20 maio 2014

RESENHA: Sensações - Rafael Bertozzo Duarte

Título: Sensações
Autor: Rafael Bertozzo Duarte
Páginas: 862 toques (Kindle)
Editora: Auto publicação
Ano: Não informado

"Sensações" é uma coletânea de contos de literatura fantástica de autoria do gaúcho Rafael Bertozzo Duarte, editado pelo próprio em formato e-book. Na capa vemos o selo "Oficina de Escritores", que descobri ser um coletivo de autores empenhados no aprimoramento literário através de leituras críticas, e não uma editora.

Os contos não seguem uma temática única, variando de gêneros como ficção científica, feitiçaria e lendas. Variam também na extensão, sendo alguns curtos e rápidos, e outros mais longos.

Em comum, senti a falta de um trabalho editorial mais acurado. Há diversos erros gramaticais e ortográficos, e uma série de problemas que uma revisão mais cuidadosa não deixaria passar, como repetições de nomes e palavras, além de descrições verborrágicas desnecessárias. A editoração não é primorosa, mas não compromete.

Vamos aos contos:

Sensações

Logo após a primeira menstruação, a menina Isabela descobre ser capaz de sentir fisicamente os desejos e intenções sexuais direcionados a ela, o que a faz se distanciar de relacionamentos afetivos por toda a vida.

Partindo de uma premissa interessantíssima, o autor coloca a protagonista em uma série de situações, por vezes divertidas, muitas vezes humilhante. A "condição" de Isabela é uma metáfora curiosa, pois nos coloca como "culpados" de seu sofrimento, e nos faz compadecer das vítimas de assédio sexual, uma situação ainda muito comum em nossa sociedade. O final feliz da história dilui um pouco este impacto, e é corrido e artificial, o que é uma pena, pois a premissa inicial merecia um final melhor.





Epifania Cósmica

Um casal de humanos viaja em uma espaçonave rumo ao centro do Universo, no local onde ocorreu o Big Bang. Lá eles encontram uma civilização alienígena avançada, que os coloca em contato com o Criador do Universo.

Tentando parecer mais profundo do que realmente é, esta noveleta desperdiça uma premissa interessante em uma longa e desnecessária filosofada que não diz nada e não leva a lugar algum. Os personagens principais, o piloto Lurien e a cientista Andrira, são desinteressantes e unidimensionais. Lurien recebe o benefício de encontrar-se com o Criador sem muito mérito, e Andrira frequentemente se perde em longas e maçantes explicações didáticas que não agregam muito à trama, que já é confusa. O conto tropeça em ritmo e extensão, diluindo o impacto da "epifania" antecipada pelo título. E mesmo essa é internalizada pelo protagonista, o que é decepcionante. Dentre todos os contos do livro, este é o que mais se beneficiaria de uma revisão profunda.





Diálogo na fábrica de universos

Dois funcionários em uma "fábrica de universos" conversam a respeito do trabalho escolar do filho de um deles.

Tentando fazer uma anedota existencial, ou exercício de imaginação, este conto se perde em uma troca de amenidades permeadas com detalhes técnicos irrelevantes que, no final, não tem graça, não é imaginativo e nem cumpre a pretensão de trazer uma reflexão sobre a existência de macro-micro-universos.





A morada dos espíritos

O garoto Felipe fica intrigado com um mistério: a impossibilidade de atravessar o rio de seu vilarejo. Após diversas tentativas frustradas, decide construir uma ponte para chegar ao outro lado.

Diferente dos outros textos do livro, esta noveleta cumpre a função de fazer uma reflexão existencialista instigante, ao mesmo tempo em que narra uma história de superação divertida e interessante. Há um ar de lenda, um misticismo implícito que levanta questões fundamentais. O texto tem alguns problemas de ritmo e a tendência de explicar demais. A construção da ponte é inverossímil, mas este é um pecado leve. É o melhor texto do livro.





Procura-se Príncipe Encantado

Anúncio classificado de vaga para príncipe encantado.

Piadinha boba, nem pode ser considerada um conto. No máximo uma postagem no Facebook. Engraçadinha mas descartável.





Apoteose

Releitura do Genesis sob o ponto de vista de Lúcifer, descoberta por uma seita religiosa denominada "Apoteóticos".

