30 abril 2009

Os Zumbis e a Originalidade

Assista ao curta abaixo ANTES de ler minha análise a seguir.



Eu sempre que posso bato na tecla da originalidade na hora da criação, mas o que eu menos vejo por aí são idéias originais sendo realizadas. No máximo um fiapo de idéia original que logo é inundada por uma torrente de clichês e lugares comuns. No final tudo pode ser colocado no mesmo balaio e pronto.

Muitos de meus textos já publicados tem uma aceitação bastante dúbia. Tem gente que adora. Tem gente que odeia. Normalmente quem odeia faz parte do famigerado fandom da literatura fantástica. Gente que coloca Star Wars, Star Trek, Harry Potter, Senhor dos Anéis, Crepúsculo ou qualquer porcaria escrita por Stephen King ou Anne Rice como as Tábuas da Lei da literatura mundial. Foram estas pessoas que descartaram meus contos na série Necrópole como "traidores", "pretensiosos demais" e daí pra baixo.

A questão que sempre bato é: se for pra reescrever a história dos outros, prefiro economizar meu verbo e simplesmente lê-los. Um papagaio tagarela não é mais do que uma curiosidade pitoresca. Ou você conhece algum papagaio orador famoso?

O vídeo aí acima é um exemplo claro do que quero dizer. Com certeza os espectadores desatentos vão logo taxá-lo como uma história "de zumbis" e rotulá-lo como uma história de terror simplesmente por conta disso. É uma história de terror, sim, mas não APENAS pelo fato de haver ali um zumbi. O terror existe, só que está nas entrelinhas. Mas me adianto.

Vamos analisar a estrutura básica de uma "história de zumbis": normalmente começa com um acidente ou falha catastrófica que causa uma epidemia de zumbis. Os sobreviventes rapidamente se juntam em grupos armados e tentam desesperadamente resistir à horda sempre crescente dos famintos mortos vivos, passando por situações dramáticas e sendo obrigados a tomar decisões difíceis a respeito de vida e morte até que apenas um (ou nenhum) dos sobreviventes... bem, sobreviva. Todos já vimos histórias assim, tanto na literatura quanto nos cinemas e até em games. É o formato comum.

Agora vejamos a estrutura do curta acima. Vemos um grupo de garotos se reunindo displicentemente em uma cidade em ruínas. Leva algum tempo para descobrirmos que os garotos aprisionaram um zumbi e estão se divertindo torturando-o. O núcleo narrativo é um garoto que, ignorando a macabra "brincadeira" dos parceiros, mostra estar apaixonado por uma garota brava e pouco receptiva. A infecção já aconteceu. Não é o centro da história. Percebemos DEPOIS que tanto o garoto quanto a garota tem motivos para agirem daquele jeito pouco sociável. Rapidamente a antipatia inicial que poderia ter surgido se converte em piedade e empatia. Especialmente em dois momentos. Primeiro no diálogo:

Garota: Você não tem outro lugar pra ficar? Com sua família ou algo parecido?
Garoto: Não. Eles se foram. Estão todos mortos.

Depois, mais ao final, quando a garota perde as estribeiras e grita com os garotos que torturavam o zumbi:

Garota: Que PORRA vocês estão fazendo?
Garoto: O que você acha? Estou me livrando dessa porcaria de zumbi.
Garota: Essa porcaria de zumbi é a porcaria do meu pai!

Pronto. O cenário está construido. Descobrimos neste momento que não estamos em uma típica história de zumbis. Estamos testemunhando uma outra visão da mesma história. Um drama familiar pesado, que usa os zumbis apenas como alegoria para uma história muito mais profunda, cujo tema essencialmente não é o fato de ter zumbis, mas o AMOR. O amor de uma filha que se recusa a aceitar a condição do pai. Que se vê obrigada a se entregar ao sacrifício pessoal em nome deste amor. Mas não só esse tipo de amor. Vemos, através da atuação surpreendente econômica do protagonista, um amor que nasce de um terreno quase estéril. Um amor que surge da empatia da dor do casal. Uma história com zumbis mas que fala essencialmente de amor e da esperança que este amor representa.

