20 maio 2014

RESENHA: Sensações - Rafael Bertozzo Duarte

Título: Sensações
Autor: Rafael Bertozzo Duarte
Páginas: 862 toques (Kindle)
Editora: Auto publicação
Ano: Não informado

"Sensações" é uma coletânea de contos de literatura fantástica de autoria do gaúcho Rafael Bertozzo Duarte, editado pelo próprio em formato e-book. Na capa vemos o selo "Oficina de Escritores", que descobri ser um coletivo de autores empenhados no aprimoramento literário através de leituras críticas, e não uma editora.

Os contos não seguem uma temática única, variando de gêneros como ficção científica, feitiçaria e lendas. Variam também na extensão, sendo alguns curtos e rápidos, e outros mais longos.

Em comum, senti a falta de um trabalho editorial mais acurado. Há diversos erros gramaticais e ortográficos, e uma série de problemas que uma revisão mais cuidadosa não deixaria passar, como repetições de nomes e palavras, além de descrições verborrágicas desnecessárias. A editoração não é primorosa, mas não compromete.

Vamos aos contos:

Sensações

Logo após a primeira menstruação, a menina Isabela descobre ser capaz de sentir fisicamente os desejos e intenções sexuais direcionados a ela, o que a faz se distanciar de relacionamentos afetivos por toda a vida.

Partindo de uma premissa interessantíssima, o autor coloca a protagonista em uma série de situações, por vezes divertidas, muitas vezes humilhante. A "condição" de Isabela é uma metáfora curiosa, pois nos coloca como "culpados" de seu sofrimento, e nos faz compadecer das vítimas de assédio sexual, uma situação ainda muito comum em nossa sociedade. O final feliz da história dilui um pouco este impacto, e é corrido e artificial, o que é uma pena, pois a premissa inicial merecia um final melhor.





Epifania Cósmica

Um casal de humanos viaja em uma espaçonave rumo ao centro do Universo, no local onde ocorreu o Big Bang. Lá eles encontram uma civilização alienígena avançada, que os coloca em contato com o Criador do Universo.

Tentando parecer mais profundo do que realmente é, esta noveleta desperdiça uma premissa interessante em uma longa e desnecessária filosofada que não diz nada e não leva a lugar algum. Os personagens principais, o piloto Lurien e a cientista Andrira, são desinteressantes e unidimensionais. Lurien recebe o benefício de encontrar-se com o Criador sem muito mérito, e Andrira frequentemente se perde em longas e maçantes explicações didáticas que não agregam muito à trama, que já é confusa. O conto tropeça em ritmo e extensão, diluindo o impacto da "epifania" antecipada pelo título. E mesmo essa é internalizada pelo protagonista, o que é decepcionante. Dentre todos os contos do livro, este é o que mais se beneficiaria de uma revisão profunda.





Diálogo na fábrica de universos

Dois funcionários em uma "fábrica de universos" conversam a respeito do trabalho escolar do filho de um deles.

Tentando fazer uma anedota existencial, ou exercício de imaginação, este conto se perde em uma troca de amenidades permeadas com detalhes técnicos irrelevantes que, no final, não tem graça, não é imaginativo e nem cumpre a pretensão de trazer uma reflexão sobre a existência de macro-micro-universos.





A morada dos espíritos

O garoto Felipe fica intrigado com um mistério: a impossibilidade de atravessar o rio de seu vilarejo. Após diversas tentativas frustradas, decide construir uma ponte para chegar ao outro lado.

Diferente dos outros textos do livro, esta noveleta cumpre a função de fazer uma reflexão existencialista instigante, ao mesmo tempo em que narra uma história de superação divertida e interessante. Há um ar de lenda, um misticismo implícito que levanta questões fundamentais. O texto tem alguns problemas de ritmo e a tendência de explicar demais. A construção da ponte é inverossímil, mas este é um pecado leve. É o melhor texto do livro.





Procura-se Príncipe Encantado

Anúncio classificado de vaga para príncipe encantado.

Piadinha boba, nem pode ser considerada um conto. No máximo uma postagem no Facebook. Engraçadinha mas descartável.





Apoteose

Releitura do Genesis sob o ponto de vista de Lúcifer, descoberta por uma seita religiosa denominada "Apoteóticos".

Neste conto há uma tentativa de escrever os "Evangelhos segundo Lúcifer", e narrar a sua descoberta por um grupo religioso que acreditava nesta linha de pensamento. Os trechos do "texto" encontrado são interessantes, deturpando as escrituras católicas e incutindo uma nova mensagem que, mesmo não sendo muito original, é revolucionária (e sacrílega) o suficiente para atrair a atenção. Já a aventura dos apoteóticos é enfadonha e sem ritmo, com personagens descartáveis e um conflito desnecessário. Fica a impressão de uma boa ideia desperdiçada em um grande clichê cinematográfico. Uma pena.