Neste conto há uma tentativa de escrever os "Evangelhos segundo Lúcifer", e narrar a sua descoberta por um grupo religioso que acreditava nesta linha de pensamento. Os trechos do "texto" encontrado são interessantes, deturpando as escrituras católicas e incutindo uma nova mensagem que, mesmo não sendo muito original, é revolucionária (e sacrílega) o suficiente para atrair a atenção. Já a aventura dos apoteóticos é enfadonha e sem ritmo, com personagens descartáveis e um conflito desnecessário. Fica a impressão de uma boa ideia desperdiçada em um grande clichê cinematográfico. Uma pena.





Longe de casa

Diálogo entre um humano criado em cativeiro que tenta copular com uma humana capturada, em uma gaiola alienígena.

Uma ideia no mesmo nível de "Diálogo na fábrica de universos", remete aos clássicos mais trash de "Além da Imaginação", mas sem o mesmo charme. O diálogo rápido e desinteressante entre o casal deságua em uma "reviravolta" previsível e tola. O texto se beneficiaria caso o mistério e a construção da expectativa fossem melhor trabalhados, e a interação entre personagens fosse mais divertida, mas do jeito que está é um texto descartável.





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14 maio 2014

RESENHA: A um Passo da Tragédia - Antonio Rocco

Título: A Um Passo da Tragédia
Autor: Antonio Rocco
Páginas: 180
Editora: N.Ex.T
Ano: 2008 (2a. Edição)

"A Um Passo da Tragédia" é uma coletânea de textos teatrais, com uma temática cômica, mas que, como o título indica, estão prestes a escalar para um drama maior. Alguns textos são curtos e diretos, sketches simples. Outros são mais complexos, com mais personagens e jogos de cena que exigirão maiores esforços da trupe que os adaptar.

Antonio Rocco faz um esforço para que seus textos tenham uma reviravolta no final, que tenta dar um sentido diverso ao que acabamos de testemunhar. Em alguns casos é bem sucedido, em outros nem tanto.

Os textos "Por favor, deixe-me tentar novamente", "Ato falho" e "Mera coincidência" compuseram uma trilogia chamada "Os Dez Mandamentos do Jogo dos Sete Erros" (ótimo título) que foram encenadas em 1994 no Teatro Ruth Escobar e em 1995  no Crowne Plaza, ambos em São Paulo.

Por favor, deixe-me tentar novamente

Um sketch rápido, com apenas dois atores (um casal de velhinhos), onde apenas a mulher fala para um marido entretido na leitura de uma revista Playboy. A conversa escala rapidamente para uma DR cheia de mágoa e ressentimento, no limite do desconforto, especialmente dada a ausência de reação do marido. Infelizmente essa premissa interessante é desperdiçada em uma piada tola e fora de contexto no final.

Nota:



Ato falho

Uma mulher volta de uma festa bêbada, e tenta conversar sobre o relacionamento com o marido, que voltou antes por uma crise de ciúmes e aparenta estar dormindo no sofá. 

Outro sketch rápido com um casal como protagonista, mas desta vez há um maior experimentalismo, especialmente na parte do absurdo da situação. A "conversa", de novo monopolizada pela esposa, beira o surreal, com variações de humor bem dosados. O final pontua a cena de maneira chocante, mas coerente.

Nota:






Mera coincidência

Uma mulher encontra o ex-marido no meio da noite em uma rua escura e testemunha seu suicídio. Ou isso é o que ela quer convencer a polícia que aconteceu. 

O autor descreve essa cena como "Drama em um átimo", e não há melhor maneira de defini-la. Uma cena curta, rápida e que deixará confusos aqueles que não prestarem atenção nos detalhes. Mas isso não tira o brilho e a inteligência, em especial no final, que nos faz rever tudo em retrospecto.

Nota:





Ser mãe

Duas mulheres grávidas, amigas do tempo do colégio, se encontram na fila do banco. Uma delas é pudica e recatada, e outra desbocada e sincera. A conversa escancara as diferenças entre as duas amigas e, com isso, a hipocrisia da sociedade. Um texto ferino e interessante, divertido e ao mesmo tempo perturbador, especialmente no final.

Nota:



O Natal mais feliz da minha vida

Na véspera de Natal o dono de um boteco precisa lidar com sua esposa, um bêbado, clientes, uma briga de trânsito, um assalto e sua amante grávida. O texto tem potencial, é interessante desde o começo, e possui personagens marcantes (o bêbado, Birigui, é ótimo). Utilizando o formato "comédia de erros", as situações se sucedem em uma escalada frenética. Uma pena que, mesmo o texto tendo dois finais, nenhum deles seja satisfatório. O primeiro termina a confusão de maneira abrupta e abusando do pastelão. O segundo arrasta a resolução ineficiente (e, por que não dizer, até mesmo repreensível) sem um foco, diluindo o início promissor em lugares-comuns. 