ISSO é originalidade. Perceba que o autor em momento algum se preocupou em explicar as causas da infestação de zumbis ou em criar situações típicas destes casos. Qualquer explicação apenas diluiria o impacto da resolução do núcleo dramático. O que importam não são os zumbis. São os personagens e suas mudanças no cenário montado. No momento que a garota se vê obrigada a acabar com o suplício do pai nós compartilhamos de sua dor. E nos entristecemos com a MORTE DE UM ZUMBI. É mais ou menos como se George A. Romero tivesse filmado uma adaptação de "O Senhor das Moscas".

Agora me diga: quantas histórias de zumbi desse jeito você já viu ou leu antes?

O que essa galera do fandom tem que compreender é simples: tradição olha para o passado, mas traição olha para o futuro. Trair as tais "Tábuas de Lei" da criação não é só algo que deveria ser o objetivo de todo artista. Deve ser a obrigação! O que foi criado antes deve ser aprendido e apreciado, mas não copiado. Não é porque eu gosto de determinada obra que vou ter que escrever outra igualzinha, mudando apenas os detalhes para mascarar meu plágio. Eu vou transformá-la, deturpá-la. Evoluir o conceito se possível. Criar alguma coisa que nunca foi criada antes, mesmo que para tanto eu use as bases já consolidadas antes de mim. Mas nunca me acomodar em um estilo ou forma só porque já deu certo antes.

Esta é a postura que todo artista deve ter caso pretenda algum dia ser reconhecido como um.

29 abril 2009

Crônica de uma Larica Reativa

(Transcrição tão fiel quanto minha memória permite)

- Bem vindo aos Amigos da Madrugada do Delivery Habib's - Você Feliz! - Boa noite. Com quem eu falo?

- Hum, Alexandre...

- Boa noite, Sr. Alexandre. Em que posso ajudá-lo?

- Eu queria fazer um pedido...

- O endereço de entrega é na rua blablabla número tal, casa? Próximo à avenida nhemnhemnhem?

- Sim, é isso mesmo.

- Qual o pedido?

- Eu queria dois Double Habib's...

- Dois combinados com batata frita e suco?

- Não, não. Só os lanches mesmo...

- Ok. Mais alguma coisa?

- Mais dez esfihas de espinafre e...

- Dez esfihas de espinafre. Espera. Hum, Sr. Alexandre, sinto muito. Estamos em falta de esfihas de espinafre. Gostaria de alguma outra coisa no lugar?

- Em falta? Droga. Então troca por dez esfihas de quei... Não, quero dizer, de carne.

- Dez esfihas de carne e dez esfihas de queijo?

- Não! Só dez esfihas de carne.

- Ok. Mais alguma coisa?

- Eu queria também aquela promoção pague 5 e leve 6 dos pasteizinhos de belém...

- Que tal se eu oferecesse para você a promoção pague 10 e leve 12? Serão mais pasteizinhos de sobremesa e você ainda leva dois de graça! Que tal, hein?

- Tá, pode ser...

- Ok. Mais alguma coisa?

- Uma coca dois litros...

- Só uma coca? Com tudo isso garanto que uma coca só é pouco. Que tal se eu mandasse duas cocas dois litros?

- Tá, tudo bem...

- Duas cocas dois litros então. Ok. Mais alguma coisa?

- Não, é só isso...

- Sr. Alexandre, eu já percebi que o senhor é um apreciador de sobremesas. Por essa razão vou lhe oferecer uma deliciosa promoção. Quantas pessoas irão se alimentar hoje?

- Hã? Ah, duas...

- Perfeito! Tenho aqui uma promoção deliciosa especialmente para você. Vou incluir em seu pedido quatro deliciosos brigadeiros. O senhor já provou nossos deliciosos brigadeiros?

- Já...

