28 maio 2015

Planejando o Planejamento


Muito bem, se eu consegui te convencer, através da série de artigos sobre as estruturas básicas de um romance, que é importante realizar um planejamento prévio para a sua obra, imagino que você deva estar com a cabeça formigando neste momento, cheio de dúvidas. A principal delas deve ser:

"Como fazer meu planejamento de forma eficiente, de modo a não ser soterrado por informações?"
Há muitas técnicas e ferramentas para isso. Qual delas você vai escolher é uma decisão pessoal. Há quem anote tudo em um caderninho. Há quem forre a parede com post-it's. Há quem faça um catálogo repleto de fichas cartonadas. Há quem prefira usar um software dedicado como o Scrivener, Celtx ou yWriter. A escolha é sua.
O importante é que esse planejamento seja feito, e que seja organizado o suficiente para poder ser acessado, referenciado e alterado a qualquer momento durante a realização do livro. É nele que você se guiará quando for sentar para escrever. É a ele que você vai recorrer quando estiver empacado. Ele será seu porto seguro nos momentos de desespero e a pedra fundamental sobre a qual sua obra se sustentará.

Em meu livro "Scrum para Escritores" o planejamento prévio é essencial para o funcionamento da metodologia. Lá eu sugiro que seja criado um documento, chamado, obviamente, de "Documento de Planejamento", onde serão colocados todos os elementos estruturais básicos já especificados anteriormente, assim como o primeiro esboço da história que será escrita.

Para que possam compreender melhor, estou disponibilizando um modelo deste documento para download, com todos os elementos necessários e instruções de preenchimento. Este modelo funciona muito bem em conjunto com as práticas e técnicas explicadas no livro "Scrum para Escritores", mas nada impede que seja utilizado de forma independente.

Clique aqui para baixar o modelo de documento de planejamento de sua obra

Este é o método que eu uso em meu trabalho, e funciona muito bem para mim. Como eu disse, a maneira que você organizará seu planejamento é uma escolha pessoal. O importante é que seja feito, e que os elementos necessários para você realizar seu trabalho estejam contemplados.

Você vai ver que, fazendo o planejamento de forma meticulosa e ponderada, a realização de seu livro ficará muito mais simples, e as chances de você empacar ou perder o controle de sua história irão diminuir drasticamente. Faça uma experiência.




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26 maio 2015

Encerrando o Planejamento e Iniciando a Produção

E chegamos ao último artigo da série. Durante as últimas semanas discorremos sobre os elementos estruturais fundamentais de uma história, aprendemos a identificá-los, catalogá-los, e a melhor maneira de organizá-los, de modo a criar um planejamento eficiente para a sua obra. É hora de uma breve recapitulação.
Se você acompanhou toda a série até aqui, deverá ter em mãos os seguintes elementos básicos para a sua história:
  • TEMA: Algo que resuma a grosso modo o assunto principal de seu livro, sobre o que ele falará ao leitor. Este tema deverá permear toda a narrativa, mesmo que não seja explicitado. Deverá ter no máximo 2 ou três palavras, e ainda não deverá mencionar nenhum detalhe da trama. Ex.: Desilusão amorosa, vingança, intolerância, ganância, etc.
  • CONCEITO: Uma série de questionamentos e especulações que geram novos questionamentos, e que irão instigar a criação de uma história para que eles sejam respondidos Ex.: "E se o mundo fosse acabar amanhã?", "E se  descobríssemos a humanidade não passa de um experimento social alienígena?", etc.
  • PREMISSA: Um resumo do início de sua trama, apresentando o protagonista, o cenário e o primeiro ponto de virada. Ex.: "Soldado volta para casa depois da guerra e descobre que seu irmão gêmeo tomou seu lugar durante sua ausência, sem que sua esposa desconfiasse.", "Programador cria um algorítimo de inteligência artificial que foge do controle, e dá vida à internet.", etc.
  • PERSONAGENS: Primários (protagonistas e antagonistas), Secundários (coadjuvantes) e Terciários (de apoio). Pelo menos os primários devem estar bastante detalhados (tridimensionais).
  • ESTRUTURA: Uma trama de quatro atos, com a Apresentação (1º ato), a Resposta (2º ato), o Ataque (3º ato) e a Resolução (4º ato), todos bem delineados, com descrição dos pontos de virada, pontos de pressão, momentos-chave e encerramento.
Não é pouca coisa. Com todos esses elementos já é possível começar a redigir a sua história, com grandes chances de chegar até o final com um primeiro rascunho bastante decente. Ainda não há nenhuma garantia, mas você já tem mais chances de efetivamente terminar seu livro do que se tivesse optado pela alternativa intuitiva.

Uma coisa importante sobre o planejamento: ele não é, e nem deve ser, algo engessado, escrito em pedra. Seu planejamento deve ser uma linha de base, um guia inicial que irá mostrar o caminho que você tentará percorrer durante a realização de sua obra. Mas isso não significa que, caso algo excepcional ocorra no meio do processo, tudo não possa seja alterado. Coadjuvantes podem virar protagonistas. Personagens podem desaparecer e outros serem criados. Arcos dramáticos e subtramas, que pareciam boas ideias durante o planejamento, mas se mostraram fracos durante a execução, podem ser alterados de maneira radical, ou mesmo subtraídos. Até o tema pode mudar. Nada é definitivo, sobretudo em criação artística. A diferença é que você será muito mais capaz de identificar esses problemas - e alterá-los durante a execução - do que os escritores intuitivos, que precisarão passar por incontáveis revisões e reescritas do texto para o mesmo fim. É uma questão de eficiência. Isso de forma alguma depõe contra a realização de um planejamento prévio. Planejar uma obra é uma prática recomendável, que poderá auxiliá-lo na realização de seu livro em muito menos tempo que o considerado método "normal". 
Mesmo assim nada garante que você conseguirá terminar seu livro. Sim, você estabeleceu a linha-base (ou planta-baixa, ou blueprint, ou qualquer analogia de engenharia que queira aplicar) e sabe qual o caminho deverá percorrer, mas caso não siga um MÉTODO de trabalho, nada disso será útil. É preciso criar autodisciplina e ter muita perseverança. Planejar diminui o estresse durante o processo de redação de sua história, mas não o trabalho. E o trabalho DE VERDADE começa agora. Tudo o que fizemos até este momento foi estabelecer as diretrizes básicas que toda história deve conter. Elas são o suficiente para começarmos, mas mesmo com elas em mãos ainda existem muitas chances de fracasso escondidas nos cantos. Sem um método claro e bem definido de trabalho, ainda corremos o risco  de naufragarmos nessa tarefa hercúlea que é escrever um livro.