Nota:





Os mais miseráveis

Não li. Além de não ser grande fã de musicais, o texto é inteiro em versos.

Nota:




Muro

Este eu tentei, mas abandonei. Um longo monólogo de 9 páginas, com frases encadeadas sem pontuação, confuso e sem muito nexo. Provavelmente possa ficar interessante se encenado, mas como leitura não deu.

Nota:




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24 abril 2014

RESENHA: “Os Carangonços de Riobaldo”, “O Xenólogo de Sirius” e “Eram @s Deus@s Crononautas” de Antonio Luiz M. C. Costa

Desta vez não será analisada apenas uma obra, mas três noveletas de ficção científica do escritor Antonio Luiz M. C. Costa publicadas exclusivamente em e-book pela Editora Draco.

Estas noveletas têm em comum se passarem em um mesmo universo ficcional, e também por referenciarem livros clássicos de literatura fantástica, seja nos títulos, formatos ou mesmo na temática. Sem mais delongas, vamos a elas.

Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 480 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

Nesta primeira novela o autor presta homenagem ao clássico brasileiro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, não apenas com referências de nomes dentro da própria história, mas também no formato narrativo. Da mesma maneira que na obra homenageada, aqui temos o testemunho de Tiago, militante da Solidariedade Galáctica alocado no planeta Riobaldo, que orbita a estrela Veredas, para um documentarista do Canal Descobrimento, sobre o primeiro encontro com as criaturas denominadas “carangonços”.

A estrutura narrativa segue o padrão criado por Guimarães Rosa: Tiago fala com um dialeto que mistura um sertanejo mineiro rústico com o de um técnico em expedições planetárias, o que por vezes gera um estranhamento, mas nada que atrapalhe a leitura. Tiago conta sobre o dia em que recebeu a notícia que chegaria a Riobaldo sua antiga namorada da Terra, Isabel, e decide tirar alguns dias de folga para tentar resolver as pendências deste relacionamento. No caminho encontra Aisha, uma amiga com quem tem um caso não definido, e passam a noite juntos. No dia seguinte ambos são convocados para uma missão de resgate de um grupo de biólogos que foram sequestrados por criaturas não catalogadas. Entre os biólogos está a antiga namorada de Tiago, Isabel. No processo de resgate eles descobrem que as criaturas, nomeadas pejorativamente pelo narrador como “carangonços”, possuem inteligência e auto-consciência, além de uma estrutura de sociedade primitiva, o que pode colocar em xeque a colonização do planeta, pois vai de encontro com as normas de terraformação vigentes.

A história é bastante criativa e o universo criado é coeso e interessante. Detalhes técnicos, que vão desde a maneira que os veículos navegam até como as roupas se comportam (!), são explicados de forma didática. A trama, apesar de simples e direta, tem implicações claras, que dariam margem a uma história mais longa. É uma pena que, pela brevidade do texto, personagens como Aisha e Isabel não tenham espaço para crescimento. A história termina de maneira apressada, com uma resolução satisfatória demais para todos os envolvidos, dadas as implicações que a descoberta dos carangonços poderia trazer.

Nota: 




Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 1186 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

A obra referenciada aqui é “Micrômegas”, de Voltaire, lançada em 1752. Narrado em terceira pessoa, a história acompanha o hermafrodita siriano 4138-383C-463E-A434 (todos os nomes sirianos são cadeias de caracteres hexadecimais), um xenólogo que estuda a evolução da espécie humana na Terra desde o surgimento das primeiras sociedades primitivas. Quando os humanos atingem o estado tecnológico e evolucionário suficiente para que possam ser aceitos dentro da Solidariedade Galáctica, o xenólogo tem a oportunidade de embarcar em uma nave terrígena para aprofundar seus estudos. Durante a viagem ele se envolve com a humana Luli, através de simulações em espaço virtual, onde ambos compartilham sensações e pensamentos íntimos de suas raças.

Neste texto há um cuidado maior na formação dos personagens. A estrutura episódica, com o foco narrativo em Micrômegas (como o siriano foi apelidado pelos humanos, em referência explícita) facilita a compreensão do ponto de vista alienígena com a troca de experiências entre as raças. Da mesma forma, somos capazes de simpatizar com a humana Luli e seus dramas existenciais.

