30 abril 2009

Os Zumbis e a Originalidade

Assista ao curta abaixo ANTES de ler minha análise a seguir.



Eu sempre que posso bato na tecla da originalidade na hora da criação, mas o que eu menos vejo por aí são idéias originais sendo realizadas. No máximo um fiapo de idéia original que logo é inundada por uma torrente de clichês e lugares comuns. No final tudo pode ser colocado no mesmo balaio e pronto.

Muitos de meus textos já publicados tem uma aceitação bastante dúbia. Tem gente que adora. Tem gente que odeia. Normalmente quem odeia faz parte do famigerado fandom da literatura fantástica. Gente que coloca Star Wars, Star Trek, Harry Potter, Senhor dos Anéis, Crepúsculo ou qualquer porcaria escrita por Stephen King ou Anne Rice como as Tábuas da Lei da literatura mundial. Foram estas pessoas que descartaram meus contos na série Necrópole como "traidores", "pretensiosos demais" e daí pra baixo.

A questão que sempre bato é: se for pra reescrever a história dos outros, prefiro economizar meu verbo e simplesmente lê-los. Um papagaio tagarela não é mais do que uma curiosidade pitoresca. Ou você conhece algum papagaio orador famoso?

O vídeo aí acima é um exemplo claro do que quero dizer. Com certeza os espectadores desatentos vão logo taxá-lo como uma história "de zumbis" e rotulá-lo como uma história de terror simplesmente por conta disso. É uma história de terror, sim, mas não APENAS pelo fato de haver ali um zumbi. O terror existe, só que está nas entrelinhas. Mas me adianto.

Vamos analisar a estrutura básica de uma "história de zumbis": normalmente começa com um acidente ou falha catastrófica que causa uma epidemia de zumbis. Os sobreviventes rapidamente se juntam em grupos armados e tentam desesperadamente resistir à horda sempre crescente dos famintos mortos vivos, passando por situações dramáticas e sendo obrigados a tomar decisões difíceis a respeito de vida e morte até que apenas um (ou nenhum) dos sobreviventes... bem, sobreviva. Todos já vimos histórias assim, tanto na literatura quanto nos cinemas e até em games. É o formato comum.

Agora vejamos a estrutura do curta acima. Vemos um grupo de garotos se reunindo displicentemente em uma cidade em ruínas. Leva algum tempo para descobrirmos que os garotos aprisionaram um zumbi e estão se divertindo torturando-o. O núcleo narrativo é um garoto que, ignorando a macabra "brincadeira" dos parceiros, mostra estar apaixonado por uma garota brava e pouco receptiva. A infecção já aconteceu. Não é o centro da história. Percebemos DEPOIS que tanto o garoto quanto a garota tem motivos para agirem daquele jeito pouco sociável. Rapidamente a antipatia inicial que poderia ter surgido se converte em piedade e empatia. Especialmente em dois momentos. Primeiro no diálogo:

Garota: Você não tem outro lugar pra ficar? Com sua família ou algo parecido?
Garoto: Não. Eles se foram. Estão todos mortos.

Depois, mais ao final, quando a garota perde as estribeiras e grita com os garotos que torturavam o zumbi:

Garota: Que PORRA vocês estão fazendo?
Garoto: O que você acha? Estou me livrando dessa porcaria de zumbi.
Garota: Essa porcaria de zumbi é a porcaria do meu pai!

Pronto. O cenário está construido. Descobrimos neste momento que não estamos em uma típica história de zumbis. Estamos testemunhando uma outra visão da mesma história. Um drama familiar pesado, que usa os zumbis apenas como alegoria para uma história muito mais profunda, cujo tema essencialmente não é o fato de ter zumbis, mas o AMOR. O amor de uma filha que se recusa a aceitar a condição do pai. Que se vê obrigada a se entregar ao sacrifício pessoal em nome deste amor. Mas não só esse tipo de amor. Vemos, através da atuação surpreendente econômica do protagonista, um amor que nasce de um terreno quase estéril. Um amor que surge da empatia da dor do casal. Uma história com zumbis mas que fala essencialmente de amor e da esperança que este amor representa.

ISSO é originalidade. Perceba que o autor em momento algum se preocupou em explicar as causas da infestação de zumbis ou em criar situações típicas destes casos. Qualquer explicação apenas diluiria o impacto da resolução do núcleo dramático. O que importam não são os zumbis. São os personagens e suas mudanças no cenário montado. No momento que a garota se vê obrigada a acabar com o suplício do pai nós compartilhamos de sua dor. E nos entristecemos com a MORTE DE UM ZUMBI. É mais ou menos como se George A. Romero tivesse filmado uma adaptação de "O Senhor das Moscas".

Agora me diga: quantas histórias de zumbi desse jeito você já viu ou leu antes?

O que essa galera do fandom tem que compreender é simples: tradição olha para o passado, mas traição olha para o futuro. Trair as tais "Tábuas de Lei" da criação não é só algo que deveria ser o objetivo de todo artista. Deve ser a obrigação! O que foi criado antes deve ser aprendido e apreciado, mas não copiado. Não é porque eu gosto de determinada obra que vou ter que escrever outra igualzinha, mudando apenas os detalhes para mascarar meu plágio. Eu vou transformá-la, deturpá-la. Evoluir o conceito se possível. Criar alguma coisa que nunca foi criada antes, mesmo que para tanto eu use as bases já consolidadas antes de mim. Mas nunca me acomodar em um estilo ou forma só porque já deu certo antes.

Esta é a postura que todo artista deve ter caso pretenda algum dia ser reconhecido como um.

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