Mas como evitar isso?
CALMA, CARA!
Há alguns anos tive acesso a uma metodologia de desenvolvimento de projetos chamada Scrum. E o que é o Scrum? Scrum é uma metodologia ágil, muito utilizada para o desenvolvimento de produtos complexos, e que está revolucionando o conceito de gerenciamento de projetos no ambiente corporativo, sendo usada com alto grau de sucesso em desenvolvimento de software. Mas isso não impede que seja utilizada em outras áreas, especialmente em projetos criativos. Longe (mas muito longe!) de ser uma mera formalização, o Scrum estabelece uma série de técnicas e práticas cujos objetivos são "empurrar" você na direção de sua meta, seja ela um programa de computador ou escrever um livro.

Estou chegando lá.
Tendo utilizado o Scrum (e me certificado como Scrum Master pela Scrum Alliance) no desenvolvimento de diversos projetos, sou testemunha da eficiência deste método. Hoje é possível prever com alto grau de confiabilidade quanto tempo determinado projeto levará, qual o esforço necessário, sem demandar sacrifícios insanos da equipe ou tirar deles o prazer da criação.

Foi quando percebi que, caso fosse adaptado da maneira correta, o Scrum poderia ser utilizado de forma bastante eficiente no exercício da criação literária. E foi exatamente isso o que eu fiz. Munido tanto de meu conhecimento dos elementos narrativos (que expus nessa série de artigos) quanto de minha experiência de mais de 15 anos em projetos de desenvolvimento de software, escrevi um livro chamado Scrum para Escritores, que está disponível em format e-book Kindle a partir de hoje na Amazon, e que você pode adquirir clicando AQUI.

Utilizando todos os conhecimentos sobre estrutura narrativa aqui apresentados, em conjunto com técnicas e práticas ágeis do Scrum, a tarefa de escrever um livro será muito menos um sacrifício, e muito mais um prazer, levando uma fração do tempo necessário (em comparação com o método intuitivo) e reduzindo drasticamente a quantidade de revisões e reescrituras necessárias para alcançar uma obra do jeito que você planejou.

Neste livro você aprenderá:
  • O que é Scrum e como ele pode ajudá-lo(a) a escrever seu livro;
  • Como planejar e organizar a sua produção, impedindo bloqueios e atrasos desnecessários;
  • Técnicas e práticas que irão auxiliá-lo(a) na criação de seu livro, mas sem abrir mão do prazer e da satisfação, essenciais para qualquer produção artística;
  • Terminar sua história de maneira coerente e, sobretudo, publicável;
  • Como preparar seu original para ser apresentada para editoras de forma profissional, aumentando suas chances de publicação.
Sei que muitos de vocês torcem o nariz quando sugerimos a aplicação de metodologias para a criação artística, com medo de engessar a produção e cair no arcabouço de obras formulaicas e pouco originais, mas eu afirmo que isso não pode estar mais distante da realidade. Como eu demonstrei nos artigos dessa série, mesmo a história mais original do mundo ainda dispõe dos mesmos elementos estruturais básicos, e é a perfeita coordenação destes elementos que os transformam em uma obra potencialmente inesquecível. Aplicar uma metodologia não significa que esses elementos serão utilizados sempre da mesma maneira, apenas que eles DEVERÃO ser utilizados, e até mesmo subvertidos, transformados ou evoluídos se for o caso. Aplicar uma metodologia ao processo criativo não irá tolher sua criatividade, apenas direcioná-la para o que realmente interessa, que é criar uma história espetacular, que sobreviverá ao teste do tempo.

Então por que não dar uma chance? Garanto que você não vai se arrepender.

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E com esse anúncio esta série chega ao fim, mas seu trabalho está apenas começando. Caso tenha alguma dúvida ou sugestão, sejo com relação à estruturas narrativas ou mesmo sobre o Scrum, poste um comentário aqui embaixo. Ou mande uma mensagem por e-mail, Facebook ou Twitter. Prometo que tentarei responder a todos.

Um grande abraço!


Este artigo é o décimo primeiro de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui, o sétimo aqui, o oitavo aqui, o nono aqui e o décimo aqui.



22 maio 2015

O Quarto Ato: A Resolução

Encerrar uma história nunca é fácil. Se a maioria dos iniciantes costuma patinar logo no Primeiro Ato, tanto eles quanto escritores mais experientes sofrem na hora de dar um ponto final para a sua trama. Há muitas variáveis em jogo, muitas possibilidades para errar, muitas tentações que surgem na ansiedade de finalizar aquele trabalho que te ocupou pelos últimos meses ou anos. Daí surgem resoluções fáceis, preguiçosas, incoerentes e, em grande parte, insatisfatórias.
Meh...
Este é um grande pecado. Um final nunca deve ser insatisfatório. Na verdade ele precisa ser NO MÍNIMO satisfatório. Claro que sempre miramos alto, sempre queremos que nossos finais sejam bombásticos, impressionantes, inesquecíveis, etc. Mas, para alcançarmos esse grau, é essencial que ele seja, de novo, no mínimo satisfatório ao leitor.

E o que é um final satisfatório? O mocinho derrota o bandido, beija a mocinha e juntos cavalgam na direção do sol poente? Pode ser. Mas também pode ser uma reviravolta que subverte todas as expectativas criadas nos atos anteriores. Pode ser o trágico sacrifício final do protagonista. Um final satisfatório não precisa ser necessariamente um final feliz. Pode ser que a resolução gere implicações catastróficas. Pode até ser que o antagonista vença.
Na verdade, não importa como sua história irá terminar. O que importa é que, quando o leitor fechar seu livro pela última vez, ele deverá levar sua história com ele para sempre. Pode ser na forma de um questionamento incitante, uma nova ideia ou uma memória afetiva pelos personagens e/ou trama. Qualquer sentimento que não seja indiferença. Pode ser até mesmo raiva, desde que seja pelo que aconteceu na história, não de você. Algo precisa permanecer com ele após a leitura. É essa a satisfação que ele estava buscando quando começou o livro, e prover esse sentimento é sua responsabilidade. Não fuja dela.
E como conseguir esse efeito no ato de encerramento? Bom, alguns elementos precisam se fazer presentes:

  • Encerramento do arco dramático do protagonista: Esse é essencial. O protagonista deverá sair da história diferente de como entrou. Ele deverá aprender algo, evoluir. Deverá enfrentar os demônios interiores e exteriores e superá-los de alguma maneira. Mesmo que no final o mundo esteja salvo e todos retornem à vida "normal" antes da crise, ele deverá sair modificado. Se a série de eventos narrados pelo livro não causou um grande impacto na vida do protagonista, como você espera que irá impactar na do leitor?
  • Encerramento da trama principal: O drama principal deve ser resolvido, para o bem ou para o mal. Não importa se seu livro terá continuações ou fará parte de uma decalogia. A trama principal daquele volume deverá ser resolvida, mesmo que essa resolução impacte nos próximos livros. Aliás, se este for o caso, é importante que isso ocorra. 
  • Exposição do Tema: Lembra-se quando falamos sobre o Tema da história? É neste ponto que ele se fará mais presente (mesmo tendo permeado toda a trama). É aqui que o leitor deverá ser tocado pela mensagem implícita em sua história, compreender a consequência de certo raciocínio ou ação. Não precisa ser algo explícito, mas precisa ser sentido de alguma maneira. Esse talvez seja o ponto mais importante a ser levado em conta.