Novamente o ponto alto da história é a criatividade com que o autor cria a biologia alienígena, bem como as estruturas funcionais de uma sociedade avançada, abusando de nanotecnologias e traquitanas inventivas. Um ponto interessantíssimo foi a maneira como os humanos “superaram” a morte, e o conceito de “união” de indivíduos para perpetuação da espécie sem a preocupação com a explosão demográfica. Outro ponto importante foi a maneira como o autor lidou com um tema espinhoso: o sexo inter-racial (uma humana com um alienígena hermafrodita). A utilização de simulações em espaço virtual foi uma solução elegante não apenas para este problema, mas também para que possamos compreender o drama que advém dessa prática quando os personagens se encontram no “mundo real”. Até a antagonista, a inteligência artificial que comanda a nave, Hwantla, é interessante, mesmo seguindo ao pé da letra a cartilha de HAL-9000 (de 2001 –Uma Odisséia no Espaço).

Pecando apenas na conclusão, novamente apressada e entulhada de soluções rápidas, satisfatórias para os personagens, mas frustrantes ao leitor, “O Xenólogo de Sirius” é uma história intrigante o suficiente para merecer mais algumas páginas. Ou mesmo um romance mais extenso.

Nota: 

Título: Eram @s Deus@s Crononautas
Autor: Antonio Luiz M. C. Costa
Páginas: 585 posições (Kindle)
Editora: Draco
Ano: 2012

Após um defeito em um veículo de transporte interplanetário, Naji, um blimundano hermafrodita, e Yavi, um humano evoluído (Homo Novus) são enviados para a Terra pré-histórica, em uma vila ubaidiana de proto-humanos na Mesopotâmia. Incapazes de retornar a seu próprio tempo, eles acabam se incorporando àquela sociedade ancestral, compartilhando seus conhecimentos e sendo venerados como deuses.

A referência aqui é clara desde o título, parodiando o clássico pseudo-científico “Eram os Deuses Astronautas?”, de Erich Von Däniken. Este talvez seja o maior problema deste texto, visto que já sabemos seu desfecho assim que os protagonistas são enviados em sua viagem no tempo. Mas, superado isso, o texto consegue se sustentar, fugindo do maniqueísmo. O foco narrativo está na alienígena reptiliana, Naji, e em seu choque cultural por ser a única de sua espécie em um planeta primitivo. Já Yavi age quase como um robô, tomando decisões extremamente lógicas e tendo um conhecimento quase infinito, o que o torna um personagem pouco interessante, diferente de Naji, que reage às situações que a trama apresenta de maneira coerente e divertida. O momento em que ela “perde as estribeiras” é o ponto alto do texto, pecando apenas por ser tão curto e com uma solução muito fácil.

Da mesma maneira que “O Xenólogo de Sirius”, aqui também temos uma cena de sexo inter-racial. Mas diferente do outro texto, aqui sobra estranheza na descrição do ato, que soa forçado e fora do tom. E, de novo, temos uma resolução rápida demais e conveniente demais, diluindo o impacto que uma viagem no tempo como essa possa ter nos personagens e até mesmo no tecido da realidade.

Nota:




Em resumo, são histórias muito bem escritas, com uma fluência excelente e com grande inventividade na construção, especialmente no que diz respeito à biologia alienígena e nas tecnologias utilizadas, sempre coerentes e bem explicadas. Os protagonistas estão bem construídos, mas os personagens secundários mereciam um pouco mais de cuidado. As tramas, apesar de simples e diretas, são instigantes e convidam ao questionamento. Não é uma leitura recomendada para leitores pouco habituados à ficção científica, mas os leitores do gênero com certeza se divertirão com as tramas e as referências pinceladas aqui e ali.


P.S.: Nas três histórias há personagens hermafroditas (em duas delas são os protagonistas) e, devido a inexistência de uma grafia específica para este “terceiro gênero”, Antonio optou por utilizar o ‘@’ como caractere definidor de ambiguidade. Esta solução distrai o leitor e torna a leitura truncada (“El@” é “Ele”, “Ela”, “Elo”? Como se pronuncia? Elea? Elae? El-arroba? El-at?). Concordo que é preciso encontrar uma alternativa. Só não acho que ainda seja essa.

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18 março 2014

Caçadores do Sinal Perdido


- Bom dia! Em que posso ajudá-lo?

- Bom dia. Eu precisava de uma conexão para mandar um e-mail.

- Entendo. Qual é o seu plano?

- 4G.

- Olha, o 4G é meio difícil de encontrar. A gente nunca sabe onde ele está. Ele até aparece de vez em quando, mas vai embora rapidinho... Olha ele lá do outro lado da rua!