- Então o senhor sabe exatamente como eles são deliciosos, não é verdade? Quatro brigadeiros dão dois brigadeiros para cada um, com a vantagem que se você não os quiser comer agora pode guardá-los por mais 24 horas sem problemas. Seria uma ótima sobremesa para o almoço de amanhã, ou um delicioso complemento para o seu café da manhã. Que tal? Gostou da idéia? Com os brigadeiros sua conta fica em R$ 62,40, incluída a taxa de entrega...

- Não, não. Sem brigadeiro...

- Então vamos fazer assim: Como eu tenho certeza que o senhor é um grande apreciador de boas sobremesas, que tal levar dois brigadeiros no lugar de quatro? Quem recusa um brigadeiro, não é verdade Sr. Alexandre? O senhor sabe o quanto eles são deliciosos. Com dois brigadeiros sua conta sairá apenas R$ 59,60. Posso incluir em seu pedido?

- Tá, tá! Pode incluir o brigadeiro.

- Ok. Qual seria a forma de pagamento?

- Dinheiro...

- Precisa de troco?

- Troco? Não, não precisa...

- Confirmando o pedido. Serão dois Double Habibs só os lanches, dez esfihas de carne, uma promoção pague 10 e leve doze do pastelzinho de belém, duas cocas dois litros e mais dois deliciosos brigadeiros. Tem certeza que não quer mesmo levar quatro brigadeiros?

- Tenho!

- Ok. O total é de R$ 59,60 a ser pago em dinheiro. Sem troco. Pedido a ser entregue na rua blablabla, número tal, casa, próximo à avenida nhemnhemnhem. Tem algum outro ponto de referência?

- Que tal o Habib's, que é a uma quadra daqui e que levaria muito menos tempo e ficaria muito mais barato se eu fosse até lá e pedisse pra viagem do que ficar a noite inteira conversando com um atendente tagarela?

- Ok, senhor. O pedido seguirá lacrado e deverá chegar aí em até 28 minutos. Caso contrário o senhor não precisará pagar nada. Quer anotar o número do pedido?

- Não. Só manda a porcaria da comida logo, por favor.

- Claro, Sr. Alexandre. O Delivery Habib's e os Amigos da Madrugada desejam a você uma excelente refeição.

- Obrigado...

- E claro, muito sucesso, não é verdade?

- Hum?

- Boa noite.

--

Eu ODEIO falar ao telefone. Pedir uma pizza para mim é um suplício. Até mesmo com os amigos e conhecidos eu sou o cara mais lacônico que conheço ao telefone. Sou daqueles que quando a namorada começa com aquela ladainha do "Desliga você primeiro?" eu respondo "Tudo bem" e desligo. Telefone pra mim é apenas uma maneira de se resolver rapidamente algo que não pode ser resolvido presencialmente por uma falta de sincronia espacial, só isso. Ficar de papinho não é comigo. Gosto de olhar meu interlocutor nos olhos. Ou no mínimo ter a capacidade de refrasear uma fala sem precisar pedir desculpas.

Mas vou te falar que este foi o telemarketing reativo mais ativo que eu já vi em toda minha vida. Esse moleque vai longe desse jeito. Nunca fui obrigado a comer tanta porcaria numa mesma noite.

Mas os brigadeiros estavam mesmo deliciosos.

PS: A imagem da gostosinha metida a Jeannie é meramente ilustrativa. Infelizmente ela não veio junto com o pedido.

17 abril 2009

Como não ser fisgado com um Phishing Scam (para leigos)

Estou para escrever isso faz algum tempo.

Como alguns que me conhecem pessoalmente já sabem, eu trabalho com informática. Analista de sistemas desenvolvedor de soluções Java. Trabalho com computadores muito antes de existir a internet (meu primeiro micro foi um TK-85 da Prológica, mas isso é outra história). Com este currículo as pessoas frequentemente vem para mim quando tem alguma dúvida a respeito dessas maquininhas tão misteriosas que tomaram nossas vidas de assalto: O famigerado computador.

Uma das questões que mais recebo é sobre e-mails estranhos. "Recebi uma mensagem XYZ com um anexo. Posso abrir?", "O orkut mandou uma mensagem engraçada. Isso é vírus?", "Meu micro está lento. Estou com vírus?"

