24 abril 2014

RESENHA: “Os Carangonços de Riobaldo”, “O Xenólogo de Sirius” e “Eram @s Deus@s Crononautas” de Antonio Luiz M. C. Costa

Desta vez não será analisada apenas uma obra, mas três noveletas de ficção científica do escritor Antonio Luiz M. C. Costa publicadas exclusivamente em e-book pela Editora Draco.

Estas noveletas têm em comum se passarem em um mesmo universo ficcional, e também por referenciarem livros clássicos de literatura fantástica, seja nos títulos, formatos ou mesmo na temática. Sem mais delongas, vamos a elas.

Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 480 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

Nesta primeira novela o autor presta homenagem ao clássico brasileiro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, não apenas com referências de nomes dentro da própria história, mas também no formato narrativo. Da mesma maneira que na obra homenageada, aqui temos o testemunho de Tiago, militante da Solidariedade Galáctica alocado no planeta Riobaldo, que orbita a estrela Veredas, para um documentarista do Canal Descobrimento, sobre o primeiro encontro com as criaturas denominadas “carangonços”.

A estrutura narrativa segue o padrão criado por Guimarães Rosa: Tiago fala com um dialeto que mistura um sertanejo mineiro rústico com o de um técnico em expedições planetárias, o que por vezes gera um estranhamento, mas nada que atrapalhe a leitura. Tiago conta sobre o dia em que recebeu a notícia que chegaria a Riobaldo sua antiga namorada da Terra, Isabel, e decide tirar alguns dias de folga para tentar resolver as pendências deste relacionamento. No caminho encontra Aisha, uma amiga com quem tem um caso não definido, e passam a noite juntos. No dia seguinte ambos são convocados para uma missão de resgate de um grupo de biólogos que foram sequestrados por criaturas não catalogadas. Entre os biólogos está a antiga namorada de Tiago, Isabel. No processo de resgate eles descobrem que as criaturas, nomeadas pejorativamente pelo narrador como “carangonços”, possuem inteligência e auto-consciência, além de uma estrutura de sociedade primitiva, o que pode colocar em xeque a colonização do planeta, pois vai de encontro com as normas de terraformação vigentes.

A história é bastante criativa e o universo criado é coeso e interessante. Detalhes técnicos, que vão desde a maneira que os veículos navegam até como as roupas se comportam (!), são explicados de forma didática. A trama, apesar de simples e direta, tem implicações claras, que dariam margem a uma história mais longa. É uma pena que, pela brevidade do texto, personagens como Aisha e Isabel não tenham espaço para crescimento. A história termina de maneira apressada, com uma resolução satisfatória demais para todos os envolvidos, dadas as implicações que a descoberta dos carangonços poderia trazer.

Nota: 




Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 1186 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

A obra referenciada aqui é “Micrômegas”, de Voltaire, lançada em 1752. Narrado em terceira pessoa, a história acompanha o hermafrodita siriano 4138-383C-463E-A434 (todos os nomes sirianos são cadeias de caracteres hexadecimais), um xenólogo que estuda a evolução da espécie humana na Terra desde o surgimento das primeiras sociedades primitivas. Quando os humanos atingem o estado tecnológico e evolucionário suficiente para que possam ser aceitos dentro da Solidariedade Galáctica, o xenólogo tem a oportunidade de embarcar em uma nave terrígena para aprofundar seus estudos. Durante a viagem ele se envolve com a humana Luli, através de simulações em espaço virtual, onde ambos compartilham sensações e pensamentos íntimos de suas raças.

Neste texto há um cuidado maior na formação dos personagens. A estrutura episódica, com o foco narrativo em Micrômegas (como o siriano foi apelidado pelos humanos, em referência explícita) facilita a compreensão do ponto de vista alienígena com a troca de experiências entre as raças. Da mesma forma, somos capazes de simpatizar com a humana Luli e seus dramas existenciais.

