– Por que você é cabeludo?
Porque sim, oras.
– “Porque sim” não é resposta.
E qual é o problema?
– Problema nenhum. Só acho estranho um cara com mais de trinta e cabelo comprido.
Mais de trinta? Você está dizendo que cabelo comprido é coisa de moleque?
– E não é?
E que eu, mantendo o cabelo comprido, estou tentando parecer que faço parte de uma faixa etária que já não pertenço mais?
– Ou isso ou...
O quê?
– Ah, você sabe. Esquece.
Bicha?
– Isso.
Não sou. Mas não expulsaria o Mick Jagger de minha cama.
– Hã?
Referência. Hair. Sabe? A peça, o filme. Achei adequado. Esquece.
– Não assisti.
Imaginei.
– Então por quê?
Eu não queria falar nisso, mas... Minha religião não permite.
– E qual é a sua religião?
Sou ateu.
– Besta.
Tenho o cabelo comprido porque gosto. Só isso. Gosto mais de me olhar no espelho cabeludo do que de outro jeito. Pelo mesmo motivo que você.
– Vaidade?
Também. Mas não só isso.
– Dá pra perceber.
Como é?
– Teu cabelo não é... Como posso dizer? Dos mais bem cuidados, né?
Cuido o suficiente.
– Há controvérsias.
Tá, cuido pouco. Cuido mais que a maioria. Uso shampoo específico, passo cremes, máscaras...
– Vai no cabeleireiro?
Vou. De vez em quando. Pra cortar as pontas.
– Já pensou em fazer escova progressiva?
Aí já é exagero. No máximo uma hidratação. Mas eu tenho mania de prender o cabelo molhado.
– Tá explicado o frizz...
Né? É um saco. Quando vou escolher um shampoo levo no mínimo meia hora. Tem que ser uma marca boa. Tem que ser do tipo específico do meu cabelo. Tenho que ler as instruções, e sempre que leio as instruções eles me induzem a comprar toda a “linha de tratamento”. E eu vou lá e compro a porcaria da linha de tratamento inteira. Shampoo, condicionador, creme para pentear, creme pra passar de duas a três vezes na semana, creme pra passar uma vez por semana. Silicone pras pontas. Pente de madeira. Elástico sem junção de latão pra não quebrar os fios. E mesmo assim fica essa nuvem ressecada sobre minha cabeça.
– É o preço da vaidade. Tudo bem. Entendi. Agora...
O quê?
– E essa barba?
Não quero falar sobre isso.
– Mas...
Deixa minha barba em paz!