Bom, antes de tudo não vou dar aqui uma lição sobre as diferenças entre vírus, worms ou cavalos de tróia. Quem quiser saber mais é só seguir os links acima. Para o bom leigo isso não faz a menor diferença. Eles querem seus computadores funcionando, só isso. Então, numa metáfora apropriada, não vou dar o peixe. Vou ensiná-los a pescar. Melhor ainda. Vou ensiná-los a NÃO serem pescados.

Basicamente existem 2 maneiras básicas de se proteger:

1) Mantendo o computador sempre atualizado, instalando um antivírus confiável (os gratuitos AVG e Avast! dão conta do recado) e instalar um bom firewall (por incrível que pareça, o Windows Defender mesmo já é o suficiente).

2) Usando o cérebro.

"Usando o que?!"

"Pronto, já começou o papo pretensioso...", você deve estar resmungando. Pois é. Mas é verdade. Eu já explico. Antes, deixe-me esclarecer um conceito importante ou dois.

O ato de enviar um e-mail "malicioso" (que tente enganar o usuário de alguma forma) é conhecido no meio com a alcunha de "Phishing Scam", que nada mais é que uma outra grafia para Fishing Scam, ou "Golpe da Pescaria" em tradução livre. O conceito é simples: crie uma mensagem que de alguma maneira atraia incautos a clicar em links no corpo da mensagem ou abram anexos que contenham programas que se instalarão em seu sistema e o utilizarão de alguma maneira, à revelia do usuário. É o mesmo conceito de mail marketing (ou mala direta). Envie 2 mil mensagens e pelo menos 200 trouxas vão clicar no link ou executar o anexo. O que estes programas fazem varia um pouco, mas basicamente o que vai acontecer é:

- O programa irá vasculhar sua caixa postal e roubar todos os seus contatos, alimentando a base de replicação da mensagem.

- Em seguida ele mandará uma cópia da mensagem original para todos os contatos "roubados" (seus contatos não irão desaparecer, fique tranquilo).

- Em alguns casos este programa se aproveitará de alguma falha não corrigida de seu sistema (por isso é importante manter seu computador sempre atualizado) e abrirá uma porta para que seu micro se transforme em um "zumbi", ou seja, uma máquina que, em conjunto com outras máquinas infectadas, auxiliará o criador do programa a invadir ou derrubar algum outro sistema.

"Ih, fedeu!"

O problema é que a maioria destas invasões são imperceptíveis ao usuário. Nenhum dado seu será apagado, nenhum monstrinho ficará pulando em sua tela, comendo seus ícones, nada disso. O máximo que pode acontecer é um declínio no desempenho tanto de seu computador quanto de sua conexão. Mas vale ressaltar que não é porque seu micro está lento que você foi infectado. Perda de desempenho tem dezenas de causas. Micro infectado é apenas uma delas.

Bom, como podem ver, mesmo as consequências não sendo tão nefastas quanto se pensava, é algo desagradável e que deve ser evitado. E é aí que voltamos ao assunto principal deste texto: Como usar o cérebro me ajuda a não ser infectado?

Bom, usar o cérebro é algo que deve ser feito sempre, é claro. Mas, neste caso estamos falando de um golpe, algo feito com a clara intenção de te enganar. Então, para evitar morder este anzol, algumas dicas são importantes:

1) Normalmente estas mensagens chegam com assuntos como "Veja a Fulana do BBB dando prum jumento na praia" ou "Seu CPF (ou título de eleitor, ou cadastro no SPC) foi cancelado (negativado, excluído, etc)" ou outras coisas que nós, meros cidadãos tarados e pagadores de impostos sempre nos arrepiamos só de pensar. Normalmente estas mensagens apelam pro medo, luxúria ou curiosidade. Fique esperto.