Só tudo isso. Como eu disse, não é uma tarefa fácil. A boa notícia é que, como ainda estamos fazendo o planejamento da obra, sabemos o que precisamos fazer. Olhe para trás por um instante e veja tudo o que você tem à sua disposição: Você tem um Tema, um Conceito, uma Premissa, Personagens tridimensionais e uma Estrutura bem definida, com um Primeiro Ato sólido, um Segundo Ato dramático e um Terceiro Ato poderoso. Tudo isso irá tornar a sua tarefa de encontrar o final perfeito um pouco mais fácil.
Mas ainda há diversas armadilhas a se evitar nesse processo. Todo cuidado é pouco. Então, quando estiver delineando o encerramento de sua história, preste atenção para evitar alguns erros comuns nessa fase:

  • Deus ex machina: Esse é o mais conhecido, mas mesmo assim muitas vezes acabamos encontrando em diversas histórias. Evite soluções que não foram apresentadas ou mesmo prenunciadas nos atos anteriores. Não introduza novos personagens ou elementos neste momento. A solução deve estar permeada na trama, só se fazendo clara no momento crucial. Se você não sabe como resolver o arco dramático principal, é porque precisa voltar e repensar toda sua história.
  • Protagonista como "mera testemunha": Esse é mortal. Seu protagonista não deve apenas fazer parte da solução do conflito, ele deve ser a parte essencial. Caso contrário ele não será o protagonista. Serão suas ações, atitudes e ideias que irão encerrar a história. E ele não deve de maneira alguma ser resgatado. Se alguém resgata alguém aqui é ele. Não enfraqueça seu personagem logo no momento culminante de sua história. Você preparou todo o palco para aquele momento. Permita que ele brilhe.
  • Soluções "mágicas" (note as aspas) ou incoerentes: Sua história não precisa seguir a lógica do mundo real, mas precisa ter uma lógica interna. Se em seu mundo dois mais dois é igual a cinco, o resultado não pode ser quatro no ato final apenas "porque sim". A resolução precisa fazer sentido, e deve ser o resultado das ações e reações dos personagens. Do contrário você somente atirará no lixo tudo o que veio antes deste final. Invalidará toda a luta do protagonista, diluirá todo o drama e destruirá tudo o que foi construído até então. Nada desrespeita mais o seu leitor do que isso.

Outra coisa importante: você não precisa atar todas as pontas soltas de sua trama, apenas as principais. Isso é importante especialmente caso seu livro venha a ter uma continuação ou faça parte de uma saga. Você pode deixar algumas perguntas sem resposta, desde que isso não invalide a resolução principal. Essas pontas podem criar um questionamento interessante, um "E se..." no canto do cérebro do leitor, que irá assombrá-lo por muito tempo.

E finais abertos. Eu adoro, mas é algo que precisa ser feito com muito cuidado. Existe um abismo entre um final aberto e uma história sem final. Sua história PRECISA terminar. Um final aberto deve ser uma consequência posterior à resolução da trama principal, que não será narrada. Um imenso "E agora?" pulsando na cabeça de seu leitor. Pode ser um gancho para uma continuação, mas não precisa ser necessariamente isso. Pode ser a compreensão das consequências da resolução no futuro dos personagens, ou mesmo do mundo no qual a história está inserida. Um final aberto deve ser um questionamento sem uma resposta simples, que permanecerá após o ponto final. Quando bem feito o resultado é espetacular. Caso contrário, de novo, só gerará frustração.
Ufa! Como eu disse, não é fácil. Mas, se você acompanhou todo o processo, desde sua concepção até aqui, tenho certeza que o trabalho será menos doloroso e as chances de sucesso maiores. Não há nenhuma garantia, é claro, mas você já tem os subsídios mínimos necessários para começar a efetivamente redigir sua história. Você já sabe o caminho que irá percorrer, já planejou cada elemento. Com quase certeza haverá surpresas e mudanças de rumo, mas a diferença é que você agora sabe o que mudar, e por quê.

No próximo artigo irei explicar como organizar todas essas informações de maneira coerente, criando um guia que irá acompanhar todo o processo criativo, justificando todo esse trabalho prévio e auxiliando na realização desta tarefa maravilhosa que é criar uma história. Estamos na reta final do planejamento, mas apenas começando a jornada da criação. Não esmoreça agora.

Até lá.


Este artigo é o décimo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui, o sétimo aqui, o oitavo aqui e o nono aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

20 maio 2015

O Terceiro Ato: O Ataque

Chega.

Seu protagonista já sofreu o suficiente. Chegou no seu limite. Se passar desse ponto e não houver uma nesga sequer de esperança, ele vai quebrar. Vai enlouquecer. Vai desistir. E com ele, sua história. Algo deve acontecer no Ponto Intermediário, que encerra o Segundo Ato, que promoverá uma mudança em sua atitude. Pode ser uma nova informação importante, o descobrimento de uma arma especial, ou até mesmo uma epifania. Mas é preciso dar algo para que ele consiga se reerguer. Que possa voltar a lutar. Sair da defensiva e partir para o ataque.

Isso significa o fim de seu sofrimento? Claro que não. Ainda haverá dor, sacrifício e desespero pela frente. A diferença é que agora o protagonista não está apenas respondendo aos dramas que são atirados em sua direção. Agora ele está agindo, lutando pela resolução da trama, para encerrar a jornada de uma vez por todas, para o bem ou para o mal. Não será um caminho fácil. O antagonista irá sempre tentar reverter a situação, e na maioria das vezes será bem sucedido em seu intento. Mas o protagonista já saiu das cordas e há uma esperança, por menor que seja, de virar o jogo.
A diferença clara entre o segundo e o terceiro ato é postural. No segundo ato seu protagonista é apenas humano, reagindo e respondendo aos problemas e tragédias que são atirados em seu caminho. No terceiro ato ele deixa de ser um mero espectador e se torna um agente modificador da trama. Suas escolhas e atitudes devem refletir isso. Ele pode até morrer no processo, mas não será uma vítima. Ele será um herói.
Quando digo um "herói", não é no sentido cartunesco do arquétipo. Pode até ser, mas não se limita a essa definição. Ele não precisa ser um super-herói. Nem mesmo um herói para a humanidade. Talvez não seja um herói para ninguém além de si mesmo. Mas ele precisa ser um herói para a sua trama, para a jornada que está inserido, seja ela qual for. Um protagonista não pode ser uma mera testemunha. Ele deve ser o responsável direto pela resolução da trama, que ocorrerá no próximo ato. E para isso deverá superar seus próprios medos, traumas, demônios interiores, além de todas as dificuldades que são atiradas contra ele.