- Onde?

- Já foi embora. Eu não disse?

- Tudo bem, pode ser o 3.5G mesmo. É só pra mandar um e-mail...

- O que o senhor disse?

- 3.5G.

- Nunca ouvi falar. Ah, claro! Me desculpe. Esqueci completamente que o 3G de vez em quando exagera no RedBull e se acha mais rápido do que realmente é.

- Tudo bem, pode ser o 3G mesmo.

- Estou verificando por aqui, mas não sei o 3G se encontra neste momento. Ele assinou a folha de ponto, está dentro da área de cobertura, mas por algum motivo não consigo localizá-lo. Provavelmente está no banheiro. Sabe como é, né? Muito RedBull...

- Será que ele demora? Eu estou com um pouco de pressa.

- Não sei. Mas olha, se o senhor quiser posso chamar o EDGE.

- EDGE? Eu nem sabia que isso existia ainda.

- Pois é, ele já devia ter se aposentado. Aliás, acho que até já se aposentou. Mas ele não vai embora. A gente fica com dó e deixa ele ficar. Pra mandar um tuíte ou coisa assim. Ele é um pouco devagar, mas se o senhor tiver um tempinho tenho certeza que ele cumpre a tarefa. Eventualmente. Se não cair.

- Cair?

- É. Ele está meio velhinho, sabe? Anda mal das pernas. Cai o tempo todo. Tecnologia defasada, essas coisas. Mas se for só pra mandar um e-mail pode ser que ele dê conta do recado. Quer que eu o chame?

- Tem certeza que não dá pra encontrar o 4G ou o 3G por aí?

- Vou fazer o seguinte: vou chamar o EDGE e, enquanto a gente espera tenta encontrar o 3G ou o 4G. Tá bom assim?

- Pode ser.

- Tá bom. Então só aguar...

- Alô? Alô?

- Sua bateria está fraca. Conecte a um carregador.

- Não tem tomada aqui, mas é só pra mandar um e-mail. É urgente!

- ...

- Você está aí ainda?

- Bom dia! Em que posso ajudá-lo?

- Uma conexão! Pra mandar um e-mail!

- Desculpe, mas entramos no modo de economia de bateria. Todas as conexões foram desabilitadas.

- É só um e-mail! Pelamordedeus, é importante!

- Desculpe, não posso fazer nada. Conecte a um carregador.

- Não tem tomada aqui perto!

- Desculpe. Não posso fazer nada.

- Eu te odeio.

- Você quis dizer "Eu te amo"?

- Não.

- Ok. Vou desligar agora.

- Não, espera!

- Tchau.




14 março 2014

FAQ - Envio de livros para resenha


Como vocês já devem ter notado pelas últimas postagens, estou empenhado em fazer resenhas de livros. Isso desencadeou uma pequena avalanche de pedidos, de autores e editoras, o que me obrigou a estabelecer algumas regras para o envio dos livros e publicação de suas resenhas.

Mas não encare como mandamentos talhados em mármore. São recomendações e justificativas que, apesar de precisar serem levadas a sério, podem ser alteradas sem aviso prévio de acordo com a necessidade.

- Quem é você e o que te qualifica a resenhar meu livro?
Meu nome é Alexandre Heredia. Sou escritor com mais de 10 anos de experiência no meio literário. Já lancei 3 romances e participei de uma série de coletâneas (a lista está aí do lado direito). Sou pós-graduado em Criação Literária pela UNICSUL. Já trabalhei diretamente com diversas editoras, analisando originais, fazendo copidesque e leituras críticas. E sou chato. Bastante chato. Especialmente no que diz respeito a literatura.

- Que gêneros literários você resenha?
Ficção. Prosa. Romances e contos. Infantis, infanto-juvenis, YA, adultos, eróticos, "alta literatura", pulp, terror, thriller, aventura, fantasia, ficção científica, especulativa, distopias, etc. Livros físicos ou e-books. Dependendo do caso posso analisar um livro de não-ficção, mas me reservo o direito de recusar se o assunto não for de meu interesse. Não resenho auto-ajuda ou livros religiosos nem sob ameaça. Também não analiso livros técnicos e didáticos. Poesia também não. Não insista.

- Você faz leitura crítica de originais?
Faço, mas não neste espaço. Leitura crítica, copidesque, script doctoring e outros serviços editoriais para originais e autores são feitos sob encomenda, e cobrados de acordo. Aqui só faço resenhas de livros já publicados. Caso seja esse seu interesse, entre em contato por e-mail.

