Desta vez não será analisada apenas
uma obra, mas três noveletas de ficção científica do escritor Antonio Luiz M. C. Costa publicadas exclusivamente em e-book pela
Editora Draco.
Estas noveletas têm em comum se passarem em um mesmo
universo ficcional, e também por referenciarem livros clássicos de
literatura fantástica, seja nos títulos, formatos ou mesmo na temática. Sem
mais delongas, vamos a elas.
Título: Os Carangonços de Riobaldo
Autor: Antonio Luiz M. C. CostaPáginas: 480 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012
Nesta primeira novela o autor presta homenagem ao clássico
brasileiro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, não apenas com
referências de nomes dentro da própria história, mas também no formato narrativo. Da
mesma maneira que na obra homenageada, aqui temos o testemunho de Tiago,
militante da Solidariedade Galáctica alocado no planeta Riobaldo, que orbita a estrela
Veredas, para um documentarista do Canal Descobrimento, sobre o primeiro
encontro com as criaturas denominadas “carangonços”.
A estrutura narrativa segue o padrão criado por Guimarães
Rosa: Tiago fala com um dialeto que mistura um sertanejo mineiro rústico com
o de um técnico em expedições planetárias, o que por vezes gera um
estranhamento, mas nada que atrapalhe a leitura. Tiago conta sobre o dia em que recebeu a notícia que chegaria a
Riobaldo sua antiga namorada da Terra, Isabel, e decide tirar alguns dias de
folga para tentar resolver as pendências deste relacionamento. No
caminho encontra Aisha, uma amiga com quem tem um caso não definido, e passam a noite juntos. No dia seguinte ambos são convocados para uma missão de
resgate de um grupo de biólogos que foram sequestrados por criaturas não
catalogadas. Entre os biólogos está a antiga namorada de Tiago, Isabel. No processo de
resgate eles descobrem que as criaturas, nomeadas pejorativamente pelo narrador como
“carangonços”, possuem inteligência e auto-consciência, além de uma estrutura de sociedade primitiva, o que pode colocar em
xeque a colonização do planeta, pois vai de encontro com as normas de
terraformação vigentes.
A história é bastante criativa e o universo criado é coeso e interessante. Detalhes técnicos, que vão desde a maneira que os
veículos navegam até como as roupas se comportam (!), são explicados de forma
didática. A trama, apesar de simples e direta, tem implicações claras, que
dariam margem a uma história mais longa. É uma pena que, pela brevidade do
texto, personagens como Aisha e Isabel não tenham espaço para crescimento. A
história termina de maneira apressada, com uma resolução satisfatória demais
para todos os envolvidos, dadas as implicações que a descoberta dos carangonços
poderia trazer.
Nota:
Título: O Xenólogo de Sirius
Autor: Antonio Luiz M. C. CostaPáginas: 1186 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012
A obra referenciada aqui é “Micrômegas”, de Voltaire,
lançada em 1752. Narrado em terceira pessoa, a
história acompanha o hermafrodita siriano 4138-383C-463E-A434 (todos os nomes
sirianos são cadeias de caracteres hexadecimais), um xenólogo que estuda a
evolução da espécie humana na Terra desde o surgimento das primeiras sociedades
primitivas. Quando os humanos atingem o estado tecnológico e evolucionário
suficiente para que possam ser aceitos dentro da Solidariedade Galáctica, o
xenólogo tem a oportunidade de embarcar em uma nave terrígena para aprofundar
seus estudos. Durante a viagem ele se envolve com a humana Luli, através de
simulações em espaço virtual, onde ambos compartilham sensações e pensamentos íntimos de suas raças.
Neste texto há um cuidado maior na formação dos personagens.
A estrutura episódica, com o foco narrativo em Micrômegas (como o siriano foi
apelidado pelos humanos, em referência explícita) facilita a compreensão do
ponto de vista alienígena com a troca de experiências entre as raças. Da mesma
forma, somos capazes de simpatizar com a humana Luli e seus dramas existenciais.