E haverá dificuldades. Aproximadamente no meio do terceiro ato deverá acontecer o Segundo Ponto de Pressão. Da mesma maneira que o primeiro, no ato anterior, algum evento acontecerá que irá relembrá-lo da presença do antagonista, e o que está em jogo no caso de uma derrota definitiva. Mas, diferente do primeiro ponto, que é uma fonte de desespero, desta vez essa pressão deverá motivá-lo. A água está batendo na sua bunda. Não há mais tempo para dúvidas. É hora de agir.

E perder novamente.
Neste momento pode acontecer o que eu chamo de uma cena "Tudo está perdido" (ou, em bom latim: "Fodeu, galera!"). Os planos deverão ser frustrados pelo antagonista, aparentemente eliminando toda e qualquer esperança de resolução.  Nada mais resta além do desespero. Todas as tentativas anteriores deram com os burros n'água. A derrota final é inevitável. Vamos todos morrer. Me abraça.
MAS (e sempre tem um "mas"), caso você tenha feito direitinho sua lição de casa, terá espalhado pistas por todo os atos anteriores. Pistas de uma resolução para aquele problema aparentemente insolúvel. Pistas que, combinadas, criam um fiapo mínimo de esperança. Um último torpedo, disparado por um fazendeiro que costumava caçar ratos Womp na juventude em Tatooine, e treinado por um velho cavaleiro Jedi, que deverá acertar uma saída de exaustão de apenas dois metros de diâmetro e detonar a Estrela da Morte. Um plano insano, improvável, contra todas as probabilidades de sucesso. Mas também a última esperança. É em torno deste plano que ele deverá juntar suas últimas forças, jogar suas últimas fichas. Deverá juntar toda informação relevante que puder, cada artefato ou aliado que tiver disponível. É tudo ou nada.
Esse plano desesperado deverá se tornar claro no Segundo Ponto de Virada, onde algum evento ocorrerá e dará ao protagonista os subsídios para sua execução. É a última chance de inserir algum fator importante à trama, uma informação relevante ou mesmo algum elemento novo. O ideal é que este novo elemento surja em consequência dos outros apresentados anteriormente, ou que seja uma soma deles.

Este ponto irá encerrar o terceiro ato e pavimentar o caminho para o quarto e último ato: a Resolução.

Mas isso é assunto pro próximo artigo.

Até lá.


Este artigo é o nono de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui, o sétimo aqui e o oitavo aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

18 maio 2015

O Segundo Ato: A Resposta


É hora de falarmos sobre sofrimento.

Sofrimento de seu personagem, não o seu, bem entendido. E, como consequência, sofrimento para o seu leitor. É hora de sujar as as mãos. De vestir o chapéu do sádico e distribuir bordoadas.
Se você foi bem sucedido(a) na construção do Primeiro Ato, seu leitor sabe quem é o protagonista (ou protagonistas), por quê deve torcer por ele, onde a história se passa, o que está em jogo, culminando no Primeiro Ponto de Virada, onde um evento importante ocorre e coloca a trama nos trilhos. Agora não há mais volta. Algo precisa ser feito. Tudo o mais é relegado a segundo plano. O protagonista precisa agir.

E fracassar. De preferência da maneira mais cruel e trágica possível.
Na vida real somos confrontados com decisões todos os dias. Algumas importantes, decisivas. Outras nem tanto. E somos obrigados a conviver com as consequências dessas decisões. Não há savegame nem checkpoint a qual recorrer no caso de uma catástrofe. Raramente alguma decisão equivocada pode ser revertida. Precisamos responder a essas mudanças de rumos.

E como respondemos quando somos confrontados com um evento importante? Geralmente o primeiro impulso é se retrair. Dar um passo para trás, analisar a situação, recolher informações. Precisamos de subsídios para tomar uma decisão a respeito do próximo passo. E é isso que seu personagem, como simulacro verossímil de um ser humano, deve fazer. Não é hora de heroísmos ainda. Se uma pessoa aleatória vem e te dá um tapa na cara, sua primeira ação é se surpreender. Depois vai tentar compreender o porque você foi agredido. Quem é aquela pessoa? Por quê ela te agrediu? Será que eu mereci esse tapa? Como devo agir de modo a evitar que eu leve novos tapas daqui pra frente?
Essa é a essência do segundo ato. Algo aconteceu no Primeiro Ponto de Virada. Algo importante, crucial. Algo que não pode ser ignorado, e o protagonista precisa lidar com isso. Lidar como? Ele ainda não sabe. Ele pode até saber quem é o responsável, mas ainda não compreende totalmente as suas motivações, nem sabe ao certo como resolver essa situação. Precisa de mais informações. Mas para conseguir essas informações, precisa garantir que continue no jogo. Para isso precisa se retrair, se reagrupar. Ele pode até tentar uma atitude desesperada (ou intuitiva) com o objetivo de resolver aquele problema, mas irá fracassar. Pelo bem de sua história, ele DEVERÁ fracassar. Até porque se sua tentativa funcionar, o antagonista é derrotado e a história acaba.
Não, ainda é muito cedo. Seu protagonista precisa sofrer. Ele precisa chegar ao fundo do poço, mas deverá cair aos poucos. E toda e qualquer tentativa de resolver seu problema apenas agravará a situação, o afastará ainda mais da resolução. Cada elemento da trama, cada nova informação relevante, servirá apenas para aumentar seu desespero. E é nesse desespero que irão aflorar seus medos, seus traumas, seus demônios interiores. É neste momento que conheceremos a fundo os personagens. Quem eles realmente são.