- O que será analisado na resenha?
Em minhas leituras os seguintes elementos são analisados:

  1. Técnicos: Estrutura, linguagem, ritmo, coerência, etc.
  2. Narrativos: trama, ideia, desenvolvimento, etc.
  3. Editoriais: Capa, contra-capa, acabamento, tipografia, etc.

Estes fatores poderão ou não entrar na resenha, dependendo de sua relevância. Todos estes elementos serão analisados de forma isenta e, sobretudo, sincera. Assim serão expostos os pontos positivos e negativos da obra.

- O que significam aquelas pílulas no final da resenha?
É uma nota de avaliação final do livro, levando em conta todos os fatores analisados na resenha. É mais uma referência visual rápida do que outra coisa. Elas significam:

Excelente
Muito Bom
Bom
Medíocre
Ruim
Abandonado

- Pera aí! Você vai publicar resenhas até dos livros que abandonou a leitura?
Vou. Todos os livros que forem enviados terão sua chance e serão avaliados. Até mesmo aqueles que eu abandonar a leitura, por qualquer motivo que seja (desde que a culpa seja da obra, não minha, bem entendido). Nestes casos a resenha justificará o abandono, utilizando os fatores de análise já citados e outros fatores que possam aparecer. Por exemplo: caso eu descubra que o livro que estou analisando é uma releitura de Mein Kampf, ou um tratado racista e/ou homofóbico permeado de discurso de ódio. Ou por uso insuportavelmente ruim da gramática e ortografia. Ou mesmo por ser apenas entediante. A vida é muito curta pra perder tempo com um livro que não merece.

- Quanto custa para ter meu livro resenhado?
Nada. Quero dizer, você não precisará pagar nada para mim. O único custo será o do envio do livro para resenha.

- Quanto tempo levará para você publicar a resenha?
Depende. O tempo entre início da leitura e finalização da resenha será, em média, de um a dois meses, mas vários fatores podem influenciar neste prazo. Como disse na pergunta anterior, não ganho nada pra fazer as resenhas, então elas irão sair quando forem sair. A fila de leitura será por ordem de chegada. Assim que eu começar a leitura de seu livro irei avisá-lo por e-mail. Meu próximo contato será apenas para avisar sobre a publicação da resenha. Não adianta cobrar, ligar, pressionar, fazer chantagem emocional, subornar, ameaçar de morte, etc. Aliás, cada vez que você cobrar pela resenha de seu livro ela irá automaticamente para o fim da fila. Sério, não me encham o saco. Faço isso por (e com) prazer. Caso vire uma dor de cabeça paro de fazer. Simples assim. Tenha paciência.

- Te dei um livro de graça pra ler e você só falou mal dele. Você não vai com a minha cara?
Como eu disse antes, seu livro será analisado por fatores técnicos, narrativos e editoriais. E as análises serão SEMPRE isentas e sinceras. Lembre-se: não estou analisando o autor, mas sim sua obra. Se seu livro for ruim ele receberá uma resenha ruim, mas sempre argumentada nos fatores citados (e outros que possam ser relevantes). Seja maduro e aprenda a aceitar uma crítica negativa. Não é o fim do mundo. Caso você discorde da resenha (é um direito seu) estou aberto a discuti-la, seja na caixa de comentários, seja por e-mail. Mas vamos manter o foco do debate na obra e na resenha. Ataques pessoais a mim ou qualquer outra pessoa serão sumariamente excluídos.

- Posso copiar a resenha e colocar em meu blog/página pessoal/perfil do Facebook?
Não. Isso é plágio, mesmo citando a fonte. Pode colocar um link para a resenha, e utilizar um pequeno trecho dela para atrair seu público. Mas não copie e cole. As resenhas poderão ajudar na divulgação de seu livro, mas são o meu trabalho. E são protegidas por direito autoral.

- O que você vai fazer com o livro após a leitura?
No momento vou colocá-lo em minha estante. Livros enviados não serão devolvidos. Tenha isso em mente antes de enviá-lo.

- Ok, concordo com as regras. Como eu faço para enviar meu livro pra você?
Entre em contato comigo por e-mail, DM do Twitter ou pelo Facebook, solicitando o endereço de envio. Envie também uma breve sinopse da obra (pode ser o texto de quarta capa ou orelha). NÃO ENVIE O ARQUIVO POR E-MAIL! Como já disse, apenas faço resenha de livros já publicados, e fatores editoriais também contam na avaliação. No caso de e-books, apenas envie o gift (ou coisa semelhante) após eu aceitar fazer a resenha. É sério. Não quero problemas com editoras me acusando de roubo, pirataria ou coisa parecida.