Novamente o ponto alto da história é a criatividade com que o autor cria a biologia alienígena, bem como as estruturas funcionais de uma sociedade avançada, abusando de nanotecnologias e traquitanas inventivas. Um ponto interessantíssimo foi a maneira como os humanos “superaram” a morte, e o conceito de “união” de indivíduos para perpetuação da espécie sem a preocupação com a explosão demográfica. Outro ponto importante foi a maneira como o autor lidou com um tema espinhoso: o sexo inter-racial (uma humana com um alienígena hermafrodita). A utilização de simulações em espaço virtual foi uma solução elegante não apenas para este problema, mas também para que possamos compreender o drama que advém dessa prática quando os personagens se encontram no “mundo real”. Até a antagonista, a inteligência artificial que comanda a nave, Hwantla, é interessante, mesmo seguindo ao pé da letra a cartilha de HAL-9000 (de 2001 –Uma Odisséia no Espaço).

Pecando apenas na conclusão, novamente apressada e entulhada de soluções rápidas, satisfatórias para os personagens, mas frustrantes ao leitor, “O Xenólogo de Sirius” é uma história intrigante o suficiente para merecer mais algumas páginas. Ou mesmo um romance mais extenso.

Nota: 

Título: Eram @s Deus@s Crononautas
Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 585 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

Após um defeito em um veículo de transporte interplanetário, Naji, um blimundano hermafrodita, e Yavi, um humano evoluído (Homo Novus) são enviados para a Terra pré-histórica, em uma vila ubaidiana de proto-humanos na Mesopotâmia. Incapazes de retornar a seu próprio tempo, eles acabam se incorporando àquela sociedade ancestral, compartilhando seus conhecimentos e sendo venerados como deuses.

A referência aqui é clara desde o título, parodiando o clássico pseudo-científico “Eram os Deuses Astronautas?”, de Erich Von Däniken. Este talvez seja o maior problema deste texto, visto que já sabemos seu desfecho assim que os protagonistas são enviados em sua viagem no tempo. Mas, superado isso, o texto consegue se sustentar, fugindo do maniqueísmo. O foco narrativo está na alienígena reptiliana, Naji, e em seu choque cultural por ser a única de sua espécie em um planeta primitivo. Já Yavi age quase como um robô, tomando decisões extremamente lógicas e tendo um conhecimento quase infinito, o que o torna um personagem pouco interessante, diferente de Naji, que reage às situações que a trama apresenta de maneira coerente e divertida. O momento em que ela “perde as estribeiras” é o ponto alto do texto, pecando apenas por ser tão curto e com uma solução muito fácil.

Da mesma maneira que “O Xenólogo de Sirius”, aqui também temos uma cena de sexo inter-racial. Mas diferente do outro texto, aqui sobra estranheza na descrição do ato, que soa forçado e fora do tom. E, de novo, temos uma resolução rápida demais e conveniente demais, diluindo o impacto que uma viagem no tempo como essa possa ter nos personagens e até mesmo no tecido da realidade.

Nota:




Em resumo, são histórias muito bem escritas, com uma fluência excelente e com grande inventividade na construção, especialmente no que diz respeito à biologia alienígena e nas tecnologias utilizadas, sempre coerentes e bem explicadas. Os protagonistas estão bem construídos, mas os personagens secundários mereciam um pouco mais de cuidado. As tramas, apesar de simples e diretas, são instigantes e convidam ao questionamento. Não é uma leitura recomendada para leitores pouco habituados à ficção científica, mas os leitores do gênero com certeza se divertirão com as tramas e as referências pinceladas aqui e ali.


P.S.: Nas três histórias há personagens hermafroditas (em duas delas são os protagonistas) e, devido a inexistência de uma grafia específica para este “terceiro gênero”, Antonio optou por utilizar o ‘@’ como caractere definidor de ambiguidade. Esta solução distrai o leitor e torna a leitura truncada (“El@” é “Ele”, “Ela”, “Elo”? Como se pronuncia? Elea? Elae? El-arroba? El-at?). Concordo que é preciso encontrar uma alternativa. Só não acho que ainda seja essa.

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