Mas não podemos esquecer de nosso antagonista (ou força antagonista). Sua história deverá correr paralelamente à do protagonista. Seu plano aos pouco deverá se revelar. E ele, em perfeito contraponto, deverá ser bem sucedido. Haverá um momento, aproximadamente no meio do segundo ato, onde uma vitória sua se tornará o Primeiro Ponto de Pressão para o protagonista. Já sabemos o que está em jogo, e o protagonista não está conseguindo resolver a sequência de eventos que surgem depois do Primeiro Ponto de Virada. Eis que, de repente, tudo piora. O antagonista se aproxima cada vez mais de seu objetivo, e há consequências diretas para o protagonista. Podem ser trágicas, podem ser estratégicas, mas precisam existir. Se antes as coisas estavam ruins, agora estão desesperadoras.
Uma coisa importante precisa ser dita: todo e qualquer sofrimento que você atirar em seu protagonista deve ter um motivo, um contexto inerente à trama ou à construção dos personagens. Qualquer forma de sofrimento deve mover a trama para frente, seja acrescentando uma nova camada de drama, seja apenas criando uma nova motivação aos envolvidos. Criar sofrimento apenas como fetiche, gratuito e desnecessário (ou seja, que não impulsiona a trama de alguma maneira), é apenas torture porn. Sensacionalismo barato. Mesmo que determinada cena possa até parecer gratuita, ela deve gerar consequências, deve fazer sentido no plano geral da história. Caso contrário, é descartável. Lembre-se: estamos fazendo o planejamento justamente para evitar esse tipo de coisa. Preste atenção.
Tudo isso culminará no Ponto Intermediário da trama. A grosso modo, no meio do livro. O Ponto Intermediário é bastante semelhante a um Ponto de Virada: algo ocorre - um novo evento, uma nova informação, uma epifania - e, de repente, todo o jogo muda novamente. Mas, desta vez, é algo aparentemente positivo, pelo menos para o protagonista. Surge uma luz no fim do túnel. Uma nesga de esperança, por mais ínfima e improvável que possa parecer. Mas esse evento se abrirá em um novo caminho - talvez uma resolução - para a trama. Deste momento em diante seu protagonista saberá o que precisa ser feito para resolver seu problema. Talvez até delineará seu plano.

É hora de parar de ser um mero humano, apenas respondendo aos empecilhos da vida, e se tornar um Herói, alguém dono de seu destino, alguém capaz de, por bem ou por mal, derrotar seu antagonista de uma vez por todas.

É hora do Terceiro Ato: O Ataque.

Mas isso fica para o próximo artigo.

Até lá.


Este artigo é o oitavo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui, o sexto aqui e o sétimo aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

12 maio 2015

O Primeiro Ato: A Apresentação


Imagine que você tenha uma banda, e que está prestes a entrar no palco. Não é um show só seu. Você foi contratado para animar uma casa noturna. As pessoas estão ali para se divertir, não para vê-lo. Ninguém te conhece, não sabem se você é um puta músico ou apenas um medíocre dedilhador de notas. Eles estão dispostos a gostar de você, mas você precisa cumprir suas expectativas, ou mesmo superá-las, de modo a que eles saiam de suas mesas e lotem a pista. É preciso ganhá-los logo de cara, caso contrário o show será um fracasso, independente de sua capacidade musical. É preciso chegar chutando a porta. Não comece com uma balada melancólica. Não diga "Oi, nós somos...". Dispare um acorde aberto e mande o baterista marretar as peles.

É assim que uma história deve começar: agarrando o leitor pelo pescoço e arrancando seu fôlego. O grande erro da maioria dos iniciantes é demorar muito para chegar na trama, se perder em explicações, descrições e ambientações por páginas e páginas durante o primeiro ato. Aí, quando finalmente o protagonista entra na história que interessa e a trama pode fluir, você já perdeu grande parte de seu público. Não enrole. Seus leitores vieram. eles estão propensos a gostar de sua história. Não perca essa chance. Jogue-os sem piedade dentro da trama logo nas primeiras páginas. Depois você pode diminuir o tom, deixá-los respirar, explicar com calma o que está acontecendo. Mas quando esse momento chegar eles já estarão fisgados, e irão caminhar ao lado de seu protagonista até o final.

Essa é a função primordial do primeiro ato. Tudo o que você fizer terá esse objetivo. Você não terá uma segunda chance. Se até a décima página o seu leitor não estiver minimamente intrigado com sua história, ele irá abandoná-la. Pense como um leitor por um instante, e me responda: quantos livros você já abandonou logo no início porque a história simplesmente não engrenava? Você pode até se esforçar, dar mais uma chance, mas se até o final do primeiro quarto da história nada relevante acontecer, as chances de você abandonar o livro aumentarão exponencialmente.

São três coisas que precisam ser apresentadas ao leitor logo no primeiro ato: o Protagonista, a Ambientação e a Premissa. Ao final dos primeiros 25% da história eles precisam saber pra quem irão torcer, onde a trama se desenvolverá e, mais importante de tudo, sobre o quê é essa história. Esses termos não são negociáveis. Caso você falhe em entregar esses elementos logo no início, sua história naufragará e seus leitores a abandonarão. Não enrole. Não arraste sua trama. Apresente seu protagonista e seu objetivo logo que puder. Contextualize o quanto for necessário, mas não perca muito tempo tentando explicar toda a vida de cada personagem antes de entrar no que realmente interessa. Você terá tempo para se aprofundar depois. Lembre-se: "Quem?", "Onde?" e "O quê?". São essas as perguntas que precisam ser respondidas logo no início. Está anotando?
A soma destes elementos irá criar o GANCHO de sua história. Sem um bom gancho, seu leitor poderá escapar, então é essencial que você defina como será esse gancho durante seu planejamento. Apresente seu protagonista, sugira seus demônios interiores, seus objetivos individuais (mas de forma orgânica, sem cair no didatismo), em qual realidade ele está inserido e o que está em jogo caso ele fracasse. Tudo isso já deve estar no tabuleiro quando o Primeiro Ponto de Virada (Plot Point) chegar, marcando o final do primeiro ato. Se tudo for feito de maneira correta, quando seu leitor chegar a este ponto, ele já estará fisgado e não terá mais como escapar.
Para conseguir esse efeito, é preciso que seu primeiro ato disponha de algumas cenas chave:

  • Cena de Abertura: É quando seu protagonista deve ser apresentado. Ele não precisa aparecer, mas precisa ser ao menos mencionado. Sua presença deve ser sentida, e ele deve deixar já a sua primeira impressão. Quem é ele(a)? Como ele(a) é? Por quê ele(a) é importante? Por que devemos torcer por ele(a)?
  • Gancho Inicial: Algo já deve prenunciar o que acontecerá nos próximos atos. O antagonista (ou força antagonista) já deve dar sinais de sua influência, mesmo que apenas indiretamente. É aqui que a Premissa deve surgir. Não entregue o ouro ainda, mas mostre que haverá algo reluzente mais pra frente.
  • Incidente Incitante: Esse é opcional, mas sempre ajuda. Um evento que dará pistas do que acontecerá no Primeiro Ponto de Virada. Uma sugestão que prenuncia o conflito que se seguirá. Um incidente Incitante é sempre bom para reforçar ao leitor o que está em jogo.
  • Primeiro Ponto de Virada: É onde a trama realmente engrena. Algo importante deve acontecer, e esse evento irá virar a vida do protagonista de cabeça para baixo. Ele precisará sair de sua zona de conforto e lidar com esse problema. Não interessa o que ele quer fazer, mas sim o que ele precisa fazer. Tudo mais passará a ser secundário depois desse ponto. O drama foi inserido, o conflito apresentado, e algo precisa ser feito. Caso contrário, as consequências serão catastróficas.
De novo, esse primeiro ato não deve ultrapassar 25% de sua história. Caso dure mais do que isso sua trama irá se arrastar. Se for mais curta, será muito corrida. Seu primeiro ato será a base na qual toda sua trama será construída. Ele deve ser sólido e consistente. Planeje-o com cuidado. Adicione os elementos necessários, mas tome cuidado para não exagerar. Não se perca em detalhes e em descrições. Conflitos internos ou detalhes importantes da história pregressa dos personagens deverão ser explorados mais a fundo no segundo e no terceiro ato. Mas largue algumas pistas pelo caminho, algo que instigue a curiosidade. Você sabe para onde está indo. Agarre seu leitor pelo pescoço e guie-o por este caminho.
Mas não exagere!
No próximo artigo falaremos sobre o segundo ato, ou a Resposta do protagonista ao Primeiro Ponto de Virada. É aí que o bicho realmente pega.

Até lá.



Este artigo é o sétimo de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui e o sexto aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

08 maio 2015

A Essência da Estrutura


O que faz uma história funcionar?

Não estou (ainda) entrando no mérito da qualidade do texto, mas dos requisitos mínimos que transformam esse texto em uma história. Que ingredientes são necessários? Em qual quantidade? E em qual ordem devem ser colocados (ou apresentados) de modo a se transformar em uma história coerente e compreensível, quiçá apreciável?

Qualquer cozinheiro sabe que não basta juntar todos os ingredientes em um caldeirão e esquentar em fogo alto. Pode dar certo? Pode. Mas as chances são mínimas. É preciso atentar a cada detalhe, saber a hora certa de adicionar cada tempero, o tempo de cozimento, a temperatura necessária, a hora de parar.
O que fizemos até agora foi separar os ingredientes da história: Tema, Conceito, Premissa e Personagens. Todos esses elementos são essenciais, mas é preciso saber quando e onde usar cada um deles. Não basta pegar tudo isso e jogar dentro de uma página em branco para, como num toque de mágica, a história surgir. Não interessa o quão bom seja o Tema, o quão instigante seja o Conceito, o quão sedutora seja a Premissa e o quanto seus Personagens sejam bem construídos. Sem uma receita, um plano inicial, simplesmente não vai dar certo. Sua "história" não passará de uma colagem incoerente e ilegível de elementos desconexos, sem forma ou sentido.
Vamos fazer um exercício mental. Imagine que eu te dê uma pilha sortida de Legos. Você sabe, aqueles tijolinhos dinamarqueses que todo mundo já brincou pelo menos uma vez na vida. Dizem que é possível construir qualquer coisa com eles, então vamos colocar isso à prova. Toma, uma pilha de legos pra você:
Agora eu quero que você pegue essa pilha de legos e construa um Darth Vader, como esse aqui:
Vamos precisar de mais peças pretas...
Eu garanto a você que, fora a lâmina do sabre de luz, todo o resto foi feito juntando bloquinhos de lego, iguais àqueles da pilha que eu te dei. Estruturalmente são os mesmos elementos. Você acha que consegue fazer isso?

Não, não é uma comparação exagerada. É a diferença entre um aglomerado de elementos narrativos e uma história. E o objetivo aqui é escrever uma história, não é? É construir algo que faça sentido a algum receptor. Histórias, tal qual estátuas de Lego, necessitam de um plano para serem realizadas. Quantas peças serão necessárias, de quais cores, em que ordem serão montadas?

De novo, dá pra fazer isso na louca, intuitivamente? Dá. Mas as chances de fracasso são muito maiores que de sucesso. E o trabalho será muito maior, para um resultado que, no final, pode ser apenas razoável (artistas têm a tendência à auto-condescendência quando perdidos). E não queremos isso, queremos?
Então necessitamos de um plano. Algo que sustente todos os elementos e dê sentido a cada uma delas. Precisamos de uma estrutura para a história.

Você provavelmente já ouviu falar da famosa Estrutura de Três Atos, defendida pelo roteirista Syd Field. Apresentação, Confronto e Resolução. Toda história que pode ser definida assim possui estes elementos básicos. Joseph Campbell detalhou uma estrutura mais complexa em sua Jornada do Herói. Essas são estruturas conhecidas e que já comprovaram que funcionam. Você pode tentar inovar o quanto quiser em termos narrativos, mas no fundo o resultado será o mesmo. Mesmo histórias como Amnésia ou Irreversível, que são contadas do fim para o começo, ou narrativas não lineares como Matadouro 5 ou Pulp fiction, acabam caindo neste arcabouço. Não há como fugir.
Larry Brooks, em seu livro Story Engineering, sugere uma expansão da estrutura tradicional de três atos. Para ele, o segundo ato (Confronto) precisa ser dividido em dois: A Resposta e Ataque. Essa divisão, como veremos a seguir, faz todo o sentido, então vamos adotá-la. Assim, temos quatro atos básicos (Apresentação, Resposta, Ataque, Resolução) e cada ato é pontuado por pontos de virada (ou Plot Points), pontos de pressão, ganchos, incidentes incitantes e momentos que adicionam o tempero necessário para que a trama evolua. Em resumo:

  • Apresentação: Quando o protagonista, coadjuvantes e cenário são apresentados. Há um prenúncio da trama e do conflito que ocorrerá nos próximos atos, e o leitor descobre o que está em jogo (o destino da humanidade, a vida de um ente querido, a sanidade do protagonista, etc.). Deve estar presente um gancho que irá prender sua atenção logo no começo. Pode ser um incidente incitante, que já começa a mostrar sobre o que a história tratará. Termina no primeiro ponto de virada (Plot Point), que é o ponto sem retorno para a trama. Agora a história começou de verdade, e os personagens terão que fazer alguma coisa a respeito.
  • Resposta: Mas fazer o quê? Tudo que aconteceu no primeiro ato serviu para tirar o protagonista de sua zona de conforto (lembre-se da Jornada do Herói) e ele (ou ela, ou eles) agora precisa reagir. E fracassar. O antagonista (ou a força antagonista) agora deve estar bem claro, e as consequências do fracasso devem se fazer presentes. Novos elementos deverão ser apresentados, e o conflito deve crescer até o limite da ruptura emocional. Pode-se adicionar um ponto de pressão, que aumenta as apostas e cria um novo grau de desespero. No ponto central da história o todas as peças devem estar no tabuleiro. Agora só há um lugar pra correr.
  • Ataque: O protagonista sabe o que precisa ser feito. E o fará. Ele, pela primeira vez na história, pega nas rédeas da situação. Ele tem um plano. Para de simplesmente reagir e parte para o ataque, disposto a resolver esse conflito de uma vez por todas. Ele pode ou não ser bem sucedido em seu intento, não importa. Pode-se adicionar aqui um novo ponto de pressão, ou mesmo um momento "Tudo está perdido", que aumentará o drama. Elementos chave, prenunciados nos dois primeiros atos, poderão mostrar sua influência, ou mesmo levar a novos elementos. Esse ato terminará no segundo ponto de virada, onde serão avaliados os sucessos e fracassos do plano do protagonista e do antagonista, deixando a ambos poucas opções. É o momento que conduzirá a história a seu inevitável clímax.
  • Resolução: A trama precisa se resolver, para o bem ou para o mal. Planos e ações deverão chegar a um resultado. Todas as peças estão no jogo, e nenhum elemento novo poderá ser adicionado. Pontas soltas devem ser atadas, tramas resolvidas e a história deverá chegar a um inevitável fim.
É importante perceber que, sem uma estrutura sólida, sua história não vai funcionar. Você pode escolher o modo que quer contar a história, adicionar atos ou elementos novos, mas não pode negligenciar pelo menos esses pontos essenciais. Retire qualquer um deles e sua trama desabará. Ela nem poderá ser considerada uma história, pra princípio de conversa. 
Então, antes de começar a escrever os capítulos, escreva o plano inicial. Defina o que irá acontecer em cada ato, quais serão os pontos chave da trama, como ela começa, como se desenvolve e como termina. Nada impede que você mude tudo isso durante a execução, mas é essencial saber para onde vai antes de começar a andar.

Nos próximos artigos irei detalhar cada ato individualmente, bem como explicar com mais calma cada um dos pontos chave, de modo a criar um plano básico para a sua obra.

Até lá.



Este artigo é o sexto de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui e o quinto aqui. Continuem ligados para ler os próximos. 

04 maio 2015

O Interrogatório Interior


Por favor, sente-se. Fique à vontade. Quer uma água, um café, um refrigerante?  Um bourbon duplo com soda?

- Não, eu... Cara, onde eu estou? Quem é você?

Eu faço as perguntas, se você não se importar. Quem eu sou e onde estamos não é relevante. Não estamos aqui para falar de mim, mas de você. Estamos aqui para nos conhecer um pouco melhor. Quer dizer, pra eu conhecê-lo um pouco melhor. Muito melhor. Na verdade estamos aqui para conhecê-lo a fundo.

- Eu estou sendo acusado de alguma coisa?

Está? Não sei, você me diz. Você já cometeu algum crime? Algo que tenha se arrependido?

- Eu quero um advogado.

Sem advogados. Sem intermediários. Somos apenas eu e você aqui, e é assim que vai ser. Vou te fazer uma série de perguntas e você vai respondê-las com toda a sinceridade. Como se sua vida dependesse disso. Porque ela depende, pode acreditar.

- O que você quer saber?

Quero saber tudo. Cada detalhe sórdido, cada trauma, mesmo que pareça irrelevante. Cada mania, cada trejeito, cada história que você testemunhou ou vivenciou.

- E por que eu faria isso?

Porque você não tem escolha. Porque você ainda não existe. Só existirá depois que responder às minhas perguntas. Até lá você será apenas um esboço, um conceito abstrato. Serão suas respostas que irão justificar sua existência, e irão determinar como será sua vida a partir de então. Desse modo, sugiro que você sente, relaxe e me conte tudo o que eu quero saber, tudo o que eu preciso saber. Caso contrário você retornará ao limbo amorfo da não-existência. Ou pior.

- E se eu me recusar?

Você não pode. Você não quer recusar. Estou lhe dando a oportunidade de se tornar algo. A alternativa é óbvia. Eu poderia te hipnotizar, injetar um pouco de soro da verdade, lançar um feitiço, te enrolar no laço da Mulher Maravilha, tanto faz. O que você preferir. O que for necessário. Mas você só sai daqui depois de responder minhas perguntas. Todas elas.

- Quem é você?

Eu sou quem irá contar sua história, que irá transformá-la em realidade. Eu irei pegar tudo o que você me der e misturar, bater, moer e destrinchar até virar polpa. Eu depois irei dar um sentido à essa polpa, e, por consequência, à sua existência.

- E eu serei o herói dessa história?

Pode ser. Pode não ser. Depende. A única coisa que posso garantir é que você será o protagonista de sua própria história.

- Somos todos protagonistas de nossas próprias histórias.

Agora você está me entendendo. Podemos começar?



E é assim que deve iniciar a sabatina com todos os seus personagens principais. Um bom personagem, seja ele protagonista, antagonista ou coadjuvante, deve gerar empatia no leitor. E para que isso aconteça é preciso haver algum tipo de identificação, algo que justifique seus atos, suas decisões, sua existência. E para que isso ocorra é preciso começar a tratá-los como seres vivos. Conversar com eles. Colocar-se em seus lugares, compreendê-los da maneira mais completa possível.

A técnica do "interrogatório" é eficaz pois coloca o personagem em uma situação vulnerável, onde ele deverá se abrir ao escritor sem nenhuma ressalva. Ele deverá contar tudo, desde eventos históricos, passando por ideologias e visões do mundo, chegando até a traumas e segredos que ele nunca compartilhou com ninguém antes. Serão esses detalhes, a soma deles, que transformará seu personagem de um rabisco mal ajambrado em uma pessoa viva, com objetivos, motivações e obstáculos claros. Que o tornarão verossímil, tridimensional.
Falando em dimensões, nesse processo você deverá passar por todas elas antes de poder considerar seu personagem como criado. Como vimos nos artigo anterior, as três dimensões do bom personagem são:

  • Primeira dimensão: Como ele é visto pelos outros.
  • Segunda dimensão: Como ele se enxerga, graças à sua história de vida.
  • Terceira dimensão: Como ele realmente é, ou como ele age quando está sob pressão.