[Atualização 17/03/2014] 

A Amazon BR, diferente das filiais de outros países, não possui a opção de envio dos livros como gifts (presentes). Sendo assim, caso seu livro tenha sido editado APENAS em formato digital, e você quiser que eu o resenhe, vou adquirir seu livro. Para contos avulsos e novelas não haverá a necessidade de reembolso (a tarifa do DOC é maior que o valor individual do e-book). No caso de livros, será feito um estudo caso a caso.

Aliás, fica aqui o puxão de orelha na Amazon BR. A possibilidade de dar e-books de presente é algo que já existe dentro da própria empresa. Por que não implantar essa alternativa por aqui?

[Fim da atualização]

- Não gostei dessas regras! O que eu faço?
Não mande seu livro. Olha que fácil!

É isso. Nada muito complicado. Ao enviar um livro para que eu faça a resenha você estará automaticamente concordando com esses termos, e não pode alegar ignorância. Depois não adianta reclamar.

Um grande abraço,
Alexandre Heredia

11 março 2014

RESENHA: Zon, o Rei do Nada, de Andrei Simões e Lupe Vasconcelos

Título: Zon, o Rei do Nada
Autores: Andrei Simões (texto) e Lupe Vasconcelos (ilustrações)
Páginas: 239
Editora: Empíreo
Ano: 2013

Quem nunca se olhou em um espelho e, subitamente consciente de sua incapacidade de tomar as rédeas de sua própria realidade, questionou sua existência no universo? É isso que Zon faz aos quarenta e um anos de uma vida maçante e comum. A diferença é que ele chega a uma conclusão surpreendente: ele é um personagem de um livro, fazendo assim parte de uma tríade, junto com Aquele que Escreve e Aquele que Lê. Assim, sua realidade é uma não-realidade e sua existência é uma não-existência. Ele é na verdade um Paradoxo, ou seja, ele não sabe o que é; apenas que não é.

É este paradoxo que irá permear todas as histórias que compõe o intrigante romance fix-up de Andrei Simões e Lupe Vasconcelos. A epifania de Zon o liberta, e ele “sai” da mente d’Aquele que Escreve e torna-se um parasita, uma não-criatura que invade as mentes d’Aqueles que Leem, desta maneira alcançando uma suposta imortalidade existencial. Durante sua jornada pela psique alheia ele navegará entre gêneros literários (fantasia, pulp, terror, realismo, ultrarrealismo), encontrará outras não-criaturas, deuses e dragões, conversará com seu criador e até mesmo testemunhará a própria morte (que não o mata, pois algo que não é não pode morrer).

O texto de Andrei Simões não faz concessões ao leitor, ora nos jogando a paisagens complexas e oníricas, ora nos esbofeteando com uma realidade fria e cinza, mas sempre tendo como fio condutor a busca existencial do protagonista. Seus questionamentos não são de fácil digestão, e nenhuma resposta pronta é oferecida como alento. São dúvidas psicológicas, teológicas e existencialistas, por vezes um tanto óbvias, mas muitas vezes perturbadoras. Em certo momento a sequência de eventos é tão confusa que parece que o autor perdeu a mão, mas ele mesmo surge metalinguisticamente e retoma as rédeas da história.

Introduzindo cada conto há sempre uma bela ilustração em nanquim de Lupe Vasconcelos, que, diferente do que se possa imaginar, apenas enriquece a leitura, dando o tom correto à narrativa que se seguirá. Em algumas ilustrações é possível ver que ela utilizou elementos do texto, mas em outras há mais um reconhecimento do sentimento emanado pela história. A sinergia texto/ilustração é orgânica, o que torna a decisão de fazer um livro ilustrado corretíssima.

“Zon, o Rei do Nada” não é um livro fácil. E nem deveria ser, dado os temas que aborda. Mesmo assim sua estrutura episódica e não linear facilita a leitura, e os contos são curtos o suficiente para que se possa apreciar cada pílula existencial na dose correta. É possível ver ali influências clássicas (Dante, Goethe e Milton são as que me vem à mente) e mais recentes (a mais óbvia é Sonho, de Neil Gaiman), mas nada que tire a originalidade da obra. Muito pelo contrário. É um livro interessantíssimo e que deve ser apreciado com a calma que suas questões merecem.