2) Desconfie de tudo. Não acredite que você ganhou numa loteria que nunca jogou. Não abra as fotos que aquela menina mandou pro namorado e "sem querer" enviou pra você. Se não contratou um detetive, então não abra as "fotos comprometedoras" de sua esposa que te enviaram. Nem acredite em promoções absurdas. Nem em garotos com câncer na Argentina. Boas fontes de referência são os sites de companhias de segurança de software ou mesmo páginas especializadas em desmistificar esses esquemas. Aqui no Brasil uma boa fonte de referência (apesar do design horroroso) é o site Quatrocantos. Antes de sair clicando inadvertidamente é sempre bom dar uma checada nesses lugares.

3) Desconfie de mensagens mal redigidas. Parece exagero, mas aparentemente estes hackers (mau uso da palavra, mas é um texto para leigos mesmo...) cabularam as aulas de português para ficarem estudando falhas de segurança na internet. Sites como Submarino, Americanas, Receita Federal, etc, possuem REDATORES e REVISORES para suas mensagens. Então uma mensagem com a frase "Clique aki e ganhe o prezente que vc sempre quiz" com certeza é golpe. Não seja idiota.

4) Perceba discrepâncias. Estas mensagens são enviadas em massa. Sendo assim seus conteúdos precisam ser o mais genéricos possível de modo a atingir a maior gama de otários possível. Pare de olhar para o próprio umbigo e perceba que aquela mensagem não foi enviada APENAS para você.

Isso cobre o básico. Então, quando receber uma mensagem suspeita não se apavore. Desconfie. Use seu poder de dedução. Não saia clicando em qualquer coisa que te mandam. MESMO se o remetente for conhecido. É simples: PENSE antes de agir. Mesmo que sua ação seja pegar o telefone e ligar pra mim e perguntar. Pense. Analise. Não é tão complicado.

Vamos a um pequeno teste?

Acabei de receber a seguinte mensagem por e-mail:

de: Ministério Público <avisoprocessual@mp.gov.br>
assunto: Comunicado importante!
Procuradoria Regional da Justiça
Coordenação de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos – CODIN
Procedimento investigatório n.º 40925/2008

O Ministério Público da Justiça, no desempenho de suas atribuições institucionais, com fundamento nos artigos 137 e 119, inciso VI da Constituição Federal e artigo 6º, inciso VII, da Lei Complementar n.º 175, de 20 de maio de 1993, INTIMA Vossa Senhoria a comparecer na Procuradoria Regional do Trabalho, no dia 13 de abril (segunda feira) de 2009, às 10:30 horas, a fim de participar de audiência administrativa, relativa ao procedimento investigatório em epígrafe, em tramitação nesta Regional, conforme despacho em anexo abaixo.

Anexo Despacho.doc

SAF Sul Quadra 4 Conjunto C - Brasília / DF - CEP 70050-900 - PABX: (61) 3031-5100

E aí? Essa é dureza, né? Devo clicar no link ou não? Vamos seguir o pequeno manual que redigi acima:

1) Assunto Urgente: É uma mensagem do Ministério Público, a respeito de uma intimação para a participação em um procedimento investigatório. Quem foi investigado? Eu? Algum conhecido? É algo a se prestar atenção.

2) Golpe Conhecido: Uma visita rápida ao Quatrocantos (em páginas estrangeiras com certeza não apareceriam) não mostra nenhum tipo de golpe com este teor. Então se for golpe é coisa recente. Ou será que é verdade?

3) Péssima Redação: Nenhum erro grotesco no conteúdo da mensagem. Um texto bem redigido, bem formatado. Parece autêntico. Estou quase clicando!

4) Discrepâncias: O fato de meu nome não ter sido citado uma vez sequer na mensagem inteira já é motivo de desconfiança. Claro, pode ser uma daquelas mensagens instantâneas, geradas e enviadas automaticamente. Estranho seria usarem algo tão impessoal para um assunto tão pessoal, mas isso não é tão grave. Pode ser um novo procedimento, não é?

Muito bem, a mensagem passou em todos os passos de meu pequeno manual básico de segurança, não passou? Raspando, mas passou. Então, é seguro clicar no link?

CLARO QUE NÃO, SEU IDIOTA! NÃO LEU NADA ATÉ AQUI?

