01 abril 2009

Identidade nos Tempos de Twitter


– Você entrou no Twitter, pai?

Tentou decifrar a linguagem em código da filha. Não queria parecer antiquado como seu próprio pai, mas estava cada dia mais difícil. Calma. Ganha tempo. Finge que estava distraído.

– Entrou no que, minha filha?

– No Twitter. Não me enrola.

– Do que você está falando?

– Mãe! O pai tá fazendo aquilo de novo!

– Deixa ele, minha filha...

– Que papo é esse? Encontrou alguma coisa minha aí no teu notebook?

Péssima estratégia. Tinha sido só uma vez. E nem tinha achado bom. Tanta janela aberta o fazia sentir meio exposto. E tinha apagado o histórico, não tinha? Não faz cara de preocupado.

– Vai me dizer agora na minha cara que @RonaldoSiqueira não é você?

– Depois do arroba meu nome é esse mesmo.

– Eu sabia! Ah, eu não acredito!

Passos pesados e o estrondo de uma porta batendo encerraram a conversa.

@

– Ela está brava comigo ainda?

– Também não é pra menos, né Ronaldo? Que absurdo!

– Ah, nem começa. Foi só uma vez. Fui abrir o anexo de um e-mail do Marco e tudo começou sem que eu pudesse evitar. E eu tentei! Mas foi uma confusão tão... Que eu...

– Do que você está falando?

– Nada. Que foi que eu fiz que eu nem sei?

– Olha, pode brincar com o Twitter à vontade. Não é esse o problema. Mas não precisa seguir a menina, precisa? Deixa ela em paz.

– Seguir? Mas eu não sigo ninguém!

– Estava seguindo quarenta e cinco ontem de noite que eu vi. Sua filha inclusive.

– Quarenta e...

– Francamente, Ronaldo!

@

Levou algum tempo até que ele compreendesse tudo aquilo. Mal tinha acabado de decifrar o conceito de comprar um livro numa página de internet e foi apresentado ao universo do microblogging, dos cento e quarenta caracteres, de falar com ninguém e ao mesmo tempo com todo mundo, essas coisas. Achou uma tremenda bobagem. O que ele iria contar de interessante?


07:12 Cheguei atrasado. De novo. Espero que meu chefe não repare.

07:14 @Chefe Bom dia para o senhor também.

11:55 Cinco minutos para o almoço. Espero que tenha tiramissu hoje.

13:47 Não tinha. Comi torta holandesa. Muita manteiga. Quase duas horas de almoço mas valeu a pena #siesta

13:48 @Chefe Também acho. Com certeza. Não vai se repetir.

E por aí vai. Quem se interessaria por isso? Ele tinha mais o que fazer do que ficar narrando a própria vida.

Ou não tinha?

@

E quem era esse outro Ronaldo Siqueira? Um homônimo? Muito provável. O fato deste outro ter começado a seguir sua filha podia ser apenas uma coincidência. Uma coincidência estranha, mas apenas isso. Não era?

Começou a acompanhá-lo. O cara parecia legal. Tinha uma vida agitada. Fazia piadas o tempo todo. Sempre espirituosas e engraçadas. Mandava links interessantes. Entrava em sua página sempre após o almoço, quando se lembrava. Quando faltava algum dia tentava ver o que tinha perdido, mas era impossível. O cara tinha tanto assunto! Diversificava tópicos, fazia citações, entrava em debates acalorados. Era esperto. Havia conseguido mais amigos em uma semana do que o original durante a vida inteira. Tudo isso sem mostrar ao menos o rosto. A foto em seu perfil era tirada de um desenho animado qualquer. Mas até esse desenho era legal.

– Que filho da mãe!

@

Abriu a página do seu outro antes mesmo de abrir o e-mail. Queria saber o que tinha rolado na festa de ontem. Coisa de agência de publicidade, pelo que ele havia dito ontem no final da tarde. Várias gatinhas. Open bar. Com menos de cento e quarenta caracteres ele havia descrito a festa tão bem que dava pra imaginá-la em detalhes.

