30 dezembro 2009

Memórias de um Diálogo Reincidente

– Por que você é cabeludo?

Porque sim, oras.

– “Porque sim” não é resposta.

E qual é o problema?

– Problema nenhum. Só acho estranho um cara com mais de trinta e cabelo comprido.

Mais de trinta? Você está dizendo que cabelo comprido é coisa de moleque?

– E não é?

E que eu, mantendo o cabelo comprido, estou tentando parecer que faço parte de uma faixa etária que já não pertenço mais?

– Ou isso ou...

O quê?

– Ah, você sabe. Esquece.

Bicha?

– Isso.

Não sou. Mas não expulsaria o Mick Jagger de minha cama.

– Hã?

Referência. Hair. Sabe? A peça, o filme. Achei adequado. Esquece.

– Não assisti.

Imaginei.

– Então por quê?

Eu não queria falar nisso, mas... Minha religião não permite.

– E qual é a sua religião?

Sou ateu.

– Besta.

Tenho o cabelo comprido porque gosto. Só isso. Gosto mais de me olhar no espelho cabeludo do que de outro jeito. Pelo mesmo motivo que você.

– Vaidade?

Também. Mas não só isso.

– Dá pra perceber.

Como é?

– Teu cabelo não é... Como posso dizer? Dos mais bem cuidados, né?

Cuido o suficiente.

– Há controvérsias.

Tá, cuido pouco. Cuido mais que a maioria. Uso shampoo específico, passo cremes, máscaras...

– Vai no cabeleireiro?

Vou. De vez em quando. Pra cortar as pontas.

– Já pensou em fazer escova progressiva?

Aí já é exagero. No máximo uma hidratação. Mas eu tenho mania de prender o cabelo molhado.

– Tá explicado o frizz...

Né? É um saco. Quando vou escolher um shampoo levo no mínimo meia hora. Tem que ser uma marca boa. Tem que ser do tipo específico do meu cabelo. Tenho que ler as instruções, e sempre que leio as instruções eles me induzem a comprar toda a “linha de tratamento”. E eu vou lá e compro a porcaria da linha de tratamento inteira. Shampoo, condicionador, creme para pentear, creme pra passar de duas a três vezes na semana, creme pra passar uma vez por semana. Silicone pras pontas. Pente de madeira. Elástico sem junção de latão pra não quebrar os fios. E mesmo assim fica essa nuvem ressecada sobre minha cabeça.

– É o preço da vaidade. Tudo bem. Entendi. Agora...

O quê?

– E essa barba?

Não quero falar sobre isso.

– Mas...

Deixa minha barba em paz!

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