Longe de casa

Diálogo entre um humano criado em cativeiro que tenta copular com uma humana capturada, em uma gaiola alienígena.

Uma ideia no mesmo nível de "Diálogo na fábrica de universos", remete aos clássicos mais trash de "Além da Imaginação", mas sem o mesmo charme. O diálogo rápido e desinteressante entre o casal deságua em uma "reviravolta" previsível e tola. O texto se beneficiaria caso o mistério e a construção da expectativa fossem melhor trabalhados, e a interação entre personagens fosse mais divertida, mas do jeito que está é um texto descartável.





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14 maio 2014

RESENHA: A um Passo da Tragédia - Antonio Rocco

Título: A Um Passo da Tragédia
Autor: Antonio Rocco
Páginas: 180
Editora: N.Ex.T
Ano: 2008 (2a. Edição)

"A Um Passo da Tragédia" é uma coletânea de textos teatrais, com uma temática cômica, mas que, como o título indica, estão prestes a escalar para um drama maior. Alguns textos são curtos e diretos, sketches simples. Outros são mais complexos, com mais personagens e jogos de cena que exigirão maiores esforços da trupe que os adaptar.

Antonio Rocco faz um esforço para que seus textos tenham uma reviravolta no final, que tenta dar um sentido diverso ao que acabamos de testemunhar. Em alguns casos é bem sucedido, em outros nem tanto.

Os textos "Por favor, deixe-me tentar novamente", "Ato falho" e "Mera coincidência" compuseram uma trilogia chamada "Os Dez Mandamentos do Jogo dos Sete Erros" (ótimo título) que foram encenadas em 1994 no Teatro Ruth Escobar e em 1995  no Crowne Plaza, ambos em São Paulo.

Por favor, deixe-me tentar novamente

Um sketch rápido, com apenas dois atores (um casal de velhinhos), onde apenas a mulher fala para um marido entretido na leitura de uma revista Playboy. A conversa escala rapidamente para uma DR cheia de mágoa e ressentimento, no limite do desconforto, especialmente dada a ausência de reação do marido. Infelizmente essa premissa interessante é desperdiçada em uma piada tola e fora de contexto no final.

Nota:



Ato falho

Uma mulher volta de uma festa bêbada, e tenta conversar sobre o relacionamento com o marido, que voltou antes por uma crise de ciúmes e aparenta estar dormindo no sofá. 

Outro sketch rápido com um casal como protagonista, mas desta vez há um maior experimentalismo, especialmente na parte do absurdo da situação. A "conversa", de novo monopolizada pela esposa, beira o surreal, com variações de humor bem dosados. O final pontua a cena de maneira chocante, mas coerente.

Nota:






Mera coincidência

Uma mulher encontra o ex-marido no meio da noite em uma rua escura e testemunha seu suicídio. Ou isso é o que ela quer convencer a polícia que aconteceu. 

O autor descreve essa cena como "Drama em um átimo", e não há melhor maneira de defini-la. Uma cena curta, rápida e que deixará confusos aqueles que não prestarem atenção nos detalhes. Mas isso não tira o brilho e a inteligência, em especial no final, que nos faz rever tudo em retrospecto.

Nota:





Ser mãe

Duas mulheres grávidas, amigas do tempo do colégio, se encontram na fila do banco. Uma delas é pudica e recatada, e outra desbocada e sincera. A conversa escancara as diferenças entre as duas amigas e, com isso, a hipocrisia da sociedade. Um texto ferino e interessante, divertido e ao mesmo tempo perturbador, especialmente no final.

Nota:



O Natal mais feliz da minha vida

Na véspera de Natal o dono de um boteco precisa lidar com sua esposa, um bêbado, clientes, uma briga de trânsito, um assalto e sua amante grávida. O texto tem potencial, é interessante desde o começo, e possui personagens marcantes (o bêbado, Birigui, é ótimo). Utilizando o formato "comédia de erros", as situações se sucedem em uma escalada frenética. Uma pena que, mesmo o texto tendo dois finais, nenhum deles seja satisfatório. O primeiro termina a confusão de maneira abrupta e abusando do pastelão. O segundo arrasta a resolução ineficiente (e, por que não dizer, até mesmo repreensível) sem um foco, diluindo o início promissor em lugares-comuns. 

Nota:





Os mais miseráveis

Não li. Além de não ser grande fã de musicais, o texto é inteiro em versos.

Nota:




Muro

Este eu tentei, mas abandonei. Um longo monólogo de 9 páginas, com frases encadeadas sem pontuação, confuso e sem muito nexo. Provavelmente possa ficar interessante se encenado, mas como leitura não deu.

Nota:




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