A primeira dimensão é a mais simples, mas nem por isso deve ser tratada com descaso. Há diversas técnicas para criar a aparência exterior de um personagem. Você pode escolher a que quiser, mas é importante que escolha pelo menos uma. Crie uma ficha de personagem, faça um desenho, uma escultura de argila, tanto faz. Mas faça. Descubra como seu personagem se parece e como ele se mostrará ao mundo que você irá inseri-lo. Visualize-o. Adicione manias, trejeitos, detalhes característicos.

Coloco abaixo uma boa lista para se começar. Sinta-se à vontade para incluir ou excluir o que achar relevante, mas preencha-a:

  • Dados Catalográficos:
    • Apelido (Como o personagem é chamado por outras pessoas), Nome completo, Idade, Nacionalidade/Naturalidade
  • Aparência:
    • Altura, Peso/Tipo físico, Cor da pele, Cor dos cabelos, Cor dos olhos, Tipo de vestuário
  • Características marcantes:
    • Cicatrizes, Deficiências aparentes, Tatuagens, Piercings, etc.
  • Atributos Sociais
    • Profissão, Onde estudou, Renda, Bens, Relacionamento atual, Hobbies/Interesses.

Este é um bom começo, mas ainda é pouco. Um protagonista ou um antagonista é muito mais do que isso. Se você parar aqui terá o que os críticos adoram rotular de "monodimensional", "superficial" ou simplesmente "ruim". Para evitar que isso aconteça, precisamos cobrir a segunda e a terceira dimensões. E é aí que o processo do "interrogatório" brilhará. Relembre a cena lá em cima. Imagine-se com o seu personagem em uma sala vazia. Somente você e ele. Você cheio de perguntas e ele repleto de respostas, e incapaz de mentir ou esconder qualquer coisa. É sua oportunidade de conhecê-lo a fundo, descobrir tudo a seu respeito, tudo o que ele fez ou vivenciou e que o transformou no que ele é hoje, no que ele será no princípio de sua história. Aproveite essa oportunidade. Mergulhe fundo. O mais fundo que conseguir. Não negligencie nenhum detalhe, por mais irrelevante que possa parecer. A solução para um bloqueio pode estar nesse detalhe. Você já tem um Tema, um Conceito e uma Premissa. Use isso a seu favor. Pense em seu personagem nesta história que está sendo gestada, mas permita que ele tenha uma história própria, mesmo que elas sejam interdependentes (e elas são, não se esqueça!).

Tá, e quais as perguntas eu devo fazer, você deve estar se questionando. É ótimo pensar assim. Você está indo a uma entrevista crucial com um personagem importantíssimo da história que irá escrever pelos próximos meses ou anos. Tal qual um bom jornalista, é bom ir preparado. Saber o que perguntar é essencial. Larry Brooks, em seu livro "The Three Dimensions of the Character" lista uma série de perguntas básicas que devem ser feitas sobre o personagem, que traduzo abaixo (com uma pequena adaptação para fazer sentido no contexto do interrogatório):
  • Qual é a sua história pregressa, suas experiências que programaram como você pensa, sente e age hoje em dia?
  • Qual é o seu “demônio interior”, e como isso influencia suas decisões e ações frente aos “demônios exteriores” que serão lançado a você?
  • Você tem algum ressentimento?
  • Como você se sente a respeito de si próprio(a), e qual a distância entre este sentimento e a maneira que outras pessoas pensam a seu respeito?
  • Qual é a sua visão do mundo?
  • Qual é a sua bússola moral?
  • Você é benevolente ou ganancioso(a)?
  • De que maneira você adere a gêneros ou estereótipos?
  • Se não adere a nenhum, de que maneira você se diferencia?
  • Que lições de vida você ainda não aprendeu?
  • Que lições aprendeu, mas as rejeitou ou falhou em aprender?
  • Quem são seus amigos?
  • São intelectualmente similares a você?
  • Qual é o seu QI social?
  • Você é tímido(a)? Ansioso(a)? Descontraído(a)? A Alma da Festa? Introvertido(a)?
  • Qual é o seu desejo mais secreto?
  • Qual sonho de infância nunca se realizou e por que?
  • Qual é o seu sistema de crenças ou religiosidade?
  • Qual é a pior coisa que você já fez?
  • Você tem segredos? Talvez uma vida secreta?
  • O que as pessoas mais próximas a você não sabem a seu respeito?
  • O que o(a) faz postergar uma tarefa, procrastinar?
  • Alguma pessoa ou evento já impediu seu avanço pessoal?
  • Quantas pessoas iriam a seu funeral? Por que alguém decidiria não comparecer?
  • Qual o seu aspecto mais improvável ou contraditório?
  • Quais são suas manias ou hábitos?
  • O que o(a) diferencia do resto das pessoas? Que ponto de sua história pregressa o(a) levou a isso?
  • Você tem alguma cicatriz psicológica que afeta sua vida?
  • Como você age quando está sob pressão?
Nada impede que sejam incluídas outras perguntas, para fins de maior aprofundamento, mas no mínimo essas devem ser respondidas. Escreva as respostas. Não as mantenha no campo das ideias. Faça seu personagem respondê-las. Isso, além de ajudar você a compreender seu personagem, irá auxiliá-lo a encontrar sua voz.

Muito importante: não tenha pressa. Desfrute esse momento de intimidade entre você e o seu personagem. Quanto mais tempo você investir nesse processo, melhor será para sua história. Um personagem bem construído, bem estruturado, irá impelir sua trama. Ele será a carne e os músculos de sua narrativa. E quanto mais você conhecê-lo, menor a chance de ficar bloqueado ou usar a desculpa esfarrapada de que "perdeu o controle do personagem". Isso é uma bobagem. Se você perdeu o controle é porque nunca o teve, pra início de conversa. Reverta essa situação. Você e seus personagens irão passar muito tempo juntos, então é bom que sejam íntimos. Permita-se essa intimidade.

Terminado o processo de criação de cada personagem principal (primários e secundários), é hora de sentar e colocá-los em algum lugar. E é importante que esse lugar seja sólido, resistente o suficiente para suportar eles e a sua trama. É importante que sua história tenha uma estrutura. De nada adiantará jogar personagens bem construídos em uma realidade desconjuntada, sem objetivos ou fronteiras claras. Se os personagens são a carne e os músculos, a estrutura é o esqueleto, o que sustentará sua história. E é disso o que falaremos no próximo artigo.

Até lá.


Este artigo é o quinto de uma série sobre a aplicação de metodologias no processo de escrita. O primeiro pode ser lido aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui e o quarto aqui. Continuem ligados para ler os próximos.