07:02 Alguém tem um tylenol? #Ressaca

Onde será que ele estava? Será que já estava no trabalho? Ou mandou a mensagem de casa? Ou da casa de alguém? Imaginou-o alcançando o celular de última geração em cima do criado mudo do quarto de motel e enviando a mensagem enquanto a garota tomava um banho. Muito melhor que numa baia apertada com a cara amassada de sono e a boca com gosto de café instantâneo. É isso aí, Ronaldo!

@

– Paiê! Mamãe mandou você largar o Twitter e vir jantar que já tá esfriando...

– Já vou, filho. Só um instantinho.

21:36 Acho que levei um bolo...

Não, cara, não desiste ainda. Você investiu tanto. Essa tá no papo. Ela atrasou só o que? Meia hora? Calma.

21:42 All by myself...

Paciência, cara. Não se desespera. Você acha que alguém com um nome como @FelinaFogosa ia resistir a seu charme? Tenha um pouco mais de auto confiança. Daqui a pouco ela aparece.

21:45 Opa, o interfone. Depois eu conto como foi. BRB.

– PAI!

– Tô indo, tô indo...

@

O vício cresceu tão rapidamente quanto sua produtividade caiu. Pra que se importar com contabilidade se ele podia estar bolando uma campanha revolucionária para um sabão em pó? Que interessava o resultado do jogo do Palmeiras? Ele era corintiano. Ou era palmeirense? Não, ele era palmeirense. E ele era corintiano. Péra, me perdi.

Ele tinha trocado de carro. Tinha se mudado recentemente. Solteiro convicto. Órfão de pai. Antenado. Falava de tecnologia com naturalidade. Era chamado para festas. Escrevia numa página sobre Design. Tocava violão. Fumava. Bebia sem medo do dia seguinte. Vivia com tamanha intensidade que fazia questão de compartilhar tudo com todos. E tinha certeza de uma coisa:

Todos o invejavam.

@

– Pai, que roupa é essa? E esse óculos?

– Não gostou? É o que tá se usado, não é?

– Até é, pai, mas sei lá... Em você ficou estranho.

– Ah, você tá por fora.

– Mãe?

– Não começa, Ronaldo.

@

– Pai, você levou o notebook pro banheiro?

– É só um instante, filha.

– Ai, que nojo! O que você está fazendo?

– Estou esperando o garçom trazer minha tequila pra brindar com a galera mais um cliente.

– Hã?

@

Em pouco tempo o diálogo ficou impossível. A esposa pensou em levá-lo a um psiquiatra. Já não tinha mais controle sobre o vício. E aquelas histórias todas? Quem ele achava que era?

@

A tela apagou. De repente. Ele gritou.

– Xi, acabou a luz.

– Bem na hora da minha novela?

– Que aconteceu?

– Acabou a luz...

– Ah não, justo agora?

– Que foi? Estava fazendo alguma coisa importante?

– Uma conferência sobre redes sociais em São Francisco. Estava quase na hora do coquetel de encerramento.

– Ai, meu Deus...

– Teu notebook tem bateria, não tem? Empresta ele pra mim, por favor?

– Que adianta, pai? Sem luz não tem internet. Calma, daqui a pouco volta.

– Daqui a pouco quando?

– Sei lá, ô! Saco! Vou pro meu quarto.

– Ronaldo...

– Não. É sério. Acabou a luz só aqui ou foi no prédio? Tem alguma LAN House aqui perto?

– Uma o que? Você está maluco? Senta. Se acalma. Cuidado com a mesa! Meu Deus Ronaldo, o que você está fazendo?

Ele a olhou como se não a reconhecesse.

– Eu... Eu não sei. Depois eu te digo. BRB.

– Bê erre... O que você está falando?

Mas a luz voltou.

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