Pense! Analise! Não se prenda a manuais ou soluções mastigadas. Use sua capacidade de investigação básica. Como eu disse, DESCONFIE SEMPRE. Esta mensagem é claramente um Phishing Scam. E eu explico porque:

1) O endereço de envio da mensagem já é meio estranho: avisoprocessual@mp.gov.br. Não o prefixo (antes do arroba), mas o domínio. Existem diversas instituições denominadas "Ministério Público". Uma para cada estado, especificamente. O endereço do de São Paulo é http://www.mp.sp.gov.br. Há o Ministério Público Federal (http://mpf.gov.br) e o da União (http://mpu.gov.br). Tente acessar o endereço http://mp.gov.br. Eu espero. Nada, né? Pois é, nesse angu tem caroço...

2) Recebi a mensagem no dia 16/4. A mensagem diz que preciso comparecer no dia 13/4. Mesmo levando em conta a incrível capacidade do poder judiciário em atrasar tudo, duvido que enviassem uma mensagem me convocando numa data ANTERIOR a seu recebimento.

3) O link aponta para um endereço totalmente diferente de qualquer outro que referencie a algum Ministério Público (não vou colocar o endereço aqui). Nem mesmo ao tal mp.gov.br (que, como já comprovado, nem existe). Ou seja, é apenas uma página que hospeda um arquivo malicioso (ou um "vírus", pra facilitar o entendimento).

Pronto. Caso receba essa mensagem denuncie como spam e apague-a. Sem dó. É um Phishing Scam. Não seja fisgado. Não seja um cabeça de bagre. De novo: PENSE. Se eu fiz isso você também pode fazer.
Perceba que não usei nenhum conhecimento técnico avançado para esta análise.

Chega de alimentarmos essa prática tão chata. Pensar não dói.

Pensa nisso.

12 abril 2009

The Countess - Julie Delpy como Bathory nos cinemas

Na carta de apresentação que redigi para as editoras quando tentava publicar "O Legado de Bathory" escrevi:

"Recentemente, foi anunciada a produção de um longa-metragem contando sua história, protagonizada por Julie Delpy e Ethan Hawke. A previsão de lançamento é para meados de 2007."
Pois bem, alguns anos se passaram, o livro foi lançado no final de 2007 e nenhuma notícia desta produção surgiu. Cheguei a pensar que o filme havia sido até cancelado. Acontece, especialmente sendo um tema considerado pouco digerível pelo público médio E sendo o filme de estreia da bela francesa na direção. Daí encontro, por acaso no blog Rosebud é o trenó, uma notícia que linka ao trailer da produção, agora nomeado simplesmente "The Countess" e sem a presença de Ethan Hawke (mas com a adição de William Hurt no papel de Gyorgy Thurzo). Comentários meus após a visualização do trailer.



E aí? Gostou? Eu não sei. Quando li as primeiras entrevistas de Delpy a respeito da produção eu tive alguma esperança. Ela pretendia fazer algo mais calcado na realidade, deixando de lado (ou explicando melhor) grande parte dos mitos que envolviam a condessa. Mas ao ver a famigerada "cena do toucador" (quando o mito diz que Bathory descobriu os poderes curativos do sangue de virgens) dei uma broxada. Quem leu meu livro (e especialmente a nota histórica ao final) sabe que esta cena é comprovadamente fictícia, tendo sido criada bem posteriormente em romances e transformadas em "verdade" pelo boca a boca. Não sei. Além disso tentar racionalizar os crimes criando uma história de amor com um homem mais jovem (e a partir disso explicar a obsessão pela juventude eterna) é uma estratégia barata que o cinemão adora fazer. Não assisti o filme ainda, vou fazer, mas minha expectativa caiu bastante.

Aproveitando o tema, em 2008 o cultuado diretor tcheco Juraj Jurabisko produziu uma cinebiografia da condessa que foi lançado apenas em alguns festivais pelo leste europeu (mesmo o filme sendo estrelado por Anna Friel (a simpática Chuck do razoável Pushing Daisies) e falado completamente em inglês). Parece uma produção muito mais séria e bem menos poeticamente licenciada (!). O trailer é esse aí embaixo. Também não vi e não encontrei em lugar algum. Caso alguém saiba onde encontrar, me avise.