Novamente o ponto alto da história é a criatividade com que
o autor cria a biologia alienígena, bem como as estruturas funcionais de uma
sociedade avançada, abusando de nanotecnologias e traquitanas inventivas. Um ponto interessantíssimo foi
a maneira como os humanos “superaram” a morte, e o conceito de “união” de
indivíduos para perpetuação da espécie sem a preocupação com a explosão demográfica. Outro ponto importante foi a maneira como o autor lidou com um
tema espinhoso: o sexo inter-racial (uma humana com um alienígena hermafrodita).
A utilização de simulações em espaço virtual foi uma solução elegante não
apenas para este problema, mas também para que possamos compreender o drama que
advém dessa prática quando os personagens se encontram no “mundo real”. Até a antagonista, a inteligência artificial que comanda a nave, Hwantla, é
interessante, mesmo seguindo ao pé da letra a cartilha de HAL-9000 (de 2001 –Uma Odisséia no Espaço).
Pecando apenas na conclusão, novamente apressada e entulhada
de soluções rápidas, satisfatórias para os personagens, mas frustrantes ao
leitor, “O Xenólogo de Sirius” é uma história
intrigante o suficiente para merecer mais algumas páginas. Ou mesmo um romance
mais extenso.
Nota:
Título: Eram @s Deus@s Crononautas
Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 585 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012
Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 585 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012
Após um defeito em um veículo de transporte interplanetário,
Naji, um blimundano hermafrodita, e Yavi, um humano evoluído (Homo Novus) são enviados para a Terra
pré-histórica, em uma vila ubaidiana de proto-humanos na Mesopotâmia. Incapazes de retornar a seu próprio tempo, eles acabam se
incorporando àquela sociedade ancestral, compartilhando seus conhecimentos e sendo
venerados como deuses.
A referência aqui é clara desde o título, parodiando o
clássico pseudo-científico “Eram os Deuses Astronautas?”, de Erich Von Däniken.
Este talvez seja o maior problema deste texto, visto que já sabemos seu
desfecho assim que os protagonistas são enviados em sua viagem no tempo. Mas,
superado isso, o texto consegue se sustentar, fugindo do maniqueísmo. O foco
narrativo está na alienígena reptiliana, Naji, e em seu choque cultural por ser a
única de sua espécie em um planeta primitivo. Já Yavi age quase como um robô,
tomando decisões extremamente lógicas e tendo um conhecimento quase infinito, o
que o torna um personagem pouco interessante, diferente de Naji, que reage às
situações que a trama apresenta de maneira coerente e divertida. O momento em
que ela “perde as estribeiras” é o ponto alto do texto, pecando apenas por ser
tão curto e com uma solução muito fácil.
Da mesma maneira que “O Xenólogo de Sirius”, aqui também
temos uma cena de sexo inter-racial. Mas diferente do outro texto, aqui sobra
estranheza na descrição do ato, que soa forçado e fora do tom. E, de novo,
temos uma resolução rápida demais e conveniente demais, diluindo o impacto que
uma viagem no tempo como essa possa ter nos personagens e até mesmo no tecido da realidade.
Nota:
Em resumo, são histórias muito bem escritas, com uma fluência excelente e com grande
inventividade na construção, especialmente no que diz respeito à biologia
alienígena e nas tecnologias utilizadas, sempre coerentes e bem explicadas. Os
protagonistas estão bem construídos, mas os personagens secundários mereciam um
pouco mais de cuidado. As tramas, apesar de simples e diretas, são instigantes e convidam ao questionamento. Não é uma leitura recomendada para leitores pouco
habituados à ficção científica, mas os leitores do gênero com certeza se
divertirão com as tramas e as referências pinceladas aqui e ali.
P.S.: Nas três histórias há personagens hermafroditas (em
duas delas são os protagonistas) e, devido a inexistência de uma grafia
específica para este “terceiro gênero”, Antonio optou por utilizar o ‘@’ como
caractere definidor de ambiguidade. Esta solução distrai o
leitor e torna a leitura truncada (“El@” é “Ele”, “Ela”, “Elo”? Como se
pronuncia? Elea? Elae? El-arroba? El-at?). Concordo que é preciso encontrar
uma alternativa. Só não acho que ainda seja essa.
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