Este texto é uma resposta à malfadada matéria no caderno de Cultura do Globo com o autor e editor Raphael Draccon, onde ele professa o fim dos autores "reclusos" (ou seja, sem presença online) e solta pérolas como:
"É preciso que sua história de vida e sua personalidade sejam tão impactantes quanto a fantasia que você criou."
"Esse autor introspectivo, que passa o dia dentro de casa escrevendo, não existe mais. Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado. Ele é de outra escola, outra época."
"Se o cara ainda não chegou até mim, é porque ele não está pronto para o mercado."
"Fazemos uma varredura da vida online da pessoa. Se houver um post sequer dela falando mal de outro autor ou comprando briga na internet, ela é cortada na hora."
Traduzindo, autor que "perde tempo" se especializando, escrevendo, revisando, TRABALHANDO, não será um sucesso. Quiçá publicado. E mesmo que ele saia de seu casulo hermético e se arrisque nas trincheiras do mercado editorial, não pode falar mal, não pode arrumar briga com outros escritores. Tem que ser "bom moço", mesmo que isso deponha contra a sua credibilidade ou com a sua ética.
Ou seja, autores como o citado Rubem Fonseca, ou Ernest Hemingway, ou F. Scott Fitzgerald ou Dalton Trevisan não teriam chance hoje em dia, pois são "de outra escola", ou reclusos demais. Ou Bukowski, Fante, Céline, Burroughs, entre outros, por serem "brigões" demais, especialmente com os outros autores.
Outra escola, outro tempo. Qualidade de um autor hoje em dia se mede pela quantidade de seguidores no Twitter ou amigos no Facebook. Que trata qualquer excrecência verborrágica como obra de respeito, apenas para não arrumar briga. Que não se preocupa com a qualidade do texto, mas em publicar, o mais rápido possível, e angariar fãs. Sim, fãs, pois autor moderno não precisa de leitores, mas de uma legião de fanáticos descerebrados defendendo seu objeto de adoração com ferro e fogo. Aliás, nem sei porque me preocupei em citar os autores lá em acima. Autor hoje em dia não lê. No máximo Harry Potter. Várias vezes. Até decorar.
Mas quer saber? O Raphael tem razão. Ele foi infeliz na maneira que disse (e com certeza irá usar a carta do "fui incompreendido" para se explicar), mas no fundo ele está certo. O mercado literário dá cada vez menos atenção à qualidade do material e mais em quem está escrevendo. Ou não veríamos abominações como a "saga" Crepúsculo e "50 Tons de Marrom" (EU SEI!) vendendo que nem pão quente. Ou biografias do Edir Macedo e bobagens proselitistas do Pe. Marcelo Rossi sempre no topo dos mais vendidos das livrarias.
O leitor-consumidor compra os autores, não os livros. O conteúdo, a literatura, a qualidade da obra, é o que menos pesa na hora de escolher um livro. As editoras sabem disso. O Raphael Draccon sabe disso. Você sabe disso. O mercado editorial não é o mercado literário. É o mercado do ego, o mercado da celebridade do momento, da polêmica vazia, do bafafá, do papo de cafezinho. É isso que vende. É isso que dá dinheiro. Questionamentos? História densa? Personagens ambíguos? SEM FINAL FELIZ? Muito obrigado mas não, obrigado.
E de quem é a culpa? Não, não é do Raphael Draccon (Aliás, quem é Raphael Draccon?), que com seu ataque de egolatria imatura apenas escancarou o que já acontece por aí. É das editoras? Também não. Editoras precisam lucrar. São um negócio como qualquer outro.
Sabe de quem é a culpa? É sua. É minha. É nossa. Nós que damos asa a esse pensamento torto, comprando essas bobagens que eles empurram, buscando as famigeradas "nãotícias" dos portais de celebridades, transformando pessoas obtusas e superficiais em ideais de sucesso. Nós que deixamos de ler uma obra de qualidade apenas para comprar no lugar a bobagem que está "na moda", que está "na mídia".
É preciso largar um pouco essa postura de "consumidor de enlatados" e essa mania desesperada de "estar na onda do momento" e criar um pouco de espírito crítico. Não precisa de muito. Comprar um livro pois ele te interessou, seja no tema, seja na trama, seja porque já leu algo do autor antes e gostou. Não porque apareceu matéria elogiosa na Veja ou porque o autor é uma "celebridade". E, caso o livro não corresponda às suas expectativas, ser sincero a esse respeito. Nem é tão difícil fazer isso, garanto.
Quebrar esse ciclo é responsabilidade nossa. Se não mudarmos nossa postura e nossa atitude, no futuro veremos muitos outros editores como o tal Raphael Draccon surgindo por aí. E nem vamos poder reclamar, ou eles irão nos tirar de suas famigeradas listinhas.