01 abril 2009

Identidade nos Tempos de Twitter


– Você entrou no Twitter, pai?

Tentou decifrar a linguagem em código da filha. Não queria parecer antiquado como seu próprio pai, mas estava cada dia mais difícil. Calma. Ganha tempo. Finge que estava distraído.

– Entrou no que, minha filha?

– No Twitter. Não me enrola.

– Do que você está falando?

– Mãe! O pai tá fazendo aquilo de novo!

– Deixa ele, minha filha...

– Que papo é esse? Encontrou alguma coisa minha aí no teu notebook?

Péssima estratégia. Tinha sido só uma vez. E nem tinha achado bom. Tanta janela aberta o fazia sentir meio exposto. E tinha apagado o histórico, não tinha? Não faz cara de preocupado.

– Vai me dizer agora na minha cara que @RonaldoSiqueira não é você?

– Depois do arroba meu nome é esse mesmo.

– Eu sabia! Ah, eu não acredito!

Passos pesados e o estrondo de uma porta batendo encerraram a conversa.

@

– Ela está brava comigo ainda?

– Também não é pra menos, né Ronaldo? Que absurdo!

– Ah, nem começa. Foi só uma vez. Fui abrir o anexo de um e-mail do Marco e tudo começou sem que eu pudesse evitar. E eu tentei! Mas foi uma confusão tão... Que eu...

– Do que você está falando?

– Nada. Que foi que eu fiz que eu nem sei?

– Olha, pode brincar com o Twitter à vontade. Não é esse o problema. Mas não precisa seguir a menina, precisa? Deixa ela em paz.

– Seguir? Mas eu não sigo ninguém!

– Estava seguindo quarenta e cinco ontem de noite que eu vi. Sua filha inclusive.

– Quarenta e...

– Francamente, Ronaldo!

@

Levou algum tempo até que ele compreendesse tudo aquilo. Mal tinha acabado de decifrar o conceito de comprar um livro numa página de internet e foi apresentado ao universo do microblogging, dos cento e quarenta caracteres, de falar com ninguém e ao mesmo tempo com todo mundo, essas coisas. Achou uma tremenda bobagem. O que ele iria contar de interessante?


07:12 Cheguei atrasado. De novo. Espero que meu chefe não repare.

07:14 @Chefe Bom dia para o senhor também.

11:55 Cinco minutos para o almoço. Espero que tenha tiramissu hoje.

13:47 Não tinha. Comi torta holandesa. Muita manteiga. Quase duas horas de almoço mas valeu a pena #siesta

13:48 @Chefe Também acho. Com certeza. Não vai se repetir.

E por aí vai. Quem se interessaria por isso? Ele tinha mais o que fazer do que ficar narrando a própria vida.

Ou não tinha?

@

E quem era esse outro Ronaldo Siqueira? Um homônimo? Muito provável. O fato deste outro ter começado a seguir sua filha podia ser apenas uma coincidência. Uma coincidência estranha, mas apenas isso. Não era?

Começou a acompanhá-lo. O cara parecia legal. Tinha uma vida agitada. Fazia piadas o tempo todo. Sempre espirituosas e engraçadas. Mandava links interessantes. Entrava em sua página sempre após o almoço, quando se lembrava. Quando faltava algum dia tentava ver o que tinha perdido, mas era impossível. O cara tinha tanto assunto! Diversificava tópicos, fazia citações, entrava em debates acalorados. Era esperto. Havia conseguido mais amigos em uma semana do que o original durante a vida inteira. Tudo isso sem mostrar ao menos o rosto. A foto em seu perfil era tirada de um desenho animado qualquer. Mas até esse desenho era legal.

– Que filho da mãe!