Nota:

03 fevereiro 2014

RESENHA: A Última Expedição - Olivia Maia

Título: A Última Expedição
Autora: Olivia Maia
Páginas: 224
Editora: Draco
Ano: 2013

Sinopse:
Após uma expedição fracassada ao Polo Sul, Estevão Tavares, neto por parte de mãe de um renomado aventureiro, vê sua carreira e vida pessoal desabarem. Atolado em dívidas e autopiedade, é contratado para uma expedição de busca de um médico irlandês desaparecido por motivos misteriosos no altiplano boliviano. Junto com seu pai, com quem não falava desde o fracasso da expedição antártica, e outros três aventureiros desacreditados, Estevão parte em busca não apenas de respostas para uma missão cheia de perguntas, mas também da própria vida perdida.

Narrada de maneira truncada e em um português propositalmente inconsistente, “A Última Expedição” se mostra uma história policial pouco ortodoxa, desde a escolha do protagonista (um aventureiro com nenhum conhecimento sobre investigações) até a maneira como é narrada, utilizando um estranho “fluxo de consciência em terceira pessoa” que, apesar de bastante interessante como experiência narrativa, pode tornar a história confusa em alguns trechos. Em certos momentos chave o evento realmente importante é misturado à profusão de pensamentos entrecortados e erros gramaticais, o que pode obrigar o leitor a retornar alguns parágrafos para melhor compreender o que acabou de acontecer. Depois que se acostuma a isso, porém, essa opção não interfere tanto no ritmo de leitura, visto que os momentos de monólogo interior do narrador ajudam bastante na construção dos personagens, especialmente do protagonista e de sua relação conturbada com o pai. O mesmo não ocorre com o resto dos personagens, que apenas cumprem suas funções acessórias, sem que compreendamos perfeitamente suas motivações ou mesmo nos importemos com seus destinos.

A trama se inicia em São Paulo e segue em um ritmo arrastado até a Bolívia, sem que o protagonista saiba direito onde está se metendo. Diversas pistas importantes são desperdiçadas pelo grupo desunido, que parece se importar mais com o dinheiro envolvido e com os cenários bolivianos do que realmente em resolver o caso. Neste ponto fica óbvia a experiência da autora nas localidades visitadas e, sobretudo, com a sensação desagradável causada pela altitude (os locais visitados pelo grupo ficam entre 3.600 e 4 mil metros acima do nível do mar). As descrições dos locais são colocadas de maneira orgânica à narrativa, e é possível visualizá-los sem que isso prejudique a fluidez do texto (apesar da insistência em mostrar o desconforto dos personagens com o ar rarefeito às vezes se tornar ironicamente... incômoda).

A trama é complexa, mas a forma escolhida para a narrativa faz com que os personagens sempre retomem as pistas e os envolvidos, o que facilita a compreensão. É uma pena que a história realmente engate apenas no terceiro ato, com os personagens saindo da zona de indefinição e percebendo que o que está em jogo não é apenas o sucesso ou o fracasso da expedição, mas também suas vidas. Se esta epifania acontecesse um pouco antes talvez a impressão de “lerdeza” na leitura dos dois primeiros atos desaparecesse. Mas quando a revelação finalmente chega, ela não decepciona, fazendo sentido em todo o contexto, mesmo com a sensação de anticlímax que fica quando as respostas aparecem. Há algumas pontas soltas não resolvidas (Como Renato se envolveu com Heitor? Qual a motivação de Helena?), mas nada que atrapalhe a conclusão satisfatória. A explicação para a narrativa truncada, com erros de tempos verbais e construções de frases que remetem ao inglês e ao espanhol, fica para o último parágrafo, como uma “surpresa final” que, em retrocesso, enriquece a história.

Em suma, “A Última Expedição” é um livro para quem gosta de histórias policiais, mas que não aguenta mais o formato batido das histórias de detetive clássicas (apesar da estrutura original ainda estar bastante presente, bem como suas técnicas). Olivia Maia constrói uma narrativa que traz frescor a um gênero ainda desacreditado, realizando experimentações linguísticas e temáticas interessantes, tornando a fronteira entre a “subliteratura” e a “alta literatura” (seja lá o que estes rótulos signifiquem) um pouco mais tênue, o que por si só já justifica a sua leitura. O fato de a história fugir do lugar comum das obras do gênero, mas sem perder de vista o fator que as atrai em um primeiro momento (um mistério a ser solucionado), mesmo com alguns tropeços aqui e ali, torna o livro um pacote de entretenimento bastante interessante, que não decepcionará nem os leitores mais ávidos do gênero policial nem os pouco habituados com essas histórias.

Nota: