Marcelo Maluf, Luís Marra e Cláudio Brites com seus devidos autores-pupilos que perduraram pelo ano e meio que levou o curso, duas vezes por semana, religiosamente. Saravá, reza uma ave-maria, bradaria Marcelino.


Durante o curso aprendemos a enxergar além de nossos umbigos enquanto não apenas escrevíamos, mas líamos, criticávamos e éramos criticados. Tropeços egomaníacos eram limados juntos com advérbios excessivos e descrições exageradas. Potenciais muitas vezes escondidos por timidez saíam do armário aos berros. Cada um manteve sua essência, mas adicionou a ela uma voz, um sentido, uma poesia, uma lista com final surpreendente. O que entrou no livro simboliza essa evolução tão arduamente orquestrada. É um livro que tenho muito orgulho em ver sendo publicado com tamanho cuidado.

Guardem os nome impressos na quarta capa. São a primeira turma do curso. A segunda turma começa essa semana. Daqui um ano e meio será a vez deles. Mal posso esperar.

Assim que tiver informações específicas a respeito do lançamento, já sabem.