@

Abriu a página do seu outro antes mesmo de abrir o e-mail. Queria saber o que tinha rolado na festa de ontem. Coisa de agência de publicidade, pelo que ele havia dito ontem no final da tarde. Várias gatinhas. Open bar. Com menos de cento e quarenta caracteres ele havia descrito a festa tão bem que dava pra imaginá-la em detalhes.

07:02 Alguém tem um tylenol? #Ressaca

Onde será que ele estava? Será que já estava no trabalho? Ou mandou a mensagem de casa? Ou da casa de alguém? Imaginou-o alcançando o celular de última geração em cima do criado mudo do quarto de motel e enviando a mensagem enquanto a garota tomava um banho. Muito melhor que numa baia apertada com a cara amassada de sono e a boca com gosto de café instantâneo. É isso aí, Ronaldo!

@

– Paiê! Mamãe mandou você largar o Twitter e vir jantar que já tá esfriando...

– Já vou, filho. Só um instantinho.

21:36 Acho que levei um bolo...

Não, cara, não desiste ainda. Você investiu tanto. Essa tá no papo. Ela atrasou só o que? Meia hora? Calma.

21:42 All by myself...

Paciência, cara. Não se desespera. Você acha que alguém com um nome como @FelinaFogosa ia resistir a seu charme? Tenha um pouco mais de auto confiança. Daqui a pouco ela aparece.

21:45 Opa, o interfone. Depois eu conto como foi. BRB.

– PAI!

– Tô indo, tô indo...

@

O vício cresceu tão rapidamente quanto sua produtividade caiu. Pra que se importar com contabilidade se ele podia estar bolando uma campanha revolucionária para um sabão em pó? Que interessava o resultado do jogo do Palmeiras? Ele era corintiano. Ou era palmeirense? Não, ele era palmeirense. E ele era corintiano. Péra, me perdi.

Ele tinha trocado de carro. Tinha se mudado recentemente. Solteiro convicto. Órfão de pai. Antenado. Falava de tecnologia com naturalidade. Era chamado para festas. Escrevia numa página sobre Design. Tocava violão. Fumava. Bebia sem medo do dia seguinte. Vivia com tamanha intensidade que fazia questão de compartilhar tudo com todos. E tinha certeza de uma coisa:

Todos o invejavam.

@

– Pai, que roupa é essa? E esse óculos?

– Não gostou? É o que tá se usado, não é?

– Até é, pai, mas sei lá... Em você ficou estranho.

– Ah, você tá por fora.

– Mãe?

– Não começa, Ronaldo.

@

– Pai, você levou o notebook pro banheiro?

– É só um instante, filha.

– Ai, que nojo! O que você está fazendo?

– Estou esperando o garçom trazer minha tequila pra brindar com a galera mais um cliente.

– Hã?

@

Em pouco tempo o diálogo ficou impossível. A esposa pensou em levá-lo a um psiquiatra. Já não tinha mais controle sobre o vício. E aquelas histórias todas? Quem ele achava que era?

@

A tela apagou. De repente. Ele gritou.

– Xi, acabou a luz.

– Bem na hora da minha novela?

– Que aconteceu?

– Acabou a luz...

– Ah não, justo agora?

– Que foi? Estava fazendo alguma coisa importante?

– Uma conferência sobre redes sociais em São Francisco. Estava quase na hora do coquetel de encerramento.

– Ai, meu Deus...

– Teu notebook tem bateria, não tem? Empresta ele pra mim, por favor?

– Que adianta, pai? Sem luz não tem internet. Calma, daqui a pouco volta.

– Daqui a pouco quando?

– Sei lá, ô! Saco! Vou pro meu quarto.

– Ronaldo...

– Não. É sério. Acabou a luz só aqui ou foi no prédio? Tem alguma LAN House aqui perto?

– Uma o que? Você está maluco? Senta. Se acalma. Cuidado com a mesa! Meu Deus Ronaldo, o que você está fazendo?

Ele a olhou como se não a reconhecesse.

– Eu... Eu não sei. Depois eu te digo. BRB.

– Bê erre... O que você está falando?

Mas a luz voltou.