28 outubro 2010

Bukowski e a Ambição


"É verdade que eu não tenho muita ambição, mas deveria haver um lugar para pessoas sem ambição, quero dizer um lugar melhor que o normalmente reservado a elas. Como é que um homem pode curtir ser acordado às 6:30hs pelo alarme de um relógio, pular da cama, se vestir, engolir um café da manhã, mijar, cagar, escovar os dentes e os cabelos e batalhar no trânsito para chegar a um lugar onde essencialmente você faz pilhas de dinheiro para outra pessoa que ainda te pede para ser grato pela oportunidade de fazê-lo?"

25 outubro 2010

De Graham Greene a Donnie Darko ao Coringa

Quero dividir com vocês a descoberta de uma referência em cadeia entre obras distintas. O que The Destructors, de Graham Greene tem a ver com Donnie Darko, filme cult de Richard Kelly e o recente blockbuster O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan?

Primeiro, assistam essa cena de Donnie Darko, onde o protagonista (vivido por Jake Gyllenhaal) e sua professora (Drew Barrymore) analisam, na aula de literatura inglesa, o conto The Destructors, de Graham Greene:

No final do diálogo Donnie dá seu parecer sobre a obra analisada:

"Destruição é uma forma de criação. Dessa forma o fato deles queimarem o dinheiro é irônico. Eles só querem saber o que acontece quando destroem o mundo. Eles querem mudar as coisas."

Como não li tal conto, não sei até que ponto esta análise é precisa, mas reparem como, quase 10 anos depois que o filme foi feito, outro personagem usa a mesma metáfora, de uma forma que é impossível acreditar que seja coincidência:


Sim, ele queima uma pilha de dinheiro, com a intenção clara de mudar as coisas.

Vemos aqui o exemplo claro de uma referência literária sendo usada de duas maneiras, ambas com o intuito de aprofundar o personagem. Donnie Darko, após aquela cena, entra num ciclo destrutivo, impulsionado por uma visão ("Frank"). A cena da análise do livro explica suas motivações. No caso do Coringa, ele possui as mesmas motivações dos personagens de Graham Greene, sem tirar nem por.

Essa sopa de referências cruzadas no ensina muito sobre o processo de criação de um personagem através de reuso de materiais previamente escritos. No caso de Donnie Darko a referência é explícita. Já no caso do Coringa, ela é implícita. Mas em ambos os casos extremamente relevantes.

Isso é dar dimensão a um personagem. Um brinde à Graham Greene, Richard Kelly e Christopher Nolan.

18 outubro 2010

Liberdade


Ela puxou o longo vestido com as mãos enluvadas, evitando sujar a barra e os tafetás na poça imunda do meio fio. Teve que se equilibrar sobre o salto agulha do sapato de impecável pelica, branca como o resto do vestido. Em uma das mãos segurava junto ao peito um buquê de rosas brancas e lírios escolhidos naquela manhã. Com a outra ajeitou na cabeça a tiara presa à longa grinalda que jazia enrolada em seu braço. Toda branca, toda pura, exceto pelas cascatas negras que escorriam por sua face. Evitou todo e cada um dos olhares que se fixavam nela. Sabia ser uma figura antagônica, uma noiva entre malas, lanches, recomendações e agasalhos de moletom. Caminhou resoluta até o guichê e pediu uma passagem. Tirou o dinheiro de uma bolsa não condizente com o resto dos trajes e agradeceu com um suspiro. Portou o bilhete firmemente nas mãos até chegar ao local do embarque. Não havia ônibus algum lá, então ela tirou a tiara e esperou. As cascatas negras voltaram-se para a entrada da rodoviária duas vezes apenas. Uma quando o ônibus finalmente chegou. Outra quando ela entrou, apertando a imensa saia junto ao corpo. Ao passar por um grupo de garotas que aguardavam sua vez de embarcar, abriu a janela e atirou-lhes o buquê, o sorriso desviando as lágrimas.